*Esta reportagem faz parte de um projeto especial do Centro Knight sobre Inovadores no Jornalismo Latino-Americano e Caribenho.
Fundado em 2011 e mantido pela Universidade Rafael Landívar (URL), Plaza Pública inaugurou uma nova tradição de jornalismo digital investigativo e comprometido com os direitos humanos na Guatemala. Três anos depois de ajudar a lançar aquele projeto, Rodríguez partia para embarcar na aventura de fundar seu próprio meio. Após oito meses de preparação, Nómada surgiu em agosto de 2014 ancorado em princípios jornalísticos como independência e transparência e em valores filosóficos como iconoclastia, otimismo, estética e feminismo.
“Fundei Nómada pensando em fazer um meio que ajudasse a avançar a sociedade em direção a uma sociedade de vanguarda, mais transparente, mais aberta ao mundo, mais progressista, e queria fazê-lo por meio do jornalismo, da construção de comunidade e da inovação”, disse Rodríguez ao Centro Knight.
As lições aprendidas na fundação e nos três anos dirigindo Plaza Pública foram muito bem aplicadas em seu novo meio, disse Rodríguez. “Sem tudo o que eu aprendi em Plaza Pública, sem a relação com a Universidade Rafael Landívar, sem essa primeira experiência de relação com aliados, de construção de pontes - e de quebrar outras pontes com investigações jornalísticas - Nómada não seria o que é hoje”, afirmou.
Com uma cobertura editorial bem definida em seções dedicadas a política, corrupção, questões sociais da Guatemala urbana e rural, questões identitárias, feminismos e sexualidade, Nómada tem hoje uma equipe de 20 pessoas e se inspira em sites como os norte-americanos Vox, Quartz e Vice, o salvadorenho El Faro e o colombiano La Silla Vacía para fazer jornalismo de maneira mais original e direta do que os meios tradicionais, disse seu fundador e CEO.
“Tentamos ter formatos para uma maior quantidade de audiências, ou seja: texto, vídeo, motion graphics, gráficos, stories no Instagram, e nesse sentido inovamos no jornalismo”, afirmou.
Mas não só: Nómada inova também no modelo de negócio e na diversidade das fontes de receita para sustentar seu jornalismo. A promoção de eventos como palestras, debates, festas e feiras de produtos artesanais cria comunidade entre leitores e traz parcerias com empresas, que se revertem em renda para o site. Além disso, a excelência do trabalho da equipe de audiovisual foi colocada a serviço de empresas de diversos setores na agência de conteúdo criada para fortalecer os ingressos financeiros de Nómada.
Um olhar arrojado
A primeira contratação de Rodríguez para Nómada, ainda em 2014, já apontava para uma aposta na forma como conteúdo e inovação: a designer gráfica Lucía Menéndez, hoje CDO (diretora-executiva de design, na sigla em inglês) do meio.
“O design não é apenas estética, é uma forma de ver o mundo, parte essencial de como se apresentam as narrativas”, disse Menéndez ao Centro Knight. “O mais importante que faço é determinar como cada design e cada formato podem contribuir para comunicar melhor cada reportagem: áudio, interativo, fotografia, vídeo, motion graphic, infografia ou texto. Outra parte essencial é a inovação. Estou sempre em constante formação sobre as possibilidades de diferentes plataformas e formas de contar histórias.”
Segundo a CDO, o próprio design das páginas de Nómada e a identidade visual do site foram pensados para se conectar ao ethos do site.
“O frescor se reflete no espaço em branco generoso, na forma atrevida de combinar distintas tipografias, no uso da paleta de cores”, explicou Menéndez. “O design foi bastante inovador para a América latina. No começo, quando o projeto saiu, algumas pessoas comentaram que era ‘bonito’ demais para ser crível. Mas demonstramos que algo pode ser bonito e acertado. Depois de uns meses do lançamento de Nómada, a maioria dos meios na Guatemala redesenharam seus sites. Vários coletivos e meios imitaram nossa linha gráfica”, afirmou.
Da corrupção ao feminismo
Além de inovar em design e apresentação, Nómada se baseia em um meticuloso trabalho de investigação jornalística.
Em março deste ano, os jornalistas de Nómada começaram a investigar a tragédia de Hogar Seguro, quando um incêndio em um abrigo estatal para crianças e adolescentes nos arredores da Cidade da Guatemala deixou 41 meninas mortas. As investigações dos jornalistas de Nómada apontaram para a responsabilidade de vários agentes do Estado no caso. Elas foram reconhecidas entre os melhores trabalhos jornalísticos do ano pelo prêmio Gabriel García Márquez de Jornalismo, que apontou que as reportagens do site foram revisadas pelo promotor público responsável pelo caso.
“Em três anos, Nómada conseguiu mover algumas consciências e realizou investigações determinantes para que alguns criminosos terminassem na cadeia”, escreveu o prêmio na ocasião.
Nómada também foi um dos meios jornalísticos da Guatemala que tiveram papel central na queda e detenção em 2015 do então presidente, Otto Pérez Molina, e sua vice, Roxana Baldetti, por envolvimento em um esquema de corrupção investigado pela Comissão Internacional Contra a Impunidade na Guatemala (CICIG) e o Ministério Público do país.
A chamada “primavera guatemalteca” –em referência aos protestos populares multitudinários na Cidade da Guatemala pedindo a renúncia de Pérez Molina– sacudiu o país e renovou o interesse público por histórias investigativas sobre as ações escusas dos poderosos. Nómada segue se dedicando à cobertura da crise política no país, hoje governado pelo presidente Jimmy Morales, que também não passa incólume pela equipe de investigação do site.
Se a cobertura das entranhas do poder público é o que se espera de um meio jornalístico comprometido com a transparência, a adoção do feminismo como princípio e norte do jornalismo feito por Nómada também faz sentido para um meio que se propõe a ajudar a melhorar a sociedade em que está inserido, como explica Rodríguez.
“Reivindicamos que somos um meio feminista porque acreditamos que é tal a epidemia de violência contra as mulheres e de obstaculização ao desenvolvimento de suas vidas com todos os direitos que há que se dar atenção especial [ao tema] para garantir os direitos das mulheres”, disse o diretor de Nómada. “E é uma batalha tão importante para nossa geração que acreditamos que temos que lembrar o tempo todo aos leitores e a nós mesmos que temos essa dívida como sociedade que devemos cumprir.”
A tradução jornalística desse compromisso passa por dedicar grande parte do site à cobertura e a investigações sobre direitos das mulheres e direitos sexuais e reprodutivos. A mais recente mostra deste engajamento foi a criação no começo de novembro de Volcánica, “uma revista de blogs e opinião latino-americana sobre feminismo”, segundo Rodríguez. A nova seção é editada pela jornalista colombiana Catalina Ruíz-Navarro, baseada na Cidade do México.
Volcánica, segundo sua editora disse ao Centro Knight, se dirige “ao público milennial da América Latina” e “busca ser um espaço para propor debates transnacionais e transversais sobre todos os temas do feminismo contemporâneo como o feminismo indígena, o feminismo decolonial, afrofeminismo, terra e território, trabalho sexual, transfeminismo”, entre outros.
Ativista feminista reconhecida na região, Ruíz-Navarro disse que pretende que Volcánica seja mais do que uma revista digital tradicional. A intenção da editora é “articular as milennials feministas latino-americanas em uma conversa regional que nos permita fazer incidência, ativismo, conhecer e nos familiarizar com distintos temas dos feminismos que podem ser alheios a nossos entornos imediatos e que nos permitam conectar e empatizar com outras feministas da região”, afirmou. “Assim podemos nos organizar melhor e começar a tecer redes que nos deem força para fazer ativismo na região e em cada um de nossos países.”
“Nómada é um dos poucos meios que se assumem feministas desde sua origem e esta é uma postura política muito importante”, ressaltou a jornalista colombiana. “O nascimento de Volcánica mostra que Nómada quer levar esta postura feminista até as últimas consequências, criando um espaço de comunidade e discussão”.
Para Ruíz-Navarro, este espaço é ainda mais importante devido ao que ela percebe como uma reação negativa contrária ao avanço do movimento feminista no debate público nos últimos anos.
“Por um lado, há muitas publicações jornalísticas que estão se tornando mais abertamente progressistas e ativistas, mas são muito poucas”, disse. “Creio que é o contrário: os espaços estão se fechando, e estamos em um momento generalizado de backlash contra o movimento. Preservar espaços que se dizem comprometidos com ser feministas, como Nómada e Volcánica, é de vital importância.”
Rodríguez, o fundador e diretor de Nómada, afirmou que o meio é ativista somente em dois campos: a transparência e o feminismo. “Mas o fato de sermos ativistas pelos direitos das mulheres ou pela transparência dos meios não nos torna um meio menos jornalístico”, disse.
“Somos parte de uma geração de jornalistas que consideramos que tornar transparente nossa ideologia faz com que nossos leitores sejam mais exigentes. Mas nos torna jornalistas que, muito mais do que a busca de promover uma ideologia, estamos em busca da verdade”, afirmou.
Financiamentos, conteúdo para empresas e eventos
Nómada se insere em uma geração de meios jornalísticos nativos digitais na região que tem inovado não só nos formatos e no conteúdo, mas também nas maneiras de se sustentar– talvez a principal inquietação de jornalistas dispostos a criar seus próprios empreendimentos.
Antes de lançar Nómada, Rodríguez disse que passou três anos aprendendo com meios financiados pela Open Society Foundation e com o Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ), realizado pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas. “Concluí que um modelo misto entre financiamentos para jornalismo investigativo com uma área comercial, como uma empresa jornalística, podia ser o mais útil, o mais atrativo”, explicou.
Esse modelo misto consiste em uma sociedade anônima com 20 sócios, cujos nomes são públicos - entre eles estão Menéndez, a CDO de Nómada; o guatemalteco Luis von Ahn, fundador e CEO da plataforma de ensino de idiomas Duolingo, e a Coordenação de ONGs e Cooperativas da Guatemala (Congcoop). Cada sócio tem entre 1% e 2% de ações - com exceção de Rodríguez, acionista fundador -, que inicialmente valiam US$ 10 mil cada uma. Rodríguez é também o presidente do Conselho de Administração de Nómada e os sócios são parte da secretaria de administração.
Além dos investimentos dos sócios, o capital inicial de Nómada contou com US$ 350 mil dólares de um empréstimo bancário contraído por Rodríguez. A partir disso, Nómada passou a contar com financiadores internacionais do jornalismo investigativo pelo mundo como Ford Foundation, Hivos, Open Society Foundation, Free Press Unlimited e Planned Parenthood. Estas fontes foram responsáveis por 55% do orçamento total de Nómada em 2017, que ficou ao redor de US$ 650 mil, segundo Rodríguez informou ao Centro Knight. Os 45% restantes são “vendas [de publicidade e parcerias em eventos], vendas de ações e [capital] em crédito”.
“A avaliação [deste modelo de negócios] é entre dura e positiva”, disse o fundador de Nómada. “Dura porque não é fácil fundar um meio e sobretudo não é fácil manter um nível de fluxo de caixa nos primeiros três anos como em qualquer startup que começa com crédito. E positiva porque esperamos que, no ano que vem, entre financiamentos internacionais, vendas comerciais e a agência de conteúdo que fundamos no último trimestre possamos chegar ao ponto de equilíbrio.”
A agência Nueve foi fundada a partir da experiência de Nómada com parcerias com empresas de diversos setores para a criação de conteúdo informativo. Entre elas estão a cbc - The Central America Bottling Corporation, que patrocina a série Perfiles, com vídeos sobre iniciativas de culturais na Guatemala, e a empresa de tecnologia chinesa Huawei, que patrocina a seção Guía de Viajes do site.
Segundo Lucía Menéndez, as parcerias com empresas têm sido bem-sucedidas para o site e para seus leitores. “Para Nómada, é uma parte do modelo de negócios rentável e inovadora. E para nossos leitores, é sempre conteúdo interessante”, afirmou.
A agência, entretanto, pretende ir além do jornalismo e produzir conteúdo comercial para empresas, em uma iniciativa inspirada em meios norte-americanos e no equatoriano GK, disse Rodríguez. O conteúdo para empresas não terá “a logo de Nómada, mas sim a qualidade dos motion graphics e dos vídeos de Nómada, para nos prover outra fonte de ingressos”, afirmou.
O fundador do site guatemalteco destaca outro aprendizado durante a ISOJ: a produção de eventos como construção de comunidade e como fonte de renda para meios jornalísticos. Nómada tem combinado eventos acadêmicos, como debates e palestras, e eventos lúdicos, como festas e feiras de rua, com este objetivo, explicou Rodríguez.
Entre os primeiros estão o TEDx Media Ninjas, que levou jornalistas de vários países da região para a Cidade da Guatemala em março de 2016 para falar sobre inovação e jornalismo digital, e os DIXIT, conferências com especialistas que refletem sobre o que aprenderam ao longo de suas carreiras. Em 2017, os temas abordados foram “Mujeres con Poder” e “Tecnología para el cambio”, sempre com o patrocínio.
Entre os eventos lúdicos estão as festas de aniversário do Nómada, festas temáticas - como a de Halloween realizada este ano - e feiras de marcas e produtos artesanais como o recém realizado Barrio Nómada e Sexo Avenida - Mercadillo Erótico. Todos os eventos estão abertos a parcerias de instituições e empresas que queiram patrociná-los de alguma maneira, e entre as que já participaram estão Hyundai, Stella Artois e as embaixadas dos Estados Unidos e do México.
“A maioria dos eventos são rentáveis”, afirmou Menéndez. “Nossas alianças comerciais constroem também identidade de marca. Isso contribui à ‘marca Nómada’. Também nos permite conhecer em primeira mão nossa comunidade e ter uma proximidade pessoal. Estar tão perto com nossa comunidade por meio dos eventos é bastante inusual na Guatemala. Toda a equipe de Nómada sempre está presente nas festas, muitas vezes na entrada, saudando o público.”
Além destas fontes de renda, Nómada também lançou recentemente uma campanha de doações por parte de leitores, “Periodismo por vos”. Segundo o diretor do site, o objetivo é que esta modalidade de ingressos chegue a contar 10% do total do financiamento de Nómada.
“A chave, como em todos os negócios - e isso é parte do aprendizado que tive nestes quatro anos (...) - é que para assegurar a prosperidade duradoura dos negócios há que se pensar em uma grande quantidade de fontes de ingressos”, disse Rodríguez.
Nesse sentido, Nómada terá em breve um novo gerente geral, um profissional com experiência com desenvolvimento de negócios e que ajudará a aumentar as arrecadações com vendas e a conseguir novos financiamentos. Segundo o CEO do site, “estes são os dois maiores desafios: como crescer e como inovar”.
“Nómada tenta ser um meio que, embora muito rigoroso e muito focado em temas de política, tenta levar a vida um pouco menos a sério, com uma vocação de serviço para a comunidade de leitores, no sentido de que queremos fazer todo o possível para que a sociedade se informe”, disse Rodríguez. “Se para isto temos que sair de nossa zona de conforto de textos para fazer vídeos, gráficos, motion graphics, fóruns e tudo o que pudermos, e investir muitíssimo em design e em um modelo comercial e nos endividar em 350 mil dólares, é isso que vamos fazer.”
Tudo isso sem perder o espírito lúdico que caracteriza Nómada, ressalta o fundador do site: “Acredito que esta vocação é um aprendizado, e creio que outro aprendizado é que a vida pode ser tentar mudar o mundo de segunda a sexta-feira, e desfrutar a vida de sexta a domingo”, conclui.
A série "Inovadores no Jornalismo", que é possível graças ao generoso apoio da Open Society Foundations, abrange as tendências e as melhores práticas da mídia digital na América Latina e no Caribe. Ele continua nossa série anterior, transformada em ebook, Jornalismo Inovador na América Latina, ao analisar as pessoas e equipes que lideram iniciativas inovadoras de reportagem, narrativa, distribuição e financiamento na região.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.