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Quem tem razão? Em disputa por mercado nacional, os dois principais jornais brasileiros se proclamam ‘os mais lidos’

Em 22 de abril, uma reportagem do jornal carioca O Globo dizia: “Não há dúvida: O GLOBO é o jornal mais lido do Brasil.” No dia seguinte, porém, a paulistana Folha de S.Paulo rebateu: “Dados de audiência do 1º trimestre reafirmam liderança da Folha”. Além da publicação das reportagens, os dois veículos têm investido em campanhas publicitárias que os colocam como líderes entre os jornais brasileiros. Mas quem tem razão?

Os dois jornais fazem comparações diferentes, usando critérios distintos. O Globo usa como métrica principal o número de visitantes únicos nas suas plataformas digitais no mês de março de 2021, medido pela Comscore: 29,8 milhões contra 23,2 milhões da Folha. O Globo dá destaque também para o número de páginas visitadas em março: 195,2 milhões contra 192,2 milhões da Folha, também de acordo com a Comscore.

Quem tem razão? O Globo diz que é o jornal mais lido do Brasil e lançou uma campanha que posiciona a publicação como ‘um jornal nacional

Quem tem razão? O Globo diz que é o jornal mais lido do Brasil e lançou uma campanha que posiciona a publicação como ‘um jornal nacional

 

 

Já a Folha apresenta a média mensal de janeiro a março medida pela mesma empresa. E divulga ter, por esse critério, 207,5 milhões de páginas vistas, contra 170 milhões do Globo. O jornal afirma também ter atingido 238 milhões de páginas vistas só no mês de março, ou seja, diferente dos 192 milhões que O Globo lhe atribui.

Em resposta, a Folha fez uma reportagem e também lançou uma campanha para reafirmar que na verdade ela é lider do mercado de jornais no Brasil

Em resposta, a Folha fez uma reportagem e também lançou uma campanha para reafirmar que na verdade ela é lider do mercado de jornais no Brasil

 

 

Segundo O Globo, “A Folha soma a essa métrica a audiência da revista Piauí, hospedada em seu site, mas que não pertence ao Grupo Folha. Nos dados que são divulgados pelo diário, também são contabilizados os números do jornal ‘Agora São Paulo’, marca popular do grupo paulistano. Com os dados dessas diferentes marcas somadas às da Folha, o jornal contabiliza 237,7 milhões de pageviews.”

“Todos os citados são conteúdos abrigados no site da Folha, assim como dezenas de blogs e colunas. Neste mês, O Globo anunciou que passará a abrigar a audiência da revista Época em seu site. Está dentro das regras do mercado, não há nada anormal,” disse à LatAm Journalism Review (LJR) o diretor de redação da Folha, Sérgio Dávila.

A Folha também destaca o tempo gasto pelos leitores nas suas plataformas, com 283 milhões de minutos na média mensal entre janeiro e março, segundo a Comscore. O Globo aparece com 192 milhões.

Outro indicador divulgado pela Folha é a audiência paga, ou seja, assinaturas e venda de exemplares avulsos. Segundo dados do Instituto Verificador de Comunicação (IVC), a Folha vendeu 352.459 exemplares diários pagos, contra 348.461 do Globo. Os números do IVC somam a circulação das edições tanto impressas quanto digitais.

Marcelo Rech, da ANJ: ‘a audiência passa a valer quando ela é convertida em assinaturas’

Marcelo Rech, da ANJ: ‘a audiência passa a valer quando ela é convertida em assinaturas’. Foto: Pedro França/Agência Senado

“É extremamente positiva essa busca pelo espaço nacional. (...) É um sinal de vitória. O espaço nacional com 200 milhões de habitantes é um mercado interessante, pelo ponto de vista da audiência, mas é uma espécie de renascimento da valorização da informação profissional, como elemento central no mercado da comunicação,” disse à LJR o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech.

A ANJ, como entidade que representa os jornais, não entra no mérito da discussão, mas Rech reconhece que estabelecer uma métrica única, ou conjunto de métricas com que todos estejam satisfeitos, é uma tarefa difícil.

“No caso do jornal, há três grandes plataformas que são o impresso, o computador e o celular, falando de forma bem grosseira. Como é que eu calculo a métrica comum desses três? Nós já tentamos na ANJ fazer uma medição, não é fácil, nem sem controvérsia. Do ponto de vista pessoal, pela experiência que eu tenho, é que a audiência não é só quantidade, ela é qualidade,” disse Rech.

A pesquisadora Lívia de Souza Vieira, professora da faculdade de comunicação da Universidade Federal da Bahia, estuda o uso de métricas digitais por veículos jornalísticos, e chama a atual disputa entre Folha e Globo como resultado do que a academia classifica como “confusão online”.

“A internet inaugurou uma nova forma de se medir audiência no jornalismo. Porque se tinha sempre uma medição por amostragem. Os jornais impressos ligavam para os assinantes. Tinha a venda de exemplares, mas não dava para saber quantas pessoas leram. Hoje, isso é muito mais sofisticado e específico,” disse Vieira à LJR.

A pesquisadora mergulhou no assunto na sua tese de doutorado, “Métricas editoriais no jornalismo online: ética e cultura profissional na relação com audiências ativas”, na qual investiga as mudanças ocorridas nas redações a partir da possibilidade de medir de forma precisa cada aspecto da interação do leitor com a publicação no ambiente digital.

Lívia Vieira (UFBA): assinantes são leitores mais comprometidos e fiéis ao veículo

Lívia Vieira (UFBA): assinantes são leitores mais comprometidos e fiéis ao veículo

“Dependendo da empresa que você usa para medir esses dados, você pode ter números diferentes. E como eles estão muito pertos um do outro, aumenta ainda mais a confusão online. As métricas quantitativas são importantes na disputa de posicionamento no mercado, mas se olhar para o consumo do leitor, não é tão importante,” disse Vieira. “O que é mais relevante, ser mais lido ou ter mais assinantes?”

A resposta, segundo os especialistas ouvidos pela LJR, depende do veículo, da sua área de cobertura, do público-alvo e da sua estratégia de monetização. Em geral, segundo Vieira, veículos menores e de menos prestígio são mais dependentes do clique para vender publicidade. Já os veículos maiores, de acordo com ela, entenderam que o clique não garante leitura, compartilhamento ou engajamento.

“Para falarmos qual o maior veículo do Brasil, uma métrica mais confiável é a de assinantes. Ela me diz que tem leitores que pagam pelo jornalismo. São leitores comprometidos, que decidem pagar, são fiéis, e não leitores acidentais,” avalia Vieira, ressaltando que não há consenso sobre o assunto.

Numa avaliação similar, Rech, que trabalhou mais de 30 anos no Grupo RBS e hoje atua como consultor, afirma que além da quantidade, a qualidade da audiência tem um peso grande para os jornais como negócio e isso se refere à capacidade da audiência de comprar assinaturas ou atrair publicidade.

“A audiência por si só não é nada do ponto de vista econômico. A audiência passa a valer quando ela é convertida em assinaturas. A audiência precisa ser convertida e isso se mede pela qualidade, pela capacidade de conversão de assinaturas ou publicidade,” avalia Rech. “Claro que numa audiência ampla, você tem mais possibilidade de conversão.”

Jornais nacionais e a cobertura local

Em meio à disputa de Folha e O Globo, o pesquisador Rogério Christofoletti, responsável pelo Observatório da Ética Jornalística (Objethos) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), lembra que o posicionamento dos jornais como veículos nacionais não reflete necessariamente uma cobertura jornalística de abrangência nacional.

Rogério Christofoletti (UFSC): ‘estou curioso para ver como vão oferecer conteúdo nacional que justifique todo esse marketing

Rogério Christofoletti (UFSC): ‘estou curioso para ver como vão oferecer conteúdo nacional que justifique todo esse marketing

“Não basta chegar a todas as partes do país; um jornal nacional tem que trazer conteúdos de todos os estados, de todos os cantos. Nem Folha nem O Globo têm sucursais suficientes. Estou curioso para ver como vão oferecer conteúdo nacional que justifique todo esse marketing,” disse Christofoletti à LJR.

Folha e O Globo estão sediados em São Paulo e Rio de Janeiro, as duas maiores cidades do país, onde mantêm a principal parte das suas operações. Brasília também conta com equipes consideráveis por ser a capital federal e centro do poder político.

“O país está coalhado de desertos de notícias, e isso precisa ser enfrentado. Não basta apenas que O Globo e Folha queiram ser jornais nacionais. Se eles não oferecerem conteúdos com essa abrangência, o leitor não vai se convencer de que são mesmo nacionais,” afirmou Christofoletti “Se o leitor da Paraíba, por exemplo, não se vir naquele noticiário, por que iria se manter como assinante? Este é um desafio para quem quer ser nacional.”

Nota do Editor: a LJR fez contato com a Editora Globo, que publica o jornal O Globo, e pediu uma entrevista com um representante, mas a empresa preferiu não comentar.

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