Quase 80% dos meios locais digitais e regionais no México estão trabalhando para ou planejam, em até três anos, incorporar um modelo de receita vinda de leitores, isto é, um sistema de paywall, assinaturas, contribuições ou programas de membros.
O dado é da pesquisa “O despertar de um gigante adormecido? As mudanças profundas no horizonte do ecossistema de meios locais e regionais no México”, realizada pela Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias (WAN-IFRA) e a universidade Tecnológico de Monterrey, com apoio do Facebook Journalism Project. O relatório, que pode ser baixado do site oficial, será apresentado em um webinar em 5 de agosto.
A pesquisa foi feita em março de 2021 com 51 meios de comunicação em 27 dos 32 estados mexicanos. Dentre os veículos, 32 são meios regionais líderes de influência em sua cidade ou estado e com versão impressa, e os 19 restantes são meios digitais locais ou especializados.
De acordo com a pesquisa, poucos veículos no México trabalham atualmente com fontes de receita vindas dos leitores.
"Os meios pesquisados parecem não seguir a tendência global da indústria da informação. Enquanto cada vez mais veículos no mundo adotam algum tipo de receita por leitor (paywall, programa de membros, assinatura), a pesquisa revelou que 91% dos meios regionais e 79% dos meios digitais não possuem nenhum modelo desse tipo", diz o relatório.
Ao mesmo tempo, a dependência da publicidade é enorme: ela corresponde a 76% das receitas nos meios digitais e 70% nos regionais. Taxa que é de apenas 16% e 28%, respectivamente, para pagamentos vindos de leitores.
Apesar de fazer esse retrato sobre o presente, uma das principais descobertas da pesquisa é mostrar, justamente, que esse cenário está em rápida alteração. De acordo com o estudo, 85% dos entrevistados apontou que era muito ou totalmente necessário que o seu veículo mudasse o modelo de negócios nos próximos três anos – a taxa foi de 93% para os meios regionais e de 74% para os digitais.
"Esse dado é muito revelador vindo de uma indústria que se baseia no mesmo modelo tradicional de circulação e publicidade há décadas. [...] Vemos que os meios de comunicação estão conscientes de que é necessária uma grande mudança no seu modelo de negócio", afirmou o diretor da WAN-IFRA Américas, Rodrigo Bonilla, responsável pelo projeto, à LatAm Journalism Review (LJR).
Além disso, o relatório aponta que essa transformação, claramente, será no sentido de incentivar aportes financeiros por parte dos leitores. Dos meios locais digitais pesquisados, 42% já estão trabalhando em um modelo desse tipo e 37% planejam incorporar a receita por leitores em até três anos. Nos meios regionais, a taxa é similar: 38% estão no processo de elaboração de um modelo de paywall ou contribuição dos leitores e 40% pretendem fazê-lo em até três anos.
"Uma das características que essa mudança terá será um giro para um modelo de conteúdo pago, assinatura, programa de membros ou contribuições. O México apresenta uma certa defasagem nesse quesito em relação aos seus colegas do Brasil, Argentina ou Colômbia. Mas que cerca de 80% já estejam trabalhando nesse tipo de modelo ou planejam fazê-lo nos próximos 3 anos é extremamente interessante", diz Bonilla.
Para ele, essa transformação já ocorre em toda a indústria no nível global e permite que os veículos adicionem uma nova fonte de receita.
"As outras fontes de receita são voláteis. A publicidade programática está vinculada a altos níveis de audiência e tráfego. Esses níveis tendem a depender de algoritmos que mudam inesperadamente e sobre os quais você não tem controle", afirma ele. "O modelo de conteúdo pago é baseado na relação com um leitor, um usuário digital. Nessa relação, o meio tem muito mais controle, não tem intermediários. O desafio, porém, é conhecer esse leitor, compreendê-lo e oferecer-lhe um produto de valor".
O giro para esse novo modelo, entretanto, é desafiador. Porque é preciso atrair leitores pagos, com um paywall, por exemplo, mas sem perder audiência, para não ver despencar os recursos de publicidade.
"Se trata de monetizar o público mais fiel, mais viciado em nosso conteúdo. O resto do público, que visita o site mais pontualmente, não deve ser afetado por um paywall. É um equilíbrio que você tem que saber calibrar e que requer ferramentas e conhecimentos", explica Bonilla.
Para o diretor nacional do Programa de Jornalismo de Tecnológico de Monterrey, Alejandro Martín del Campo, não há uma fórmula geral para todos os veículos, e a transição para um modelo pago precisa ser gradual e por diferentes caminhos.
"Talvez começar com um paywall poroso que permita o consumo de um determinado número de conteúdos através de um registro, antes de chegar a um muro rígido, possa ser um primeiro passo", afirmou ele à LJR. "Além disso, apostar no melhor jornalismo parece funcionar, como tem demonstrado a imprensa internacional que reforçou suas redações quando viviam tempos complexos. Os efeitos expansivos da transformação digital chegarão a todos os veículos mais cedo ou mais tarde".
A proposta de oferecer notícias de forma gratuita na internet, garante Del Campo, se esgotou, uma tendência reforçada pelos resultados da pesquisa.
"A informação que atende a comunidade, aumenta sua qualidade de vida e é consumida digitalmente, possui custos de produção que não podem ser ocultados ou rateados em outros formatos ou serviços", disse.
Dentre as descobertas do levantamento, Del Campo aponta a conclusão de que a indústria segue viva, porque, nos últimos anos, foram criados mais de dez empreendimentos de jornalismo digital, e o meio regional mais recente tem apenas 13 anos. De acordo com ele, o que está em mudança é o modelo de negócio e, para isso, alguns veículos têm o privilégio de poder se adaptar lentamente, enquanto outros têm urgência.
"A pandemia não apenas acelerou a transformação digital, mas também virou a ampulheta para a indústria. Algumas empresas têm o tempo do Saara para se adaptar, outras o deserto de Sonora e algumas têm apenas a caixa de areia de seu pátio diante da mudança iminente do modelo de negócios", afirma.
Durante décadas, esse modelo tradicional permitiu que a imprensa fosse rentável, explica Del Campo, mas a internet, um novo estilo de vida e os dispositivos móveis transformaram radicalmente o espaço para anunciantes e a forma de consumo das notícias.
"Esse novo estilo de vida está obrigando a indústria jornalística a modificar certos comportamentos, mudar alguns hábitos, mas acima de tudo a adotar a tecnologia e os dados como um modo de vida saudável", diz.
Del Campo inclui nessa transformação a necessidade de oferecer novas narrativas e formatos para atender à demanda dos novos leitores. Para isso, as redações precisam ser ágeis nas adaptações, investir em infraestrutura e capacitação e devem, em suma, ser resilientes.
Apesar de essencial para atravessar esse período de transição, o uso de dados ainda é muito limitado nas redações mexicanas pesquisadas. Para Bonilla, há uma percepção, entre jornalistas, de que conhecem bem o seu público, o que não corresponde à realidade.
"43% dos meios de comunicação não têm uma equipe dedicada a análise de audiência ou inteligência de dados. Quando perguntamos sobre a familiaridade que eles têm com várias ferramentas digitais gratuitas disponíveis no mercado (CrowdTangle, Facebook Business Manager, Google Analytics, Google Ad Manager, e outras), nos surpreende que haja entre 20-40%, em média, que as conhecem pouco ou nada. Para conseguir criar um modelo de assinaturas, é fundamental conhecer as suas audiências", diz Bonilla.
Del Campo também destaca esse dado como revelador, num contexto em que "todos os dias escutamos sobre a importância dos dados para tomar as melhores decisões em qualquer indústria".
Ele reforça que a falta de conhecimento sobre ferramentas digitais se verifica ainda que as redações sejam majoritariamente formadas por jovens.
"Embora os jovens estejam nas redações (75% da equipe dos meios digitais tem menos de 40 anos e 58% tem menos de 40 anos nas regionais), é necessário fortalecer o perfil dos jornalistas para que tenham novas e maiores capacidades digitais que a indústria precisa".
Ao mesmo tempo, tal esforço precisa vir acompanhado de investimentos em salários competitivos, porque, de acordo com Bonilla, atrair e reter talentos é um grande desafio.
"Será necessário priorizar recursos e encontrar uma forma de treinar ou atrair os melhores talentos", diz.