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O feitiço se quebrou: Cinco jornalistas com burnout contam por que deixaram seus empregos dos sonhos

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  • 12 setembro, 2023

Por Murillo Camarotto

Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Reuters na Universidade de Oxford e recebeu autorização para ser republicada pela LJR

Quando ainda era criança, Débora Duque, agora com 34 anos, decidiu que queria ser jornalista. E não qualquer tipo de jornalista: ela queria cobrir política para o Jornal do Commercio, o jornal mais influente de Recife, sua cidade natal.

Pouco tempo depois de se formar, Duque conseguiu o emprego dos sonhos e começou a cobrir política no Jornal do Commercio. No entanto, não durou muito. Jornalistas experientes que trabalhavam com ela foram demitidos e os padrões de qualidade do jornal estavam mais baixos do que nunca. Esgotada e desapontada, ela pediu demissão.

Em maio, a BBC publicou uma matéria destacando muitos trabalhadores que se perguntavam se ainda valia a pena investir em seus empregos dos sonhos. A reportagem contou histórias de pessoas de diversas áreas e mostrou como esses empregos se tornaram insustentáveis, fosse devido a ambientes de trabalhos tóxicos, a instabilidade econômica ou a sensação de esgotamento – a extenuação que em inglês se convencionou chamar de burnout.

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A jornalista brasileira Débora Duque (Foto: Instituto Reuters)

A matéria menciona um estudo da Coreia do Sul que diz que jovens cunharam o termo "salário da paixão" para descrever os baixos salários pagos àqueles que trabalham com o que amam.

Por que as pessoas viram jornalistas?

O jornalismo ainda é um emprego dos sonhos? Muitos jovens ao redor do mundo ainda o veem como uma oportunidade para investigar corrupção, testemunhar momentos cruciais da História e denunciar a injustiça, fomes e guerras. Alguns até renunciam a salários melhores para continuar no ofício.

"É um prazer que transcende o dinheiro. Viver a História em tempo real, participar dela. Eu sempre digo que o historiador é um comentarista de um jogo já jogado, enquanto o jornalista ainda pode desempenhar um papel nisso tudo. Eu estava tão empolgado. Era um pouco ingênuo, acho. Eu só queria ser útil", disse Gabriel Rocha Gaspar, 40 anos, ex-correspondente da Radio France International que deixou o jornalismo há alguns anos.

Com pai e mãe jornalistas cobrindo a indústria da música, Rocha Gaspar nunca quis fazer outro trabalho. Como repórter, trabalhou em várias redações, cobrindo economia, tecnologia e notícias internacionais. Quando a crise financeira atingiu as organizações de mídia, ele começou a questionar seu futuro no jornalismo.

"Existem várias categorias de censura que são invisíveis de fora", diz Rocha Gaspar. "Ao trabalhar em uma redação, você se depara com coisas como censura corporativa. Você percebe que os anunciantes têm um peso desproporcional nas notícias. Alguns modelos de negócios simplesmente não são sustentáveis e isso tem um impacto nas redações e gera autocensura."

Desapontado com as redações tradicionais, Rocha Gaspar se juntou a projetos independentes, mas encontrou muitos problemas também lá. "Os jornalistas eram combativos, mas a produção deles carecia de qualidade. Não era muito profissional", disse ele. Desapontado com a profissão, ele usou sua expertise em música e tecnologia e se juntou a uma grande empresa de música como gerente.

Em sua nova carreira, na qual tem um salário mais alto, Rocha Gaspar conseguiu comprar um apartamento e não tem mais a necessidade sempre premente de conseguir dinheiro extra com trabalhos como freelancer. Durante seu período como jornalista, seus fins de semana eram quase todos tomados por trabalho extra, o que não lhe dava muita satisfação pessoal.

"Eu só fazia pelo dinheiro", disse ele.

Uma tendência geracional?

O consultor de negócios Airam Corrêa vê vestígios de uma mudança cultural e geracional por trás das decisões de jornalistas como Gaspar e Duque. 

"Cada geração cria novos mitos", disse ele. "Na minha cidade natal, não existem mais candidatos a rock star e agora todos querem ser Mark Zuckerberg".

Uma pesquisa de 2019 no Reino Unido mostrou que as chamadas indústrias criativas tem maior propensão a explorarem a paixão dos trabalhadores, pagando-lhes salários mais baixos. Outra pesquisa de 2020 revelou que 47% das pessoas com menos de 30 anos concordaram em trabalhar de graça por um tempo para depois conseguir chegar aos seus empregos dos sonhos.

"Influenciados por frases como 'viva sua paixão', muitas pessoas simplesmente desistem ou baixam a guarda", explica Corrêa, que enfatiza que a economia também faz parte da equação. Em tempos difíceis, as pessoas estão menos dispostas a lutar por seu emprego dos sonhos.

No caso específico do jornalismo, dinheiro e estabilidade sempre foram fatores decisivos para afastar profissionais do campo.

Deixando o jornalismo pela política

O jornalista argentino Diego Quinteros recentemente deixou a profissão depois de dez anos trabalhando como repórter no La Nación, um dos principais jornais do país. Ele conseguiu uma bolsa para estudar na Espanha. O jornal não lhe deu a chance de tirar uma licença não remunerada por um tempo, mas ele decidiu ir em frente mesmo assim.

De volta a Buenos Aires, ele arranjou um emprego fora de uma redação para pagar as contas. "Quando você tem 20 anos, ganhar pouco dinheiro não importa tanto. Quando você tem 30, sem fins de semana e ainda ganhando pouco dinheiro, a equação é muito mais complexa", disse Quinteros, que atualmente trabalha como assessor de um político em seu país natal.

Um artigo que publiquei em 2019, após meu período como Jornalista bolsista no Instituto Reuters, mostrou como políticos brasileiros estavam conseguindo capturar os melhores jornalistas do Nordeste do país. De acordo com minha pesquisa, quase 40% dos repórteres que deixaram suas redações ao longo de um período de dez anos passaram a trabalhar como assessores de comunicação para políticos ou órgãos públicos.

Embora alguns jornalistas estejam mudando suas trajetórias profissionais de forma mais radical, tornar-se profissional de Relações Públicas ou assessor de comunicação é visto por muitos como a opção mais lógica. O jornalista panamenho Luis Burón, que trabalhou por 12 anos nos jornais La Estrella e La Prensa, agora trabalha no departamento de comunicação de uma agência da ONU. Como outras fontes nesta matéria, ele deixou o jornalismo por razões financeiras.

"Embora eu estivesse trabalhando como freelancer, precisava de um arranjo mais estável", disse ele. “Consegui isso com um dos jornais com os quais estava trabalhando. Mas à medida que a crise piorava, eles decidiram encerrar meu contrato, e quando perdi isso, o que ganhava com trabalhos mais ocasionais não era o suficiente para sobreviver", disse Burón.

Fora da redação, sua vida melhorou consideravelmente. "Mudar de carreira me permitiu mudar para uma nova casa, comprar um carro melhor e oferecer mais para meu filho", acrescentou.

Depois de deixar o jornalismo, Débora Duque seguiu um caminho semelhante. Ela começou a trabalhar como oficial de comunicação para uma instituição pública no Brasil. Seu principal objetivo era ganhar tempo e reformular sua paixão: escrever sobre política em seu país natal. Hoje ela tem mestrado em Ciência Política e está no doutorado na Universidade Brown nos Estados Unidos.

Criando impacto além do jornalismo

O repórter britânico Sam Dubberley seguiu um caminho semelhante. Depois de mais de uma década trabalhando para a União Europeia de Radiodifusão (EBU), ele agora atua como diretor-geral na Human Rights Watch (HRW) em Berlim. Antes de entrar para a HRW, ele aceitou um convite da Anistia Internacional, onde viu a oportunidade de ter um impacto significativo na sociedade.

"Fui promovido a editor-chefe muito rapidamente e muito jovem, e estava muito infeliz nesse cargo de gerência", disse Dubberley. "Provavelmente estava com burnout. Precisava de uma pausa e de uma mudança de direção. Foi então que me ofereceram uma posição na Anistia Internacional. No entanto ainda me sentia muito ligado ao jornalismo e gostava do foco em criar impacto em vez de apenas compartilhar histórias."

Para Corrêa, o consultor de negócios, o "glamour" de uma vida como workaholic no jornalismo pode ser coisa do passado. Algumas empresas ainda podem estar tentando atrair jovens em busca de descobrir um sentido na vida por meio do trabalho. Mas ele acredita que buscar a felicidade exclusivamente através do trabalho é a fórmula perfeita para se tornar infeliz.

Corrêa recomenda o que ele chama de "passion washing", termo traduzível como “banho de paixão”: "Existem outros motores [na vida de alguém] como o crescimento pessoal, a saúde de seus relacionamentos e a a atividade física. ‘Quem sou eu?’ e ‘O que eu quero fazer?’ são perguntas com as quais sempre temos que viver. A chave é ter clareza sobre o que você está disposto a aceitar e não abandonar esses outros motores".

Um ex-jornalista ainda é um jornalista?

No artigo publicado pela BBC, a professora da Universidade de Michigan Erin Cech também aborda a questão existencial das carreiras baseadas em paixão. "Se você sair desse emprego, ou a organização [onde trabalha] desaparecer, de repente você corre o risco de perder uma parte central de quem você acha que é, e isso pode ser devastador", disse ela.

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O jornalista brasileiro Gabriel Rocha Gaspar

Rocha Gaspar diz que, apesar da mudança, ele continua a se apresentar como jornalista. "O fato de eu agora fazer jornalismo apenas como um hobby me liberta do que me tirou da profissão em primeiro lugar", disse ele. Burón, o jornalista do Panamá, também continua a se apresentar como tal. "Ser jornalista foi muito gratificante", disse ele.

Mas nem todos concordam com Rocha Gaspar e Burón.

Quinteros, o jornalista da Argentina, diz que ainda preenche "jornalista" nos formulários, mas não se sente mais da mesma maneira que sentia no passado. "Não sinto nenhuma nostalgia e não consigo me imaginar de volta a uma redação", afirmou.

Duque, a jornalista brasileira, se apresenta como alguém que "se formou em jornalismo" e acredita que a profissão ainda faz parte de sua identidade. Mas ela reconhece que "o fascínio do jornalismo não é mais o mesmo". O feitiço se quebrou.

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