As pessoas que conheciam o radialista Jairo Sousa ainda estão em choque por sua morte.
Elas dizem que ele era muito combativo e “denunciava licitações suspeitas, superfaturamento em compras em Secretarias [do município]. Ele fazia críticas à atual prefeitura, a alguns vereadores e até empresários”, disse ao Centro Knight Angelina Nunes, coordenadora do Programa Tim Lopes de Proteção a Jornalistas, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Nunes é parte da equipe da Abraji que chegou no dia 5 de julho à cidade de Bragança, no Estado do Pará, na região norte do Brasil, para iniciar a segunda investigação do Programa sobre o assassinato de um comunicador.
A investigação policial sobre o assassinato de Sousa também está em andamento, segundo Nunes, sob sigilo. “Os indícios são fortes e apontam a hipótese mais provável de sua morte uma consequência do seu trabalho na rádio”, acrescentou ela.
Sousa foi morto no dia 21 de junho com dois tiros nas costas enquanto chegava à Rádio Pérola FM, onde trabalhava.
Segundo a polícia local afirmou após o assassinato, Sousa foi baleado nas costas por um homem na garupa de uma moto conduzida por outro homem. O motivo e os responsáveis ainda não foram identificados.
Seus familiares disseram ao jornal Online Castanhal que o radialista recebeu ameaças por telefone antes de sua morte. Um colega do radialista disse ao Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) que Sousa, que reportava temas como corrupção, homicídio e tráfico de drogas, às vezes usava colete à prova de balas.
Este é o segundo caso do Programa Tim Lopes de Proteção a Jornalistas desde o lançamento da iniciativa em setembro de 2017 pela Abraji com o objetivo de investigar assassinatos, tentativas de assassinato e sequestros de profissionais da imprensa e dar continuidade às reportagens interrompidas pelos autores dos crimes.
“Estamos na fase de coleta de depoimentos e de material/documentos”, disse Nunes.
O assassinato de Jairo Sousa é o segundo caso a ser acompanhado pelo Programa Tim Lopes. O primeiro foi o assassinato do também radialista Jefferson Pureza, morto a tiros dentro de sua casa no dia 17 de janeiro em Edealina, no Estado de Goiás, região centro-oeste do Brasil.
Angelina Nunes e Rafael Oliveira, estagiário da Abraji, estiveram duas vezes em Edealina, município com 3.700 habitantes, para investigar a morte de Pureza. A primeira visita foi realizada em janeiro, duas semanas após o assassinato, e a segunda em abril, após a prisão e indiciamento do vereador José Eduardo Alves da Silva, do Partido da República (PR), e de outros dois homens e três adolescentes suspeitos no assassinato.
Alves da Silva afirmou ao ser preso que havia ordenado o assassinato de Pureza duas vezes, em janeiro e em dezembro de 2017, mas que nas duas ocasiões acabou desistindo do plano. Ele nega ser o mandante do crime perpetrado em janeiro de 2018.
“Nossa missão era chegar ao local e fazer o levantamento de documentos, fontes, imagens, o máximo possível, e fazer uma apuração prévia para identificar se realmente aquela morte tinha ligação com o trabalho dele”, explicou Nunes.
“Fomos entrevistando as pessoas e percebemos que na cidade havia o que no Rio de Janeiro a gente chama de ‘lei do silêncio’. Todo mundo sabe o que aconteceu, quem matou, quem mandou matar, mas ninguém quer falar, ninguém quer se expor, por razões óbvias”, afirmou.
O pano de fundo do assassinato de Pureza, segundo ela, era uma briga entre grupos políticos na cidade. O radialista pertencia a um grupo que se opunha àquele do vereador Alves da Silva e do ex-prefeito João Batista “Boiadeiro”, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Entre as denúncias relativas à administração pública que o profissional fazia em seu programa de rádio, duas eram objeto de inquérito no Ministério Público local e envolviam o ex-prefeito, disse Nunes. As fontes dela forneceram quase 500 páginas de documentos referentes às denúncias feitas por Pureza.
Na segunda visita, a equipe da Abraji teve acesso a outras 400 páginas do inquérito policial. De acordo com Nunes, o inquérito apontou motivação política e “passional” para o assassinato, devido a um suposto relacionamento de Pureza com uma ex-esposa do vereador Alves da Silva, indiciado como mandante do crime.
Nunes afirma, porém, que os indícios que colheu em sua investigação apontam que o radialista foi morto por seu exercício profissional. Ela lembra que um ano antes de seu assassinato Pureza relatou ter recebido ameaças de morte e apontou para o vereador e o ex-prefeito, e que ao longo de 2017 a sede da rádio Beira Rio FM, que transmitia o programa de Pureza, sofreu dois incêndios.
“No último [incêndio], eles perderam os transmissores, então ele fez transmissões pelo Facebook. Eles já estavam recebendo os equipamentos novos e [Pureza] avisava para todo mundo ‘olha, vamos voltar com tudo’, ‘ninguém vai me calar’. As pessoas sabiam que ele estava prestes a voltar com a rádio, já estava tudo acertado para ele voltar no fim de janeiro. Ele foi morto no dia 17. Foi uma morte anunciada”, disse a coordenadora do Programa Tim Lopes.
O julgamento dos suspeitos indiciados está previsto para os próximos meses, e a equipe da Abraji segue acompanhando o caso.
Além da investigação de assassinatos de comunicadores, o Programa Tim Lopes prevê a formação de equipes de profissionais de vários meios jornalísticos para apurar denúncias feitas pelos comunicadores antes de morrer. A ideia é que estes profissionais –repórteres, fotógrafos, cinegrafistas– sejam enviados para as cidades dos comunicadores assassinados para produzir reportagens e dar ainda mais divulgação às irregularidades que eles haviam denunciado.
A inspiração é o Projeto Arizona, da organização americana Investigative Reporters and Editors (IRE). Em resposta à explosão de um carro bomba em 1976 que matou o repórter Don Bolles em Phoenix, no Estado do Arizona, os colegas do jornalista viajaram para a cidade para terminar seu trabalho de investigação.
Até o momento, cinco meios fecharam a parceria com o Programa Tim Lopes: Veja, Poder 360, Agência Pública, Ponte e Projeto Colabora. A equipe do Programa está em contato com outros veículos e espera fechar novas parcerias em breve.
“O grande problema é sensibilizar os veículos para que abracem essa causa”, disse Nunes. “É uma causa maior. A gente está falando do exercício da profissão, de liberdade de expressão e de informação. Não se trata do furo, da notícia que você tem que publicar correndo. São investigações que demoram meses”, explicou.
Por essa razão, o Programa Tim Lopes prevê que o “empréstimo” de profissionais dos meios em que trabalham não deve passar de duas semanas, para não atrapalhar a rotina de sua redação de origem. Nesse período, o Programa vai cobrir todas as despesas da atuação do jornalista, bem como garantir seguro de vida e seguro saúde.
O material apurado pelos repórteres será editado pelo Programa Tim Lopes e, uma vez pronto, será publicado no site da iniciativa e disponibilizado para publicação livre em qualquer meio.
“A boa notícia é que os donos dos veículos, editores, diretores, estão começando a ser sensibilizados para isso. Sabemos que é um projeto pioneiro, que precisa amadurecer, mas não podemos esperar que ele fique maduro para colocá-lo na rua. Já estamos correndo atrás e fazendo esse trabalho”, disse Nunes.