texas-moody

Políticas públicas já impactam jornalismo nos Estados Unidos e Canadá: prós e contras

O painel “Subsídios e regulação: como iniciativas governamentais podem afetar o jornalismo e o ecossistema de mídia digital” discutiu casos concretos de políticas públicas desenhadas para incentivar o jornalismo nos Estados Unidos e no Canadá.

“Há um clima de regulamentação no ar, particularmente aquele que fornece, pela primeira vez, níveis realmente sérios de apoio ao jornalismo,” disse a moderadora Emily Bell, diretora do Tow Center for Digital Journalism, da Columbia Journalism School.

O fundador e presidente do Report for America, Steven Waldman, lembrou que políticas públicas tiveram um papel crucial para o desenvolvimento do mercado de jornais, com a Lei do Serviço Postal de 1792, que dava desconto para o envio de jornais pelo correio como forma de promover uma imprensa livre. De forma similar, a Lei de Radiodifusão Pública de 1967 estimulou o desenvolvimento de um sistema público de rádio.

“Para aqueles que realmente não querem o governo envolvido, é tarde demais. Tivemos políticas governamentais que afetaram o desenvolvimento dos meios de comunicação desde o início do país,” disse Waldman, que também preside a coalizão Rebuilding Local News, que defende políticas públicas que favoreçam um sistema de notícias local mais robusto enquanto preservam a independência editorial.

A coalizão apoiou a Lei de Sustentabilidade do Jornalismo, proposta legislativa que previa incentivos fiscais para apoiar jornais locais e outros meios de comunicação locais. A proposta ganhou força diante da crise acelerada pela pandemia de COVID-19, que levou ao fechamento de dezenas de redações regionais nos Estados Unidos.

“Esse projeto, que quase se tornou lei, teria fornecido USD 1,7 bilhão para organizações de notícias locais ao longo de cinco anos, ou seja, mais do que todo o dinheiro que todas as fundações nesta sala dedicam juntas às notícias locais,” disse Waldman.

Apesar da proposta ter morrido no nível federal, começaram a surgir iniciativas similares nos estados, como Wisconsin. Já na Califórnia, legisladores propõem um fundo público para financiar o jornalismo, em vez de incentivos fiscais.

Emily Bell, Steven Waldman, David Skok, and Sarah Stonbely at ISOJ 2022

Emily Bell, Steven Waldman, David Skok, e Sarah Stonbely no ISOJ 2022

 

 

O modelo proposto na Califórnia é inspirado em outra iniciativa estadual, o pioneiro Consórcio de Informação Cívica de Nova Jersey, que distribuiu USD 500,000 para veículos locais em 2021 e vai dobrar a oferta em 2022.

“[O consórcio] tem um conselho de 13 pessoas que são indicadas pelo governador, pela assembleia estadual, pelo Senado estadual, universidades e alguns especialistas externos. E elas têm garantias, principalmente, para proteger as instituições e organizações e as pessoas que eles financiam da influência política,” disse Sarah Stonbely, diretora de pesquisa do Centro de Mídia Cooperativa da Montclair State University.

Um dos veículos beneficiados com recursos públicos em Nova Jersey é o Trenton Journal, fundado pelo jornalista Kenneth Miles com a missão de cobrir as comunidades negras e mestiças em Trenton, capital do estado.

“[Eles oferecem] histórias positivas e otimistas, tipo de solução, tipo de histórias orientadas para o jornalismo que realmente mostram pessoas incríveis na comunidade e as coisas boas, porque, como ele [Miles] diz, não é apenas crime que há nessas comunidades. Então ele está fazendo um trabalho incrível,” disse Stonbely.

Já o CEO e editor-chefe do veículo digital canadense The Logic, David Skok, alertou para os efeitos não intencionais de políticas públicas para financiar o jornalismo, com repercussão na credibilidade dos veículos e na segurança dos profissionais. Em 2019, num esforço para preservar veículos de notícias atingidos pela prolongada crise econômica do setor, o governo canadense lançou um programa de créditos tributários trabalhistas para jornalistas. O alívio fiscal, explicou Skok, serviu de munição para a oposição criticar a imprensa.

"Então, uma vez que esses créditos fiscais trabalhistas se tornaram possíveis com o QCJO [Organizações de Jornalismo Canadense Qualificadas], eu tinha um dever fiduciário com nossos investidores de solicitá-los. Meus princípios certamente não pagam as contas. Como resultado, The Logic enfrentou uma enxurrada de críticas por estar no bolso do governo,” disse Skok. “[No Canadá] Você tem um partido populista que culpa a grande mídia pelo aumento da desinformação. Não deveria ser surpresa, então, que nesses protestos de comboio no mês passado, você teve jornalistas abertamente atacados por esses manifestantes.”

Diante disso, Skok se mostra preocupado com a nova proposta legislativa que prevê exigir que empresas como Google e Facebook compartilhem uma parte de sua receita de publicidade com organizações de notícias. Segundo ele, as gigantes digitais estão se antecipando à legislação e fechando acordos privados e sigilosos com publishers canadenses.

“Não sabemos o que há neles, mas os relatórios indicam que mais de um terço, de um quarto a um terço de todos os custos operacionais totais, estão sendo subsidiados nesses acordos pelo Google e Facebook para nossos maiores editores. (…) The Logic não firmou acordo com nenhuma plataforma tecnológica. E como eu disse, nós não pedimos, nem solicitamos essa lei de big techs. Mas esses acordos agora estão dando aos nossos concorrentes uma vantagem competitiva distinta,” disse Skok

Apesar das ressalvas, os participantes do painel entendem que políticas públicas para apoiar o jornalismo, incluindo leis que regulam as gigantes de tecnologia, vieram para ficar. Em que pese as falhas e distorções que possam gerar, essas políticas públicas têm o potencial de redefinir o ambiente midiático nos próximos anos.

“Você meio que tem que tentar de tudo e ver o que funciona. E para lugares diferentes, são coisas diferentes também. Então eu acho que para alguns lugares será o imposto sobre a folha de pagamento. Para outros será como subsídios individuais. (...) Para outros lugares será modelo cívico e open source”, disse Stonbely.

“As políticas públicas serão e devem ser uma parte realmente fundamental da discussão para os próximos anos sobre como salvar as notícias locais. Pode ir muito mal se não for bem feito. E até certo ponto isso vai acontecer quer queiramos ou não. Por isso, é importante que as pessoas certas estejam à mesa para ajudar a orientar essas políticas”, disse Waldman.

Artigos Recentes