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Ojo Público: Lei sobre a proteção de dados pessoais não deve ser usada para censurar jornalistas no Peru

O principal objetivo da criação da Lei de Proteção de Dados Pessoais – promulgada em 11 de julho de 2013 e em vigor desde 08 de maio de 2015 – era proteger os dados pessoais de quem se sente violado por sua publicação, como no caso do uso comercial por parte de certas empresas privadas, até que se consiga apagar da internet todas as notícias relacionadas às informações em questão.

No entanto, vários jornalistas peruanos temem que a recente aplicação da presente lei abra um precedente de censura ao jornalismo investigativo, o que atentaria contra os direitos à liberdade de imprensa e de acesso à informação pública de todos os jornalistas e cidadãos peruanos.

Este é o caso do portal peruano de jornalismo investigativo e de dados Ojo Público, que foi recentemente denunciado pelo juiz Javier Villa Stein – ex-presidente do Poder Judicial e atual membro da Corte Suprema – que interpôs, sob amparo da referida lei, uma denúncia contra o referido site.

Óscar  Castilla, jornalista co-fundador e diretor-executivo da Ojo Público, disse em entrevista ao Centro Knight para o Jornalismo nas Américas: "Acredito que a denúncia de Villa Stein é uma evidência do aborrecimento que lhe causou a investigação sobre o seu patrimônio financeiro enquanto juiz da Corte Suprema. No entanto, até agora não conhecemos o teor exato de sua queixa. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPDP) apenas nos enviou uma notificação com um pedido de informação e nada mais."

Portanto, não está claro o que exatamente Villa Stein reclama da Ojo Público, uma vez que o meio, conforme publicado em seu site, se enteirou da queixa do juiz depois de receber, em 21 de julho, uma notificação da Direção de Supervisão e Controle (DSC) – órgão subordinado à Direção Geral de Proteção de Dados Pessoais – sem encontrar qualquer queixa formal anexa ao documento.

Ojo Público divulgou em 16 de março deste ano a reportagem "O Patrimônio Supremo do Juiz Javier Villa Stein" – que faz parte do relato jornalístico "Os Supremos Juízes do Milhão” – como um pré-lançamento do aplicativo Suprema Fortuna. O objetivo do aplicativo é fiscalizar e analisar o aumento patrimonial dos principais juízes da Corte Suprema e de Lima nos últimos anos.​

Para este conjunto de reportagens Ojo Público utilizou informações públicas, tais como declarações juramentadas feitas pelo próprio juiz Villa Stein à Controladoria Geral desde que ingressou na Corte Suprema em 2004.

Na notificação, a DSC pediu-lhes que entregassem, no prazo de dez dias, a gravação completa da entrevista feita por telefone com Villa Stein, e um documento a respeito da relação contratual com o jornalista autora da reportagem, Elizabeth Salazar.

Apesar de não ter recebido todas as informações que deveriam acompanhar a notificação da DSC à Ojo Público, Castilla disse, "estamos respondendo-lhes [nesta primeira semana de agosto]."

Villa Stein teria recorrido à ANPDP porque a reportagem não tem nenhum conteúdo objeto de difamação, afirmou Castilla ao Centro Knight. "O juiz não rejeitou o conteúdo da entrevista que nos concedeu", disse ele.

Além disso, Castilla disse que Salazar informou Villa Stein que a entrevista era parte de uma reportagem que Ojo Público estava fazendo sobre o patrimônio dele, e que isso seria publicado.

A este respeito, o advogado peruano Miguel Morachimo, do blog Hiperderecho, disse que Villa Stein estaria, aparentemente, alegando uso não autorizado de seus dados pessoais, neste caso, de sua voz, ao ter sido publicada a entrevista que ele mesmo concedeu.

"Ele não questiona o sentido da entrevista, nem nega tê-la concedido; simplesmente não quer que sua voz seja divulgada,” interpretou Morachimo depois de ler o relatório do caso.

A regra, declarou Morachimo, "está sendo usada como uma forma de impedir a difusão de qualquer conteúdo que, sem ser difamatório, simplesmente não agrada ao reclamante.”

O advogado também disse à Ojo Público que a queixa apresentada por Villa Stein ao Ministério da Justiça, quatro meses após a publicação da reportagem, é "insólita". Ele observou com preocupação que tenha chegado a este ponto em tão curto tempo de vigência da lei.

De acordo com Castilla, o pano de fundo que preocupa a Ojo Público, e que os levou a tornar pública esta reclamação, é que este caso demonstra que "a lei e a ANPDP podem ser usadas para coisas que desvirtuam sua [original] utilização. Não [deve] ser usada para censurar ou desacreditar jornalistas. (...) Este caso não deveria ter sido admitido [pela ANPDP]."

Sobre a lei em questão, o presidente do Conselho da Imprensa Peruana, Gonzalo Zegarra, disse anteriormente à La República que esta regra é muito restritiva e poderia afetar o exercício do jornalismo investigativo, cuja função é coletar dados. Ele também recomendou que a atividade jornalística seja isenta da aplicação desta lei.

Zegarra também disse que "hoje o jornalismo investigativo trabalha com bancos de dados, então não é possível pedir permissão a cada indivíduo para acessar informações pessoais com intuito de investigar atos de corrupção que têm a ver com o interesse público," disse ele.​

Além disso, Castilla explicou que a Lei de Transparência e Acesso à Informação Pública – a qual lhes permite fazer reportagens como aquelas referentes ao patrimônio que sejam de interesse público – "colide" com a Lei de Proteção de Dados Pessoais. O caso da Ojo Público é um "claro exemplo" disso, acrescentou.

"Como está operando esta entidade (ANPDP)? Que políticas de Estado foram estabelecidas para proteger a imprensa?", perguntou Castilla.

Anteriormente, em um editorial publicado no El Comercio em 1 de Julho sobre a aplicação  da lei de proteção de dados pessoais, o jornalista e blogueiro peruano Marco Sifuentes disse que "em um país onde a justiça institucional tem demonstrado ser, se não corrupta, no mínimo ineficaz, o ‘direito a ser esquecido’ é um disparate.”

Enquanto os meios de comunicação, acrescentou Sifuentes, "precisam ser muito mais responsável" com o seu conteúdo, autorregulando-se, o governo peruano não pode se converter no grande censor da rede peruana. (...) Qualquer governo (...) deve entender que a liberdade de expressão só se regula com mais liberdade de expressão."

Sifuentes estava se referindo ao caso do Google Peru, que foi sancionado pela Direção Geral de Proteção de Dados Pessoais do Ministério da Justiça com uma multa de mais de 250 mil novos soles (cerca de USD$ 76 mil dólares). Isso ocorreu em virtude de o Google não ter removido de seu buscador as informações sobre a descoberta de pornografia infantil no computador de um advogado e professor universitário que tinha sido denunciado em 2009.

O professor foi absolvido de culpa em 2012. No entanto, em 2015, e graças à lei sobre a proteção de dados pessoais, o professor processou o Google Peru por não ter eliminado as informações relacionadas ao caso.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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