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Organizações expõem estratégias de censura estatal na América Latina perante CIDH

Com estratégias que vão desde o uso de discursos abertamente hostis que rotulam a imprensa como "inimiga" ou "opositora", até o uso abusivo do direito penal para censurar e o uso de desenvolvimentos tecnológicos para monitorar e controlar, alguns governos latino-americanos buscam desmantelar o Estado de Direito para perseguir a crítica e a denúncia pública.

Isso foi afirmado por representantes de 25 organizações da sociedade civil que trabalham na região perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) durante a audiência pública "Afetações ao direito à liberdade de expressão por medidas estatais de censura", realizada em 8 de julho.

De acordo com Emmanuel Vargas Penagos, diretor da organização colombiana de liberdade de expressão El Veinte, esse é um problema comum na região e está relacionado a "estratégias governamentais para minar a participação dos cidadãos e a disseminação de informações relevantes sobre as autoridades públicas". Não apenas os jornalistas, mas também os defensores de direitos humanos são alvos dessas estratégias.

"Observamos que essas questões não se limitam a governos de um ou outro lado do espectro político e que fazem parte de uma ampla estratégia para desmantelar o Estado de Direito", disse Vargas. "Isso implica que a resposta dos Estados e do Sistema Interamericano deve ser abrangente e baseada na salvaguarda da liberdade de expressão e da participação pública como elementos fundamentais da democracia."

A implantação de narrativas oficiais é uma dessas estratégias. De acordo com Raissa Carrillo, da organização internacional Media Defence, isso cria um ambiente hostil para a supervisão e facilita a propaganda e a autocensura. Essas narrativas, continuou Carrillo, são obtidas por meio de quatro medidas: estigmatização, desvio do público da imprensa, enfraquecimento dos oponentes e amplificação da mensagem usando o sistema de meios públicos.

Como tem sido documentado, a estigmatização da imprensa e dos defensores dos direitos humanos por meio de declarações públicas de autoridades de alto escalão "sem dúvida gera um efeito inibidor sobre qualquer controle do poder", acrescentou Carrillo. Os casos dos presidentes Andrés Manuel López Obrador, do México, Nayib Bukele, de El Salvador, Gustavo Petro, da Colômbia, e Javier Milei, da Argentina, bem como dos ex-presidentes Donald Trump, dos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, do Brasil, talvez sejam alguns dos mais emblemáticos, acrescentou.

 

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Audiência pública perante a CIDH “Afetações ao direito à liberdade de expressão por medidas estatais de censura”, durante o 190 Período de Sessões.

 

Ele relatou que as organizações conseguiram ver um "paralelo temporal" entre o aumento da violência física contra jornalistas e o ambiente hostil promovido por essas declarações. "Isso é muito sério no contexto da violência mortal contra a imprensa na região nos últimos cinco anos", disse Carrillo.

Ele acrescentou que é preocupante que as organizações que trabalham em defesa da imprensa agora também estejam sendo estigmatizadas. Isso aconteceu com a Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP) na Colômbia, o Fórum de Jornalismo Argentino (Fopea), a Associação de Jornalistas de El Salvador ou a Artigo 19 e o Centro Prodh no México.

As organizações também documentaram o uso do sistema público de mídia para promover campanhas de difamação e, no caso mais grave, para colocá-lo a "serviço de uma missão política". Acrescente a isso o movimento para desviar e cooptar o público da imprensa, e o governo se torna o filtro do que deve ser entregue ao público, o que é considerado relevante e o que não é.

"A comunicação unidirecional, por meio de redes e plataformas sociais, facilita prescindir da imprensa", disse Ángela Caro, da FLIP.

O fortalecimento dos mecanismos de vigilância, tanto no mundo analógico quanto no digital, foi identificado pelas organizações como outra estratégia para silenciar as vozes críticas. Elas estão particularmente preocupadas com a "opacidade" na aquisição e no uso de spyware, geolocalização ilegal e patrulhamento cibernético.

O uso do spyware Pegasus foi identificado, por exemplo, na Colômbia, em El Salvador, na República Dominicana e no México. Neste último país, o Pegasus foi usado em pelo menos 25 jornalistas, incluindo o jornalista Cecilio Pineda Brito, que foi assassinado duas semanas após o uso do spyware, de acordo com Luis Fernando García, da organização R3D.

Ele acrescentou que, em El Salvador, entre julho de 2020 e novembro de 2021, 35 dispositivos pertencentes a jornalistas e membros da sociedade civil foram atacados com o Pegasus enquanto faziam reportagens sobre assuntos da administração do presidente Bukele.

O patrulhamento cibernético ou o uso de software de código aberto e ferramentas de inteligência é uma ameaça latente contra a mídia e os jornalistas, que é agravada pela falta de investigação, acusação e reformas legais para controlá-la, explicou Priscilla Ruiz do Artículo 19.

"A judicialização da liberdade de expressão em assuntos de interesse público por meio do abuso de ferramentas legais" é outra das estratégias identificadas pelas organizações. Como já foi identificado há anos, essa tendência de denunciar criminal ou civilmente jornalistas e ativistas busca minar o escrutínio e o debate público, disse Alicia Miller, do Fopea.

Essas denúncias geralmente afetam os jornalistas psicológica e financeiramente e, às vezes, trazem ameaças e intimidações não apenas contra o jornalista visado, mas também contra seus colegas e familiares.

"O assédio judicial tem um efeito negativo ao inibir a crítica, desestimular as investigações jornalísticas e gerar uma cultura de autocensura que não só afeta o trabalho jornalístico, mas também prejudica o direito do público à informação e o papel do cidadão na democracia", disse Miller.

Além do abuso do sistema judiciário, as organizações constataram que, em alguns países, houve até reformas legais para aumentar as penas de crimes para processar jornalistas, como difamação, atividade terrorista, colaboração com entidades estrangeiras, publicação de notícias falsas ou desordem pública. Acusações de crimes financeiros, como fraude ou lavagem de dinheiro, também são usadas, mas têm motivação política, disse Miller.

Casos como os do jornalista guatemalteco José Rubén Zamora, de Daniel Enz, da Argentina, Luis Ángel Cuza e Lázaro Yuri Valle Roca, de Cuba, e Gustavo Gorriti, do Peru, foram alguns dos mencionados. Também foram destacados casos na Nicarágua, com jornalistas acusados e até expulsos de seu país por diversas acusações. Esse tipo de crime também foi identificado em El Salvador. A FLIP documentou pelo menos 14 casos na Colômbia até junho de 2024, enquanto a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) documentou 654 processos categorizados como assédio judicial de 2009 a 2024.

Uma das solicitações feitas à CIDH é a elaboração de um protocolo modelo que aprofunde os padrões estabelecidos pelo Sistema Interamericano sobre a liberdade de expressão de funcionários públicos, os direitos e obrigações que isso implica, bem como seu impacto nas comunicações estatais e no mundo digital.

O protocolo, de acordo com as organizações, poderia fornecer aos Estados ferramentas para prevenir a violência causada por discursos estigmatizantes.

"Essa iniciativa pode ter um efeito preventivo em um contexto em que já há evidências de um paralelo entre o aumento da violência física contra jornalistas e o ambiente hostil promovido pela estigmatização oficial", disse Sofía Jaramillo, da Robert F. Kennedy Human Rights.

Eles também solicitaram priorizar a análise de casos relacionados aos diferentes problemas expostos na audiência e, assim, ampliar os padrões interamericanos, bem como a preparação de relatórios sobre os efeitos das ferramentas de vigilância sobre a liberdade de expressão e outro sobre "ações judiciais estratégicas contra a participação pública como uma ameaça à liberdade de expressão".

 

Traduzido por Carolina de Assis
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