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Programa de formação busca mudar as histórias de violência na América Latina e transcender estereótipos de gênero

Deixa o jornalismo sensacionalista de lado e ajudar no desenvolvimento de narrativas alternativas sob uma perspectiva de gênero faz parte da missão do Cambia la Historia, um programa de formação liderado pela DW Akademie e pelo meio salvadorenho feminista Alharaca.

Durante seis semanas, jornalistas e editores de El Salvador, México, Honduras, Colômbia, Argentina e Chile receberão formação sobre diversos tipo de violência e sobre a construção de estereótipos de gênero na América Latina a partir de uma análise crítica e interseccional. Após essa etapa, 30 pessoas entre todos os participantes terão a oportunidade de obter financiamento e orientação para realizar uma investigação jornalística.

O Cambia la Historia é um projeto que surgiu em 2021 como iniciativa da DW Akademie, centro da Deutsche Welle para o desenvolvimento do jornalismo e dos meios de comunicação, que conta com financiamento do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha.

"Basicamente, vimos que a violência contra as mulheres é onipresente na América Latina e que, embora os meios de comunicação na região falem da violência física, pouco se fala dos padrões recorrentes e estruturais", disse à LatAm Journalism Review (LJR) Lena Gamper, coordenadora de projetos na DW Akademie.

"Buscamos romper com os estereótipos e, em seu lugar, desenvolver narrativas alternativas. Desde o início, temos essa ideia de trabalhar com o jornalismo de soluções ou o jornalismo construtivo, e dessa forma fornecer valor", acrescentou.

A convocatória para a terceira edição do programa estará aberta até o próximo dia 9 de junho e, segundo comentaram as líderes do projeto, podem candidatar-se jornalistas e editores sem restrições de gênero. Quem for selecionado deve contar com um mínimo de cinco anos de experiência profissional e ter pronto uma pauta inicial da história que deseja contar.

"[Os participantes] devem ter abertura para o intercâmbio de conhecimentos e experiências. Ter realmente interesse nesse tipo de tema e capacidade para poder aplicá-lo em suas coberturas diárias, melhorando sua prática jornalística. A ideia é que possam estender o conhecimento também a outros colegas", explicou à LJR Laura Aguirre, cofundadora da Alharaca.

Aguirre explicou que a Alharaca se uniu a este projeto em sua segunda edição e decidiu repeti-lo este ano porque seu veículo acredita ser importante visibilizar as violências de gênero na América Latina. Ainda mais do que isso, o Alharaca almeja mostrar como as vítimas dessas violências ainda podem encontrar maneiras criativas, organizativas e coletivas para enfrentar as dificuldades.

"Sem que isso signifique, claro, que estamos idealizando nenhuma das situações", esclareceu Aguirre.

Foco no jornalismo de soluções

O "Cambiar la Historia", “Mudar a história em português”, é um jogo de palavras que inclui não só mudar a forma como as histórias de violência têm sido contadas na América Latina, mas também refere-se à busca por mudar o rumo da vida das vítimas que se abrem para contar as suas histórias, explicou Gamper.

Isso faz parte do enfoque de jornalismo construtivo ou de soluções que o programa tem. Busca-se fazer jornalismo com a intenção de mostrar como as pessoas continuam sendo agentes de suas vidas ao encontrar soluções. Não se fala apenas do problema, mas das possíveis saídas que podem ser válidas também para outras pessoas.

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ChatGPT Durante seis semanas, jornalistas e editores de El Salvador, México, Honduras, Colômbia, Argentina e Chile receberão formação sobre as violências e a construção de estereótipos de gênero na América Latina a partir de uma análise crítica e interseccional. (Foto: DW Akademie)

O impacto do projeto já tem sido palpável. Na primeira edição do programa, realizada em 2021, a jornalista mexicana Dulce Soto, do meio Corriente Alterna, publicou uma investigação para visibilizar as violências que enfrentam as pessoas no sistema judicial no México.

No reportagem "As batalhas de Leo contra o sistema penal", Soto relata a história de Leo, um homem trans que, apesar de ter recebido liberdade condicional, ainda estava na prisão por não poder pagar a tornozeleira que lhe foi imposta como medida de vigilância.

Horas após a publicação da reportagem, um tribunal federal mexicano deu um prazo de três dias para que a autoridade responsável explicasse por que não havia sido concedida a tornozeleira a Leo. No dia seguinte, ele foi libertado.

"Uma das razões pelas quais abrimos esta terceira edição é precisamente pelos impactos e o engajamento que tivemos nos países centro-americanos e pela boa recepção no ecossistema de mídia. Devido isso, esta terceira edição foi ampliada para três países a mais, agora do Cone Sul", disse Aguirre.

Os participantes das edições anteriores investigaram temas que abrangem os direitos das mulheres com deficiência, abusos familiares, violências contra povos indígenas, aborto e violência obstétrica, entre outros.

Eric Lemus é um jornalista salvadorenho, da Revista Espacio, que participou da edição de 2022 do "Cambia la Historia". Sua investigação concentrou-se em visibilizar como mulheres que sofrem emergências obstétricas em El Salvador acabam indo do hospital para a prisão. Essas mulheres são acusadas de terem praticado um aborto e denunciadas por homicídio qualificado.

"A experiência no meu ano foi imensamente produtiva porque eu não só tive assistência editorial jornalística, mas também tive um acompanhamento formativo com especialistas que me ensinaram a poder melhorar minha linguagem quando se trata de temáticas sensíveis", disse Lemus à LJR. "Sem essa formação, um jornalista pode incorrer na revitimização", acrescentou.

Em sua reportagem, Lemus escolheu o formato de quadrinhos como elemento narrativo. Segundo contou, ele escolheu essa narrativa para diminuir a intensidade dos testemunhos e da história.

"Queria poder explicar um drama tão complexo usando os elementos incluídos na técnica cinematográfica: a introdução, o desenvolvimento e desfecho, e depois as conclusões", explicou o jornalista.

Lemus ressaltou a importância de incluir temas que visibilizem as violências contra as mulheres na agenda pública, já que, em sua perspectiva, essas histórias contra a população feminina têm um elemento distinto que é "a carga de ódio", uma violência que reproduz estereótipos, estigmas e preconceitos de gênero.

Abrindo a conversa nas redações

A equipe do "Cambia la Historia" decidiu, neste 2024, adicionar pela primeira vez um espaço especial para a formação de editores em temas de violência e perspectiva de gênero na América Latina.

"Estamos muito interessadas que essas pessoas que tomam decisões dentro das redações possam participar do programa. Temos consciência de que é muito difícil promover mudanças dentro das redações se não houver uma conscientização e um desejo desses meios de comunicação de fazê-lo", disse Aguirre.

Os editores passarão pelo mesmo processo de formação que os jornalistas participantes do programa. A convocatória de candidatura também encerra em 9 de junho.

Segundo Aguirre, incluir editoras também veio da necessidade de abrir a conversa sobre violência de gênero em outros espaços e diminuir o desconhecimento e o preconceito em torno do tema.

"Queremos ter a oportunidade de abrir essas conversas com essas pessoas que têm a possibilidade de fazer mudanças operacionais imediatas dentro das redações", disse Aguirre. "Falar sobre perspectiva de gênero, falar sobre perspectiva inclusiva, é realmente incluir a todos e todas, e isso significa um jornalismo melhor, mais abrangente, mais honesto, mais transparente".

Traduzido por André Duchiade
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