Em meio ao declínio global da liberdade de expressão, a Nicarágua é um dos países que mais perdeu em liberdade de expressão, enquanto Cuba “lidera corrida regional para o abismo” nas Américas.
Estas são algumas das conclusões da organização Artigo 19 em seu Global Expression Report 2018/19 (Relatório de Expressão Global 2018/19, em tradução livre).
O relatório lançado no dia 2 de dezembro analisa a situação da liberdade de expressão em 161 países em 2018 e 2019 e compara com os indicadores aferidos pelo estudo a cada ano desde 2008. Globalmente, a liberdade de expressão está em seu ponto mais baixo na última década, diz o informe.
Quatro dos cinco países onde mais houve declínio da liberdade de expressão entre 2017 e 2018 estão na América Latina e Caribe: Nicarágua (1o), Colômbia (2o), Haiti (3o) e El Salvador (5o) – em 4o lugar está a Indonésia.
Entre 2015 e 2018, os latino-americanos que mais perderam em liberdade de expressão foram Nicarágua (2o) e Brasil (3o). A Nicarágua aparece novamente no 1o lugar entre os países com maior declínio no comparativo entre 2013 e 2018 e em 5o entre 2008 e 2018.
O relatório avalia que a Nicarágua “viu uma crise devastadora em 2018, quando o ambiente para o dissenso de qualquer tipo entrou em colapso” com a repressão das forças de segurança do governo de Daniel Ortega, assim como de paramilitares e grupos pró-governo, dos protestos opositores que começaram em abril daquele ano.
O informe menciona o incêndio de uma rádio na cidade de Leon e o assassinato de Angel Gahona, jornalista morto com um tiro enquanto fazia uma transmissão ao vivo de um protesto na cidade de Bluefields. Também fala que detenções arbitrárias “foram uma estratégia chave para aniquilar os protestos” – duas pessoas que foram presas neste contexto foram os jornalistas Miguel Mora e Lucía Pineda, que passaram quase seis meses detidos até serem liberados em junho deste ano.
Segundo a Artigo 19, além de o governo fazer uso de violência contra a população de modo que “foi muito além de manter a ordem pública”, o órgão regulador TELCOR “particularmente se voltou contra e pressionou meios independentes”.
“Houve também ataques digitais a meios; o semanário Confidencial sofreu períodos de bloqueio e recusa de serviço durante distintos períodos do protesto, como quando publicaram uma lista dos mortos, e o site La Prensa também passou por ciberataques”, diz o informe.
Não há mais violência nas ruas neste momento, diz o relatório, mas “jornalistas e meios que foram críticos ao governo durante a violência agora vivem e trabalham sob constante estigma, ameaças, perseguição e obstrução”. Muitos saíram do país e, em junho de 2019, pelo menos 50 jornalistas da Nicarágua estavam vivendo no exílio, observa a Artigo 19.
No ranking global geral apresentado pelo relatório, Cuba se encontra a apenas 10 posições de distância do último colocado, a Coreia do Norte. Já no ranking que considera apenas indicadores sobre a mídia, ou seja, “o ambiente para veículos e publicações”, Cuba se encontra mais perto do fim do ranking, no 158o lugar, superado apenas por Eritreia, Turcomenistão e Coreia do Norte.
Segundo o relatório, em Cuba, “a atmosfera repressiva piorou durante 2018, impulsionada pela eleição geral. Forças de segurança continuaram a perseguir organizações sociais e civis, jornalistas e defensores de direitos humanos”.
O informe afirma que “uma enorme gama de medidas repressoras – de invasões de residências e intimidação de familiares a detenções arbitrárias e preventivas” foram usadas para sufocar a liberdade de expressão na ilha. Também avalia que a “censura digital em Cuba continuou constante”, por meio da limitação da conexão à internet e de bloqueios a sites considerados “impróprios” pelas autoridades.
Além de Cuba e Nicarágua, México e Colômbia também são pontos de especial atenção do relatório na América Latina.
Sobre o México, a Artigo 19 observa que o jornalismo no país se encontra “preso entre a violência do crime organizado e a violência do governo”.
“Houve 544 agressões contra jornalistas relacionadas ao trabalho deles em 2018, incluindo 9 assassinatos”, afirma o relatório, acrescentando que funcionários do governo cometeram 230 dessas agressões, ou 42% do total.
Embora chocantes, as estatísticas “não conseguem nem começar a expressar o terror que a imprensa enfrenta no México”, diz a Artigo 19. A elas deve-se acrescentar “a total impunidade em que esses crimes são cometidos – mais de 99% dos casos nunca veem a justiça – e o fato de que agentes do Estado são estatisticamente a maior ameaça para a imprensa; as autoridades tanto participam como são cúmplices dos crimes cometidos”.
A organização avalia que o governo de Andrés Manuel López Obrador (AMLO), que tomou posse no dia 1o de dezembro de 2018, “já se mostrou cheio de contradições em relação à importância do trabalho jornalístico e violência contra a imprensa”. Pouco depois de ser empossado, o presidente “começou a estigmatizar a imprensa como dissidente” e também atacou vários órgãos do governo que garantem o direito à informação, diz o relatório.
Além disso, a troca de governo não significou mudança em relação aos assassinatos de jornalistas, já que nos primeiros nove meses de AMLO presidente, 11 jornalistas foram assassinados no México, diz a Artigo 19.
A Colômbia, por sua vez, teve um declínio em liberdade de expressão após a assinatura do acordo de paz que pôs fim ao conflito armado entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), segundo o relatório.
Isso devido ao “ecossistema de grupos armados na Colômbia e ao fracasso do governo do presidente Iván Duque Márquez em implementar o acordo de paz”, combinados à “quase ausência do Estado em certas áreas rurais e contínua falta de vontade política para apoiar um ambiente diverso e crítico para comunicadores e defensores de direitos humanos”, afirma a organização.
A violência contra comunicadores na Colômbia aumentou 53% entre 2017 e 2018, segundo o informe. As violações vão desde a estigmatização de jornalistas por meio de plataformas oficiais até ataques físicos, e funcionários do Estado foram os perpetradores em 105 dos 477 casos registrados em 2018.
O relatório cita várias autoridades que teriam supostamente perseguido jornalistas, inclusive o ex-presidente e atual senador Álvaro Uribe, líder do partido governista, e os recorrentes episódios em que ele estigmatizou e ameaçou retaliar jornalistas em decorrência de seu trabalho.
Outro grave evento a impactar negativamente a liberdade de expressão na Colômbia foi o assassinato em março de 2018 de uma equipe de reportagem do jornal equatoriano El Comercio, lembra a Artigo 19. Eles foram assassinados por dissidentes das FARC na fronteira entre os dois países, e o informe observa que grupos locais criticaram a maneira em que os dois governos lidaram com a situação. Mas o relatório classifica como “histórica” a decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) de determinar uma aliança entre o órgão e os Estados da Colômbia e do Equador para investigar o caso.