Um novo projeto de lei sobre a liberdade de expressão na República Dominicana divide jornalistas e juristas.
Alguns setores da sociedade dominicana defendem que a proposta é necessária para regulamentar o papel das plataformas digitais na disseminação de conteúdo. Outros argumentam que o texto busca restringir a liberdade de expressão por meio de mecanismos de censura.
A nova lei substituiria a atual Lei 6.132 de 1962, sobre a expressão e difusão do pensamento, que, segundo os autores do projeto, está defasada social e tecnologicamente e precisa ser reformulada.
Um dos principais pontos de discórdia é a proposta de criação do Instituto Nacional de Comunicação (Inacom), que teoricamente seria responsável por proteger e promover o direito à liberdade de expressão. Críticos afirmam que o órgão poderia atuar como instrumento de censura.
“O conteúdo foi acordado por todos os setores que participaram da sua elaboração”, disse o presidente da República Dominicana, Luis Abinader, em referência ao projeto de Lei Orgânica de Liberdade de Expressão e Audiovisual apresentado ao Senado em abril de 2025. “Agora é preciso alcançar esse consenso no Congresso, e todos os setores que tenham preocupações ou objeções devem se apresentar para serem ouvidos”.
Enquanto uma comissão especial no Senado discute a proposta, a LatAm Journalism Review (LJR) ouviu jornalistas, advogados e defensores da liberdade de imprensa sobre suas objeções ao projeto ou razões para apoiá-lo.
O projeto de lei tem o apoio da Sociedade Dominicana de Diários (SDD). Em nota, a entidade afirmou que a proposta “é fruto de um amplo processo de escuta, análise técnica e consulta com diversos setores da sociedade civil, academia, juristas especializados, jornalistas e representantes da mídia”.
A Fundação Institucionalidade e Justiça (Finjus) também declarou apoio, afirmando que “o projeto de lei aborda especificamente o papel das plataformas digitais na difusão de conteúdo, reconhecendo sua crescente influência na formação da opinião pública e no exercício do direito à liberdade de expressão”.
A proposta determina que as plataformas digitais que moderam conteúdo devem agir de acordo com os direitos humanos e garantir a liberdade de expressão, sendo transparentes quanto às suas regras, algoritmos e decisões.
Elas devem informar os usuários, em espanhol, sobre as restrições, permitir recursos e assegurar o direito de defesa. A desindexação de conteúdo — ou seja, a remoção de um site dos resultados dos mecanismos de busca — só poderá ser feita por ordem judicial e mediante comprovação de dano real à privacidade, sem afetar o interesse público.
Representantes da Participação Cidadã, um movimento cívico apartidário, e do capítulo dominicano da Transparência Internacional reuniram-se com a comissão encarregada de analisar o projeto e expressaram seu apoio.
“Concordamos com o projeto porque, por exemplo, ele reconhece o acesso à internet como um direito fundamental e obriga o Estado a criar condições para garanti-lo”, disse Francisco Álvarez, coordenador da Comissão de Análise Política da Participação Cidadã, à LJR.
“Também proíbe a censura indireta, como o uso de recursos estatais para sancionar ou recompensar comunicadores e jornalistas — algo que ocorre com frequência, por exemplo, com a publicidade estatal”, acrescentou.
Outro aspecto positivo, segundo a Participação Cidadã, é que o projeto estabelece o princípio da tolerância crítica, que exige maior escrutínio social de políticos, agentes públicos, candidatos e qualquer pessoa com forte presença nas redes sociais.
“Foi dito que esse projeto de lei visa impor uma ordem de silêncio, o que não é verdade, e ele não contém nenhuma penalidade criminal. Difamação e calúnia continuam a ser crimes previstos em outras leis”, afirmou Álvarez.
Ainda assim, ele acredita que há pontos a serem aprimorados.
Representantes da Participação Cidadã, um movimento cívico apartidário e o capítulo dominicano da Transparência Internacional, reuniram-se com a comissão responsável por analisar o projeto de lei e expressaram seu apoio. (Foto: senadord.gob.do)
“Por exemplo, o Artigo 9º dá à imprensa o direito de preservar informações ‘verdadeiras’, o que é perigoso, porque o que é verdadeiro para uns pode não ser para outros”, observou.
“Essa questão merece mais atenção, pois se conecta com a desindexação, tratada no Artigo 23, que poderia obrigar veículos de comunicação a apagar informações — o que é muito perigoso”, concluiu.
No dia 13 de maio, dezenas de pessoas — entre elas jornalistas — marcharam pelas ruas de Santo Domingo contra o projeto. Uma delas foi a jornalista Rosalba Escalante, da ACD Media, que semanas antes havia feito uma cobertura sobre a proposta e sofreu agressões de membros da equipe de segurança da vice-presidente Raquel Peña.
“Profissionais de vários meios foram alvo de agressões verbais e até físicas por parte de agentes de segurança. Isso motivou a marcha”, disse Escalante à LJR. “Além disso, expressamos nossa discordância com essa nova lei porque já existe uma legislação que regula a liberdade de expressão. O que precisamos é atualizá-la, especialmente no que diz respeito às redes sociais.”
A Ordem dos Advogados da República Dominicana também apresentou, em 7 de maio, uma análise crítica da proposta ao Senado.
Segundo a entidade, o projeto utiliza termos como “violência excessiva” ou “conteúdo ofensivo à dignidade” sem definições claras, abrindo espaço para interpretações arbitrárias.
O termo “violência excessiva” aparece na seção que trata da proteção dos direitos de crianças e adolescentes. De acordo com o texto, o objetivo é prevenir violências que afetem o bem-estar social e emocional desse grupo, bem como promover seu desenvolvimento físico, moral, psicológico e intelectual.
Além disso, a Ordem dos Advogados da República Dominicana manifestou preocupação com a criação de órgãos reguladores como o Inacom, que, segundo a entidade, teria poder para “regular, supervisionar, sancionar e até suspender transmissões de mídia — o que poderia se tornar uma forma de censura indireta, disfarçada de regulação administrativa”.
Segundo o projeto, o INacom seria um órgão estatal autônomo vinculado ao Ministério da Cultura, com a função de regular e supervisionar os serviços de comunicação audiovisual, plataformas digitais, cinema e espetáculos públicos, garantindo o cumprimento da lei e o respeito aos direitos dos usuários, crianças, adolescentes, pessoas com deficiência e mulheres. Também caberia ao órgão formular políticas para promover o pluralismo, a produção nacional e o uso adequado da língua e dos símbolos nacionais.
A liberdade de expressão e de informação é um direito fundamental consagrado no Artigo 49 da Constituição Dominicana, que garante a toda pessoa o direito de expressar livremente seus pensamentos, ideias e opiniões, por qualquer meio, sem censura prévia.
Apesar disso, representantes do governo têm feito várias tentativas nos últimos anos para regulamentar a liberdade de expressão e o acesso à informação.
No início de 2024, foi apresentado um projeto de lei que criava a Diretoria Nacional de Inteligência. Seu Artigo 11 previa que qualquer pessoa poderia ser obrigada a fornecer informações consideradas necessárias à segurança nacional. A proposta foi amplamente rejeitada por veículos e jornalistas por representar uma ameaça ao sigilo profissional. O projeto acabou sendo arquivado.
Outro exemplo foi o projeto apresentado em 2022 pela deputada governista Melania Salvador. A imprensa o apelidou de “Lei da Mordaça”, pois buscava regulamentar a proteção dos direitos à privacidade, honra, boa reputação e imagem. A Ordem dos Advogados se posicionou contra a proposta por considerá-la uma ameaça à liberdade de imprensa. O projeto não avançou.
Nesse mesmo ano, outro projeto buscava criminalizar o discurso de ódio. Apresentado pelo senador Rafael Barón Duluc, da província de La Altagracia, o texto foi retirado por não alcançar o consenso político e social necessário.