Foram necessários 40 anos para que a família do jornalista peruano Jaime Boris Ayala Sulca sentisse que era possível obter alguma justiça no caso de seu desaparecimento forçado. Após mais de dois anos de julgamento, é provável que, antes do final de setembro, seja conhecida a sentença contra os dois militares acusados do crime.
No entanto, uma nova lei aprovada pelo Congresso neste mês poderia anular os casos de Ayala Sulca e de muitos outros crimes de lesa-humanidade cometidos antes de 2002 por militares e grupos terroristas.
"Lutei 40 anos por acesso à justiça desde o momento em que meu marido foi detido pelos fuzileiros navais", disse à LatAm Journalism Review (LJR) Rosa Luz Pallqui, que na época do desaparecimento de Ayala Sulca estava grávida. "Infelizmente, a Justiça demorou muito para julgar os responsáveis."
Ayala Sulca desapareceu nos anos em que o Peru vivia uma das etapas mais violentas de seu conflito armado, com ações do grupo guerrilheiro Sendero Luminoso e as medidas extremas do governo para contê-las. Em 1983, na província de Huanta, em Ayacucho, o governo estabeleceu um Comando Político Militar com o objetivo de controlar as ações desse grupo.
Como parte de suas ações, a Infantaria da Marinha estabeleceu seu Quartel-General no Estádio Municipal de Huanta. Um lugar que, anos depois, e após investigações do Ministério Público e de relatórios da Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR), foi identificado como um centro clandestino de detenção e tortura.
Ayala Sulca, de 22 anos, tinha um programa jornalístico na Rádio Huanta 2000 e era correspondente do jornal La República. Cobria temas que iam desde as ações do Sendero Luminoso até denúncias de violações de direitos humanos pelas Forças Armadas.
Em 2 de agosto de 1984, Ayala Sulca foi até o Quartel-General no estádio para registrar uma denúncia sobre a invasão à casa de sua mãe no dia anterior e sobre as agressões sofridas por seu irmão por parte dos militares. Várias testemunhas que falaram com o Ministério Público e com a Comissão da Verdade relataram que viram o jornalista entrar no estádio, mas nunca o viram sair.
Pallqui, a esposa de Ayala Sulca, primeiro exigiu a libertação de seu marido e, com o passar do tempo, pediu a punição dos responsáveis por seu desaparecimento. Finalmente, pediu a entrega do corpo de seu marido para "dar-lhe um sepultamento cristão". Até o momento, nenhum desses pedidos foi atendido.
Pallqui também sofreu o desaparecimento de seu pai, bem como ameaças de morte contra ela e seu filho, que tinha quatro meses de idade quando seu pai desapareceu. Fugiram de Huanta para Lima e, anos depois, quando as investigações sobre o desaparecimento de Ayala Sulca foram retomadas, seu filho voltou a receber ameaças e fugiu do Peru.
"Por parte do Estado, não recebi nenhum apoio, nem de qualquer instituição", disse Pallqui. "Foi uma fase muito difícil para mim."
O desaparecimento de Ayala Sulca faz parte do que ficou conhecido como "Caso Huanta 84", explicou à LJR o advogado da família, Juan José Quispe. O Caso Huanta 84 também inclui o assassinato de seis membros da Igreja Evangélica Presbiteriana de Callqui e a descoberta das fossas de Pucayacu com 50 corpos.
Esses eventos ocorreram em agosto de 1984 em Huanta e, de acordo com a CVR, membros da Marinha de Guerra foram os responsáveis. Na primeira investigação aberta pelo Ministério Público, em 1985, foram acusados o oficial encarregado do destacamento da Marinha, Álvaro Artaza Adrianzén, conhecido como "comandante Camión", e o oficial de La Mar, Román Martínez Heredia.
Essa investigação foi posteriormente arquivada e reaberta quando a CVR entregou o caso ao Ministério Público como parte dos casos considerados passíveis de judicialização em 2003. Essa nova investigação estabeleceu a cadeia de comando para determinar as responsabilidades, disse Quispe.
Segundo o relatório da CVR, Jaime Ayala "foi vítima de desaparecimento forçado, tortura, tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e execução arbitrária por integrantes da Marinha de Guerra".
Desde março de 2022, estão em julgamento Alberto Rivera Valdevellano, ex-chefe do Comando Político Militar de Huanta e La Mar, e Augusto Gavilondo García del Barco, ex-chefe da base contrassubversiva de Huanta, que atualmente se encontra na Espanha aguardando um processo de extradição. Para ambos, o Ministério Público pediu 25 anos de prisão. Quanto a Artaza Adrianzén, a última informação é que estava morto, embora seu corpo nunca tenha sido encontrado, e sobre Martínez Heredia, não se sabe seu paradeiro.
"Sendo um processo que envolve 62 vítimas, com mais de 150 testemunhas e peritos, de fato seria uma investigação muito longa", afirmou Quispe.
Observadores de direitos humanos e membros da família de Ayala Sulca estão agora preocupados com o pedido da defesa de um dos acusados para aplicar a Lei 32107, popularmente conhecida como "Lei da Impunidade". Promulgada pelo Congresso em 9 de agosto, a lei permite a prescrição de crimes de lesa-humanidade cometidos por grupos terroristas e militares ocorridos antes de 1º de julho de 2002.
Se a juíza conceder esse pedido, observou Quispe, o caso seria arquivado.
Para Zuliana Lainez, presidente da Associação Nacional de Jornalistas (ANP) do país, é bastante preocupante o precedente que essa decisão teria, uma vez que é o primeiro caso em que se solicita a aplicação dessa lei. Segundo disse à LJR, atualmente há pelo menos três julgamentos em casos de violência contra jornalistas ocorridos há quase 40 anos e que, com essa lei, poderiam ser encerrados por completo. De fato, o caso do assassinato do jornalista Hugo Bustíos em 1988, o primeiro crime contra um jornalista a obter justiça no país, poderia ser afetado por ela.
Além disso, a ANP tem registros de pelo menos 54 jornalistas assassinados entre os anos de 1980 e 2000, e alguns desses casos poderiam deixar de ser investigados.
"É uma lei feita sob medida para livrar de responsabilidade todas as pessoas que estiveram envolvidas como perpetradoras de crimes entre 1980 e 2000. Esse é o risco", disse Lainez, lembrando como alguns congressistas são ex-militares e ex-fuzileiros navais.
No entanto, ela confia que na Justiça prevaleçam outros acordos e tratados assinados pelo Peru, bem como os apelos de diferentes organizações que destacam a inconstitucionalidade da lei. Algo em que Quispe concorda, acreditando que pode ser possível que a juíza dê prioridade às decisões da Corte Suprema do Peru ou à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que estabelece a imprescritibilidade dos crimes de lesa-humanidade.
Para Rosa Luz Pallqui e seu filho, a aprovação dessa lei foi um dos golpes mais duros.
"É uma lei de impunidade e não de punição aos assassinos do meu marido e de centenas de vítimas que foram detidas e torturadas em bases militares", disse Pallqui.
A próxima audiência desse caso está programada para o dia 23 de agosto, e nela a juíza poderá determinar a aplicação dessa lei, informou Quispe.