Este é o segundo post de uma série sobre mecanismos de proteção para jornalistas na América Latina. Leia aqui sobre o mecanismo do México.
Completando 15 anos neste mês de agosto, o Programa de Proteção a Jornalistas da Colômbia (o mais antigo mecanismo desse tipo na América Latina) atravessa “um momento crítico”, segundo organizações de defesa da liberdade de imprensa. Dentre os problemas principais estão a falta de recursos econômicos e escândalos de corrupção.
Justamente por conta dessas preocupações, a campanha ‘Jornalismo em Risco’ acaba de ser lançada pela Federação Colombiana de Jornalistas (Fecolper, na sigla em espanhol), a Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP), la Associação Colombiana de Editores de Diários e Meios Informativos (Andiarios) e Repórteres Sem Fronteiras (RSF).
A campanha, que acontecerá até novembro, busca mostrar através de relatórios semanais este momento crítico do programa, que anualmente atende entre 80 e 140 jornalistas.
Desde o ano 2000, todo ano cerca de 100 jornalistas recebem proteção do Estado colombiano, que pode incluir desde escoltas e agentes armados 24 horas, até o uso de veículos blindados.
Na história do jornalismo colombiano, o programa cumpre sua função em um contexto complexo de violência e corrupção. O conflito armado interno não apenas deixou mais de 6 milhões de vítimas, mas também levou à criação de diferentes grupos armados e gangues criminosas, em algumas ocasiões, com o aval das classes políticas e das forças armadas estatais. Por isso, as ameaças ao jornalismo chegam de diferentes frentes: desde o Estado, funcionários públicos e forças de segurança, até grupos armados, passando, em alguns casos, por civis.
O governo colombiano aceitou não apenas o risco enfrentado pelos trabalhadores da imprensa, mas que o próprio Estado poderia estar entre os agressores, explicou Pedro Vaca, diretor-executivo da FLIP, em conversa com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas. Isso levou à criação de um programa no qual os jornalistas pudessem confiar.
O mecanismo, inclusive, foi apontado como um possível modelo para outros países da América Latina.
Em seu relatório ‘Violência contra jornalistas e trabalhadores de meios: Padrões interamericanos e práticas nacionais sobre prevenção, proteção e busca da Justiça’, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) considerou que este programa “oferece uma importante prática para os países da região, permitindo proteger a vida e a integridade de dezenas de jornalistas, comunicadores e comunicadoras no país”.
A Relatoria também destacou o papel do mecanismo “na diminuição dos casos de assassinatos a jornalistas e comunicadores por motivos que poderiam estar relacionados a sua profissão”.
De acordo com números da FLIP, a violência contra a imprensa na Colômbia deixou ao menos 143 jornalistas mortos desde 1977 por razões relacionadas com o exercício profissional. Não obstante, a redução no número de assassinatos foi notável em comparação a números do período entre 1999 e 2002, quando 32 jornalistas foram assassinados no país.
“É preciso reconhecer muitas coisas quanto ao programa de proteção. Embora a diminuição nos assassinatos não seja uma consequência direta do programa, ele tem um efeito inibidor que contribuiu", explicou Vaca.
Jornalistas: um grupo em risco extraordinário
A origem do mecanismo de proteção na Colômbia remonta ao ano 2000, quando os comunicadores foram catalogados como parte de um grupo de pessoas em situação de risco no país, de acordo com o relatório citado da Relatoria Especial. Foi por esse motivo que se criou o ‘Programa de Proteção a Jornalistas e Comunicadores Sociais’, que estava a cargo da Direção Geral para os Direitos Humanos do Ministório do Interior.
Três anos antes deste programa, o governo já havia reconhecido o risco enfrentado por algumas pessoas “por causas relacionadas à violência política ou ideológica, ou a algum conflito armado interno”, razão pela qual montou um programa de proteção. Estas pessoas pertencem a diferentes grupos como dirigentes de grupos políticos, de organizações sociais, defensores de direitos humanos, entre outros.
Em 2012, todos os programas de proteção existentes foram unificados e reformulados, dando origem ao ‘Programa de Prevenção e Proteção dos direitos à vida, à liberdade, à integridade e à segurança de pessoas, grupos e comunidades’ que se encontram em risco extraordinário ou extremo. Dentre os 16 grupos objeto de proteção estão jornalistas e comunicadores sociais.
Sob este novo marco, foi criada a Unidade Nacional de Proteção (UNP), que teria autonomia e patrimônio próprios e estaria encarregada de “articular, coordenar e executar a prestação do serviço de proteção”.
O grupo máximo de deliberação é o Comitê de Avaliação de Risco e Recomendação de Medidas (CERREM), que após analisar os pedidos e os dados determina as medidas de proteção a serem outorgadas, assim como o tempo de cada uma.
Um dos aspectos positivos que a Relatoria Especial destacou foi a participação da sociedade civil no programa. No CERREM, estão como convidados permanentes quatro representantes de cada um dos grupos ou comunidades objeto de proteção, incluindo os jornalistas.
Também foi destacado a perspectiva de gênero. O programa entende que as mulheres têm necessidades particulares e que as medidas de proteção devem responder a isso. Por isso, existe um "CERREM Mulheres" paralelo. Quando uma mulher jornalista considera que necessita de proteção, pode decidir que seu caso seja revisado pelo comitê especializado de mulheres ou pelo comitê geral.
Em termos globais, o mecanismo serviu para oferecer proteção a jornalistas de maneira imediata. Um exemplo é o caso do chefe de investigações da revista Semana, Ricardo Calderón, que sofreu um atentado em maio de 2013 e recebeu imediatamente um esquema de segurança da UNP.
Ainda assim, é conhecido o caso do atentado ao ex-Ministro do Interior da administração de Álvaro Uribe, Fernando Londoño, em maio de 2012. Londoño contava com um “robusto” esquema de segurança pelas muitas ameaças que recebia não apenas por seu trabalho como ex-ministro, mas também pelas atividades jornalísticas às quais havia se dedicado após seu trabalho político. O diretor da UNP afirmou que foi graças a este esquema que Londoño saiu com vida do atentado.
Contudo, o funcionamiento do mecanismo não está isento de críticas e até escândalos.
Vaca ressalta que um dos problemas é que atualmente o sistema de proteção “esta hiperdimensionado”. Ou seja, como o programa oferece proteção a outros grupos, o número de pessoas com necessidade de esquemas de segurança aumentou e a estrutura necessária para seu funcionamento também.
“O programa [no início], talvez mais artesanal e com menos critérios, era mais rápido. Estamos falando agora da intervenção de muitos atores, o que encarece e atrasa a atenção aos casos”, acrescentou Vaca.
De acordo com ele, desde a existência da UNP, esta não alcançou a suficiência orçamentária que deveria ter.
“Sempre até metade do ano se alerta sobre a falta de recursos”, disse Vaca. “Isso tem impactos enormes nos programas vigentes para jornalistas. Isso passa todos os anos, há um problema de planejamento”.
Para representar este problema, em abril de 2015 houve o caso de Yesid Toro, um jornalista que confessou ser o autor de ameaças contra ele próprio e outros sete colegas para poder continuar não apenas com o esquema de segurança, mas também para receber um dinheiro que, segundo ele, o mecanismo lhe devia.
Outro caso que levantou questionamentos ao programa por seu final trágico foi o assassinato do jornalista Luis Carlos Cervantes, em 12 de agosto de 2014, semanas depois de ter suas medidas de proteção retiradas. Na ocasião, a UNP observou que as medidas haviam sido retiradas porque o CERREM determinou que o jornalista já não estava mais sob risco, informou a Relatoria Especial. Apenas nos últimos dias, um ano depois do crime, as autoridades expediram 16 ordens de prisão contra membros de um grupo criminoso acusados de serem os autores intelectuais e materiais do homicídio, informou o El Espectador.
Mas estes são só dois casos em torno do programa no último ano que levantaram dúvidas sobre sua eficácia e sobre a transparência de sua atuação.
Em meados de 2014, explodiu um escândalo de corrupção no interior da UNP.
Em novembro de 2014, seu déficit era estimado em 70 bilhões de pesos colombianos (mais de 23 milhões de dólares), o que colocava em risco a proteção de mais de 2000 pessoas na época, das quais aproximadamente 100 jornalistas. No mais recente escândalo, falou-se de superfaturamentos de mais de 14 bilhões de pesos colombianos (menos de 5 milhões de dólares), segundo informou a revista Semana. As investigações por estes fatos continuam.
Eliminar riscos e investigar com rigor
Ainda que os esquemas de segurança sejam, sem dúvida, uma ferramenta efetiva para salvaguardar a vida dos jornalistas, para Vaca a melhor medida de proteção que se pode oferecer é a eliminação do risco que cria a necessidade deles.
Um ponto em que a Colômbia “está muito mal”, assegurou. Para exemplificar, afirmou que só nos mais de 400 casos de ameaças reportados no ano passado, houve apenas uma condenação, segundo o relatório publicado em fevereiro deste ano.
Embora não haja muitos casos, a FLIP registra alguns jornalistas com esquemas de segurança por mais de 10 anos, o que não apenas afeta o exercício da profissão, mas também representa um alto custo para o programa. Um esquema "duro" de proteção (escoltas, carros blindados, armamento, etc.) pode chegar a custar até 10 mil dólares mensais, explicou Vaca.
Mas para eliminar o risco é preciso investir em investigações rigorosas. A proposta da FLIP é que o caso de um jornalista tenha prioridade no momento de ser investigado.
“Boa parte da corrupção no orçamento pode acontecer por uma proteção muito longa. Um risco que se mantém por anos e que não se investiga”, disse Vaca. “Nós nos acostumamos com o fato de que a imprensa na Colômbia está sob custódia e isso também não é bom para a liberdade de imprensa", concluiu.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.