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Na fronteira entre jornalismo e entretenimento, newsgame ganha espaço no Brasil

Para entender como funciona a máfia mundial, você assume o ponto de vista de um policial disfarçado de traficante que atua em diferentes países. Acertar perguntas sobre educação sexual é o caminho para avançar em um strip-tease feito por uma modelo. Para conhecer as ideias dos principais filósofos, você dá vida a um deles e disputa as teorias em uma batalha virtual. Parece brincadeira? Então chegamos ao espírito dos newsgames, os jogos baseados em notícias e atualidades.

Este novo formato, na fronteira entre jornalismo e videogame, ganha cada vez mais adeptos no mercado jornalístico. As histórias contadas a partir de simulações nas quais o leitor se torna jogador têm sido experimentadas por meios como New York TimesCNN e El Pais. No Brasil, a Superinteressante, revista do Núcleo Jovem da Editora Abril, é referência mundial na produção de newsgames.

Um dos responsáveis por esse sucesso é Fred di Giacomo, que até julho deste ano ocupou o cargo de editor do Núcleo Jovem e agora pretende investir no campo em carreira independente. Em conversa com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, ele conta como os newsgames se consolidaram na Abril e dá dicas para quem quer se aventurar no novo formato, em crescimento no Brasil.

Centro Knight: Como começou seu interesse em infografia digital e newsgame?

Trabalhei por sete anos e meio na Abril. Logo depois que me formei, fiz o Curso Abril de Jornalismo, em 2006, e acabei caindo na área de conteúdo digital. Um mês depois, fui contratado para a área de online das revistas Bizz e Mundo Estranho. Quando eu comecei a trabalhar na Mundo Estranho, pude participar do desenvolvimento de um dos primeiros jogos lançados pela Abril, chamado Strip Quiz. Voltado para adolescentes, o internauta tinha que responder perguntas na área de educação sexual (houve edições sobre DSTs, gravidez, curiosidades sobre a ejaculação, etc) e a cada resposta certa a modelo tirava uma peça de roupa, até ficar de calcinha e sutiã. Foi um dos destaques de audiência do site.

CK: Isso impulsionou o desenvolvimento de novos jogos de notícias na editora?

O começo dos jogos de notícias na Abril não foi algo programado. O Núcleo Jovem da Abril (que engloba Superinteressante, Mundo Estranho, Guia do Estudante e Recreio) já era referência em infografia havia muito tempo, as revistas sempre ganharam prêmios no Brasil e no exterior nessa área, então já tínhamos o know-how de conteúdo visual. Não sabíamos que estávamos fazendo newsgames, o termo nem circulava por aqui. Foi um trabalho meio intuitivo a partir do pedido do editor na época para eu inventar novidades para os sites da área. Fazíamos infográficos, revistas digitais, jogos, vídeos. Cada marca da Abril tinha uma política e um incentivo diferente para isso. No Núcleo Jovem havia esse incentivo. Em 2008, o editor desse núcleo era o Rafael Kenski, que foi pioneiro no Brasil em Alternate Reality Game (ARG), uma espécie de RPG envolvendo a vida real. Ele foi o responsável pelo primeiro newsgame da Superinteressante, o “CSI – ciência contra o crime”, que coloca o jogador na pele de um policial forense para mostrar como funcionam os métodos de investigação. Este jogo estava interligado com a matéria de capa da edição de outubro de 2008 e era todo baseado em apuração jornalística. O Kenski pensou que estava criando um novo gênero porque ainda não sabíamos das produções lá de fora.

CK: E quando o termo começou a circular por aqui?

Aqui no Brasil, 2007 parece ser o ano que inaugura o formato do jogo de notícias. Foi quando, além do nosso núcleo, o G1 e o Estadão começaram a experimentar nessa área. Depois do “CSI”, fizemos o "Jogo da Máfia", em 2009, e o jornalista André Deak escreveu uma resenha sobre o jogo que falava em newsgames. Ou seja, durante os nossos dois primeiros jogos, pensamos estar inventando a roda, só depois descobrimos que outros jogos de notícias já haviam sido feitos.

CK: Como esses primeiros jogos eram desenvolvidos?

Nessa época, a nossa equipe tinha programadores, designers e jornalistas. Os programadores usavam flash e não tínhamos um banco de dados, não dava para salvar a informação dos jogadores, ou seja, o jogo precisava ser relativamente simples para terminar em uma só jogada, não dava para o internauta voltar e continuar depois. Uma característica da nossa equipe era que cuidávamos não só da parte jornalística, de apuração, mas pensávamos também a mecânica do jogo, isto é, se vai ser um jogo de perguntas e respostas, compra e venda ou outro tipo. O game design ficava por nossa conta.

CK: Existe alguma diferença no processo de apuração de um jogo de notícia?

Na apuração propriamente dita não tem muita diferença, mas a forma como você deve pensar a matéria muda bastante. São duas coisas paralelas, uma é a apuração tradicional, que funciona do mesmo jeito, e outra é que é preciso pensar na mecânica do jogo, pensar o game design. Para dar apoio na construção do game, o repórter precisa trazer muitas referências visuais, já tem que fazer a apuração pensando em imagens relativas ao tema para recriar o cenário que está sendo retratado. Então eu diria que a grande diferença é essa preocupação com o que vai ser ilustrado.

CK: Além das produções do Núcleo Jovem da Abril, pioneiro no formato, o newsgame tem avançado no Brasil?

Tenho visto algumas experiências tanto em grandes empresas quanto em empresas independentes. Nas grande empresas, o melhor ano foi 2011, quando Estadão, Globo e RBS também produziram newsgames legais. Em 2013, a revista Contigo! lançou um social game chamado "Cidade de Famosos" que tinha algumas características de newsgames. Fiz uma lista de experiências brasileiras em newsgames. Dos indies eu citaria o "Game Diferenciado" e o "Zangief Kid", que são mais "games cartoons", satirizam e repercutem um fato real que aconteceu no momento.

CK: O que é importante saber para produzir um jogo de notícias?

Primeiro, você tem que pensar quando vale a pena fazer o jogo. A história que eu quero contar é melhor contada a partir de um jogo, de um post ou de um infográfico? Se eu estivesse querendo explicar como evitar a contaminação pela gripe suína, por exemplo, eu nunca faria um jogo. Fazer um jogo vai facilitar a compreensão da informação? Esse é o ponto de partida. Para ser um newsgame, é necessário atender a duas perguntas: O jogo informa? Se não informar, é só um jogo. O jogo diverte? Se não divertir, é só jornalismo. Também é necessário ter referências. A pessoa que quer trabalhar com newsgame tem que gostar de jogos, seja de tabuleiro, de celular ou outra plataforma, ou pelo menos pesquisar sobre jogos. Então uma dica é jogar muito e criar um repertório amplo. Outra coisa é conhecer as teorias que já existem. Nos EUA, Ian Bogost com o livro "Newsgames: Journalism at play" categoriza os newsgames e discute suas mecânicas, vale a pena estudá-lo. Para veículos maiores, é importante ter equipes multimídias integradas. O jornalista precisa entender um pouquinho de programação e de design para conseguir se integrar ao restante da equipe.

CK: Qual é o caminho para quem quer se especializar nisso? Existe algum curso no Brasil?

Hoje em dia não tem nenhum grande curso de newsgame, mas também não acho que seja fundamental fazer esse tipo de curso. Para quem não tem experiência com jogos, fazer um curso de gamification ou estudar um pouco mais de game design pode ajudar, inclusive para a pessoa que quer ir mais a fundo fazer contato com outras que trabalham na área. Mas nada disso é fundamental. A minha escola, na verdade, foi jogar, pesquisar em outros sites e conversar com outros interessados e especialistas no assunto.

CK: Quais são suas referências em newsgames?

Tenho mais ídolos no mundo dos games e das infografias do que do newsgames, até porque, mesmo lá fora, esse formato ainda é muito novo. Uma referência mundial é o Ian Bogost, que é o maior teórico dos newsgames, foi quem popularizou o termo e um dos primeiros a experimentar o formato. Outra referência é o uruguaio Gonzalo Frasca. Na área da infografia e do jornalismo visual, eu citaria o Luiz Iria, brasileiro e um dos melhores do mundo, o Alberto Cairo, e o Fabiano Onça. Por fim, David Cage, diretor de jogos comerciais que faz jogos muito inteligentes e que estão levando o videogame pra um mundo mais adulto.

CK: Como tem sido a resposta do público aos jogos produzidos pela Abril?

Os jogos se diferenciam muito, a minha experiencia é que o nosso público não é formado necessariamente pelos ávidos por games, mas por gente que se interessa pelo assunto que eles trazem e por suas mecânicas. O Filosofighters, por exemplo, um jogo que trazia as ideias de alguns dos principais filósofos para uma disputa em um ringue de luta, teve 150 mil visualizações nos primeiros 45 dias. Ele foi top 10 do semestre. Até hoje deve ser um dos 50 conteúdos mais acessados da SUPER. A gente teve um outro jogo bem simples chamado "BBB: Paredão da Personalidade" que foi o segundo conteúdo mais acessado do ano. Depois fizemos um jogo chamado "Corrida eleitoral", que teve menor repercussão. Tem jogos que são campeões de audiência na Super, mas não são todos, isso varia muito.

CK: Os jogos de notícia podem ser um bom formato também para veículos menores?

A dificuldade para trabalhar com newsgames no jornalismo independente é o custo, esse tipo de trabalho exige uma equipe multimídia que nem todo veículo menor tem disponível. Por isso a gente já vê muito vídeo em sites independentes, mas infografia e jogos ainda não. Mas é um formato com grande potencial não só para atrair mais público, com seu enorme poder de simulação e envolvimento da audiência, mas também para diversificar o conteúdo e agregar valor a essas marcas. Os jogos são uma ferramenta poderosa, especialmente para denúncias. Já há alguns exemplos interessantes, com um jogo independente que denuncia a guerra civil no Sudão, um sobre o narcotráfico mexicano.

CK: Vocês já pensam em uma forma de rentabilizar esse formato?

Acho que o simples fato de ser um formato novo já valoriza a marca e atrai novos anunciantes. Isso aconteceu na Superinteressante. Muitos patrocinadores começaram a procurar a revista para divulgar propagandas em formato de jogo. Então os newsgames ajudaram a consolidar uma imagem digital que atraiu publicidade diferenciada.

Também tivemos uma experiência de cobrança quando testamos jogos sociais. A Superinteressante lançou, no final de setembro de 2011, seu primeiro game para Facebook, “Quiz City“, no qual o jogador constrói uma cidade e a vê crescer enquanto responde perguntas sobre conhecimentos gerais. Nesse jogo, testamos um sistema de micropagamentos no qual os usuários compravam créditos no Facebook ou assinavam a revista para ganhar moedas e continuar a construção da cidade. Poucas pessoas investiam enquanto jogavam. A nossa intenção não era fazer um jogo viciante e que estimulasse a vaidade das pessoas, como costumam ser os jogos pagos, mas ainda assim foi uma experiência interessante. Precisamos pensar também se esta é a melhor forma de rentabilizar newsgame. A Zynga, uma das maiores produtoras de social games pagos, está em crise, então eu não apostaria nesse caminho, até porque você acaba não priorizando a informação e a melhor mecânica para o jogo. Ainda temos muito que testar, ainda estamos só no começo.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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