Vivemos em sociedades interconectadas. O que acontece em um país, seja econômica, política ou socialmente, pode influenciar a dinâmica de outros países. Por sua vez, a forma de produzir e consumir notícias tornou-se uma experiência transnacional.
Pesquisadores acadêmicos estudaram e descobriram que o ambiente online e a globalização transformaram o jornalismo. Atualmente o ciclo noticioso é de 24 horas, 7 dias por semana, e a distância social com a audiência diminuiu. Isso mudou também a forma como os jornalistas percebem a si mesmos, bem como o lugar que eles consideram ocupar na sociedade.
Em relação a esse tema, pesquisadores do Grupo de Pesquisa do Centro Knight Vanessa de Macedo Higgins Joyce, Summer Harlow, Amy Schmitz Weiss, e Rosental Calmon Alves publicaram o trabalho Spatial dimensions within hierarchy of influences: How re-conceived notions of space in networked societies impact Latin American journalists (“Dimensões espaciais dentro da hierarquia de influências: como noções reconcebidas de espaço em sociedades interconectadas impactam os jornalistas latino-americanos”).
A pesquisa foi publicada em 13 de outubro de 2022, na International Communication Gazette.
“Este estudo foi conduzido em um momento marcado pelo aumento das conexões transnacionais através de redes sociais, bem como de empresas de mídia globais e da rede transnacional de jornalismo colaborativo que está se formando na região”, disse Higgins Joyce à LatAm Journalism Review (LJR). “Queríamos ver como essas mudanças no fluxo de informação poderiam contribuir para a forma como jornalistas da América Latina percebem seu papel na sociedade, tendo o potencial de influenciar na maneira em que as notícias são produzidas e em quais notícias são produzidas na região. Isso é importante porque mostra que algumas ideias normativas que não eram normalmente associadas ao jornalismo podem fazer cada vez mais parte da prática do jornalismo latino-americano”, acrescentou.
Este estudo entrevistou 1.904 jornalistas de 20 países latino-americanos, por meio de uma pesquisa enviada a um universo de mais de 15.500 assinantes de uma organização sem fins lucrativos. Os pesquisadores fizeram perguntas em três níveis.
No primeiro, o nível da estrutura organizacional, perguntaram como o âmbito geográfico da redação influi na percepção da função jornalística e como o trabalho em redes transnacionais de colaboração influencia a percepção da função jornalística.
No segundo, o nível institucional, perguntaram como as regiões geoculturais da América Latina influenciam a percepção da função jornalística. E no terceiro nível, mais amplo, questionaram como o uso das redes sociais influi na percepção do papel jornalístico na América Latina.
Com base nessas perguntas levantaram a hipótese de que “a influência social institucional tem mais probabilidade de prever as funções jornalísticas percebidas na América Latina do que outros níveis de influência relacionados com o espaço (estrutura organizacional e níveis sistêmicos mais amplos)”. Entendendo a influência social institucional como a influência da região geocultural a que pertence a redação onde o jornalista trabalha.
Outros estudos mencionados nesta pesquisa mostram que os jornalistas da América Latina tendem a desempenhar papéis ativos, participativos e mobilizadores. Ao contrário de seus colegas dos EUA e de outros países ocidentais, que desempenham papéis mais neutros ou de espectadores.
“Nosso estudo constatou que, em geral, os jornalistas latino-americanos ainda se percebem nos papéis de defensor e guardiões, onde a voz do jornalista e seu papel cívico são enfatizados como o papel mais importante para o jornalismo na região, e isso é consistente com o que outros estudos constataram, disse Higgins Joyce.
“Entretanto, nosso estudo descobriu que os papéis de difusão e informação, um papel menos comumente associado ao jornalismo na América Latina e mais comumente associado ao papel dos jornalistas nos sistemas de mídia comercial ocidentais, são os mais impactados pelas mudanças espaciais vividas em uma sociedade em rede”, acrescentou a pesquisadora.
O estudo mostra como os jornalistas que trabalharam em investigações transnacionais colaborativas enfatizam mais o papel da divulgação e da informação do que aqueles que não participaram desse tipo de colaboração. Isso também acontece com jornalistas que trabalham em meios de comunicação de alcance internacional, ao contrário de seus colegas locais. Quanto mais locais eles eram, mais relacionados com o papel de defensor e guardião.
Este estudo mostra como a evolução das redes transnacionais está transformando a forma como os jornalistas veem seu papel e como eles se veem na sociedade, explica Higgins Joyce.
“Embora isso seja importante e saibamos que a maneira como os jornalistas veem seu papel tem grande potencial para influenciar a forma como as notícias são criadas, não sabemos o impacto real dessas mudanças espaciais no desempenho real do trabalho jornalístico. Também sabemos pouco sobre o impacto do consumo de notícias nesse ambiente transnacional e transversal, que existe simultaneamente local e globalmente, e o que essas mudanças significam para as audiências da América Latina”, explicou a pesquisadora.
Da mesma forma, o estudo também afirma que pesquisas futuras continuarão a explorar mudanças nas percepções dos papéis, especialmente sobre como eles mudam em diferentes países, para entender melhor suas diferenças e semelhanças.
O ambiente online também precisa ser mais explorado, já que o jornalismo na América Latina tem migrado sistematicamente para o ambiente 2.0. “Nos últimos cinco anos, as redes sociais ultrapassaram a televisão como meio mais consultado para obter notícias. Isso consolida o ambiente online como o espaço onde o jornalismo existe, é compartilhado, consumido, publicado e investigado”, disse Higgins Joyce. “É fundamental entender que o jornalismo não existe no vácuo de influências e forças locais. Ele é produzido e consumido em um ambiente transnacional e transversal, e isso influencia o jornalismo.”