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Meta mantém verificadores de fatos na América Latina por enquanto, mas jornalistas se preparam para mudanças por vir

Foi sem surpresa que Natália Leal, diretora-executiva da Lupa, uma das maiores agências de verificação de fatos do Brasil, recebeu a notícia de que a Meta vai descontinuar o seu programa de checagem de fatos nos Estados Unidos, substituindo-o por um sistema similar ao utilizado na plataforma X. A exemplo de Elon Musk e de outros magnatas do setor de tecnologia, Mark Zuckerberg, o CEO da Meta, já indicara que se aproximaria do presidente americano Donald Trump. 

“O que não esperávamos era que a mudança fosse já, e tão abrupta”, afirmou Leal à LatAm Journalism Review (LJR). As redes da Meta não só vão deixar de ter checagem de fatos, mas também vão parecer de moderar conteúdo homofóbico, racista ou misógino”.

A decisão de Zuckerberg, anunciada no dia 7 de janeiro, por ora se restringe aos Estados Unidos. Na última segunda-feira (20 de janeiro), a chefe de negócios globais da Meta, Nicola Mendelsohn, disse no Fórum Econômico de Davos que a empresa continuara a empresa continuará a usar verificadores de informação em outros países por enquanto, e que uma decisão futura dependerá da consequência das mudanças nos Estados Unidos.

Verificadores de fatos profissionais da América Latina ouvidos pela LJR, no entanto, demonstram ceticismo e consideram provável que a Meta eventualmente vá encerrar parcerias com verificadores de informações em outras partes do mundo.

Se eventualmente confirmado, o fim do apoio da Meta significará o corte de uma importante fonte de receita para as agências de checagem, uma das áreas do jornalismo que mais cresceu na última década. Significará, igualmente, que informações falsas e enganosas circulam mais livremente em redes sociais como Instagram e Facebook, desde propaganda política até golpes financeiros. 

Para Leal, as mudanças são um sintoma de transformações políticas profundas.

“Há um certo ataque a democracia como modelo instituído que se baseia no diálogo e na construção de consensos”, afirmou. “Há uma mudança de paradigma em curso, com uma supervalorização da liberdade de expressão em detrimento de outros direitos, como o direito de ser quem é, e a liberdade de dizer o que se é sem sofrer ataques”.

Como funciona a checagem

A Meta, antes chamado Facebook, lançou o seu programa de checagem de fatos no primeiro semestre de 2018, após a empresa o a empresa britânica Cambridge Analytica coletar informações sobre milhões de usuários para utilização em propagandas nas eleições presidenciais americanas de 2016. 

O programa funciona a partir de parcerias de organizações de checagem e a Meta. As organizações de checagem são todas ligadas à International Fact-Checking Network (IFCN), rede de checadores organizada pelo instituto Poynter (EUA), que estabelece uma série de critérios e metodologias a seus aderentes. Segundo a Meta,  mais de 80 organizações trabalhando em 60 idiomas diferentes participam da iniciativa.

As organizações identificam potenciais casos de desinformação a partir de seus próprios monitoramentos ou então da sugestões da Meta. Esses conteúdos são classificados de acordo com critérios de veracidade das organizações, e então a Meta é notificada de que determinado conteúdo é falso ou enganoso.

“Mas nós paramos aí. Depois, é a Meta quem decide o que fazer com essa classificação”, afirmou Arturo Daen, editor do Sabueso, setor de verificação do Animal Político, do México, à LJR. “São eles que decidem se vão somente pôr um alerta de que um conteúdo é enganoso ou desinformante, ou ou o nível de exposição de um conteúdo”.

Todas as organizações de checagem confirmam que decisões sobre retirada de conteúdo, punição a usuários, diminuição de alcance de conteúdos depende exclusivamente da Meta.

“Os checadores não têm nenhum tipo de poder, exceto pôr avisos no sistema interno da Meta”, afirmou Natália Leal. “Nem sei como meta pega infos que pomos lá e tomam decisões a partir disso”.

Até o anúncio de Zuckerberg, a relação da Meta com as agências era muito positiva, segundo os checadores. O site brasileiro Aos Fatos foi uma das primeiras organizações da região a aderir à parceria em 2018. 

“Sempre foram muito receptivos e até agradecidos pelo nosso trabalho”, disse a diretora executiva e co-fundadora do Fatos, Tai Nalon, à LJR. “A Meta sempre se mostrou muito preocupada em situações de crise, como desastres naturais, o 8 de janeiro, situações que demandavam respostas rápidas da checagem”.

A sugestão de Zuckerberg em seu discurso de que verificadores de informações censuram conteúdo foi uma das partes do discurso do empresário que mais desagradaram os verificadores de fatos profissionais. 

“Em seu comunicado, Zuckerberg acusa aqueles que checam de supostamente contribuírem para a censura, quando não é assim que funciona”, afirmou Daen. “Contribuímos, sim, para que o debate tenha melhores informações, mas não somos nós a baixar ou não um conteúdo”.

Possíveis cortes financeiros

Caso a Meta pare de apoiar a verificação de informações de fatos em países além dos Estados Unidos, isso significará um baque financeiro para organizações parceiras. 

“É inegável a importância dessa parceria para a sustentabilidade do ecossistema de checagem de fatos”, afirmou Nalon,. “Não houve uma plataforma com uma escala e um programa de combate à desinformação tão robusto quanto a Meta. A parceria foi uma mudança no paradigma da checagem de fatos no ambiente digital a partir de 2016”. 

Os representantes das organizações de verificação de fatos consultadas pela LJR afirmam que têm outras fontes de receitas, mas não negam a importância dos recursos da Meta. Segundo Natália Leal, o valor pago varia de país para país, e em alguns países as negociações são quase individualizadas.

“Em nosso caso, até 20% dos recursos vêm da parceria”, disse Leal.  “Mas a Lupa é uma exceção dentro do universo da checagem. Em algumas organizações, 80, 90 ou 100% dos recursos vêm da parceria com a Meta”.

Segundo Olivia Sohr, diretora de Impacto e Novas Iniciativas do site argentino Chequeado e coordenadora da rede regional de verificadores de informações LatAm Chequea, que reúne 47 organizações em 21 países, cerca de metade das organizações têm parceria com a Meta. Mesmo que muitas sobrevivam a um eventual fim do programa de checagem, algumas iniciativas provavelmente serão descontinuadas.

 “Sobretudo a área de fact checking em organizações maiores está vulnerável”, afirmou Sohr à LJR.

A saída da Meta gera uma preocupação adicional: segundo Nalon, o setor de verificação de informações não recebe muitos reccursos de outros financiadores do jornalismo, como a filantropia, porque criou-se a ideia de que seus recursos eram oriundos das plataformas digitais.

“Não existe um ecossistema consolidado de doadores e outros financiadores para a checagem de fatos”, afirmou Nalon. “Isso é o mais preocupante. Não está claro como criar outro modo de financiamento além das plataformas. É necessário que fundações, empresas privadas e doadores entrem em campo para preencher a lacuna”.

A posição da Meta e o futuro

Em seu site, a Meta ainda afirma que “o programa está funcionando e que as pessoas valorizam os avisos que aplicamos ao conteúdo depois que um parceiro de verificação de fatos o classificou”. Segundo a empresa, após entrevistar pessoas que viram anúncios na plataforma, “74% delas pensaram ter visto a quantidade certa ou estavam abertas a ver mais avisos sobre informação falsa. Desse total, 63% julgaram as classificações como corretas”.

O país latino-americano que reagiu com mais ênfase ao anúncio da Meta foi o Brasil. A Advocacia-Geral da União (AGU) brasileira pediu explicações à empresa, e convocou uma audiência pública para esta quarta-feira (22) na qual ela deverá dar explicações sobre as suas mudanças de política.

A AGU deseja abordar com representantes da Meta a política da empresa sobre conteúdo de ódio, a disseminação de conteúdos criminosos e ilícitos,  impactos sociais e na sustentabilidade do jornalismo profissional com eventual fim no Brasil de programas de checagem de fatose impactos das alterações na moderação de conteúdo sobre grupos historicamente marginalizados, entre outros. 

Na semana passada, a Meta deu uma resposta por escrito à AGU. Em linhas gerais, a empresa disse que que a decisão de encerrar o Programa de Verificação de Fatos será aplicada, por enquanto, apenas nos Estados Unidos; que a empresa vai testar, também nos EUA, um sistema de "notas da comunidade" para substituir a checagem; que a Meta esta "comprometida em respeitar os direitos humanos" e com a "liberdade de expressão, direito humano fundamental que permite o exercício de muitos outros direitos"; que continua a priorizar a segurança e a privacidade dos usuários" e leva a sério seu "papel de eliminar abusos" dos serviços, entre outros.

A verificação de fatos não é suficiente para acabar com a desinformação, mas é importante para inibi-la, afirmou Olivia Sohr. “Si lo logramos a hacer el cheque en un momiento correcto, menos personas compartien la desinformación”, disse.

Sohr acrescentou não acreditar que as notas de comunidade sejam um recurso eficaz para combater as informações falsas e enganosas. “Os resultados que vimos no X até agora agora são muito negativos”, disse Sohr.

A checagem profissional segue critérios profissionais, como transparência, políticas editoriais e critérios objetivos consolidados. A Meta se mostrara favorável ao programa por muito tempo, afirmou Natália Leal.

“É muito ruim quando a crítica ocorre de maneira pública, sem direito à defesa”, afirmou Leal.  “A Meta sempre defendeu o programa,Mark Zuckerberg inclusive o defendeu no Congresso americano

Desde 2018, nunca recebemos um retorno negativo da Meta, e agora o programa é atacado como algo nocivo”.

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