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Rádios comunitárias da América Latina são discriminadas pela lei e seus defensores são sancionados penalmente

Ainda que as rádios comunitárias latino-americanas tenham recebido maior reconhecimento em seus países desde os meados da década de 2000, elas permanecem limitadas e discriminadas na prática e na lei.

Este foi o argumento apresentado por representantes da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc) e pelo Observatório Latino-Americano de Regulamentação, Meios e Convergência durante o 162º período de audiências públicas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em Buenos Aires, Argentina, entre os dias 22 e 25 de maio.

"Dos treze países estudados na América Latina, apenas quatro deles (Argentina, Uruguai, Bolívia e Colômbia) têm um regulamento que está de acordo com os padrões interamericanos desenvolvidos pela Relatoria (Especial para a Liberdade de Expressão) e pela CIDH. Então os outros nove países reconhecem a mídia comunitária, mas com regras discriminatórias de maior ou menor intensidade", disse Javier García, um representante do Observacom.

Na audiência sobre liberdade de expressão e rádio comunitária na América Latina, estas organizações internacionais sublinharam que as leis de serviços de comunicação do Uruguai (2007) e da Argentina (2009) procuraram dar um tratamento mais igualitário às estações de rádio comunitárias em comparação com as estações de rádio comercial.

O vice-presidente internacional da Amarc, Damián Loreti, disse que o Uruguai e a Argentina basearam sua legislação sobre rádios comunitárias nas leis de telecomunicações do Canadá e da França. No entanto, no caso do Uruguai, existem na prática limitações de antenas e energia elétrica, o que significa que as estações de rádio comunitárias estão destinadas a ser pobres, poucas e pequenas, acrescentou Loreti.

Enquanto isso, na Guatemala, no Chile, no Brasil e no Peru, as comunidades que operam suas estações de rádio e, em seguida, tramitam sua regulamentação com o governo, são sancionadas criminalmente. No Peru e na Guatemala, os defensores destas rádios são punidos com o crime de "roubo agravado" ou "roubo de freqüência", que o representante da Amarc explicou não ter relação com a radiodifusão. Legalmente, "você não pode roubar uma freqüência porque o roubo é de energia ou de calor, e uma freqüência de rádio não adere a nenhuma das situações. Isto foi explicado várias vezes pela UIT (União Internacional das Telecomunicações, das Nações Unidas)," explicou Loreti.

García, da Observacom, disse que apenas o reconhecimento legal da transmissão de rádios comunitárias não é suficiente. As regras de reconhecimento desses meios contêm condições discriminatórias que impedem seu desenvolvimento, explicou. Ele acrescentou que as restrições ao exercício da liberdade de expressão continuam.

Vários países da América Central continuam a negar o direito às comunidades indígenas e aos povos indígenas de ter seus próprios meios de comunicação. Este é o caso na Guatemala, disse García.

Argentina e Uruguai são os países com as melhores práticas regulatórias, enquanto o Chile, o Brasil e o Paraguai possuem regulações discriminatórias que não atendem às normas interamericanas. "De nossa experiência de análise na região e nos relatórios da Relatoria, pode ser que haja um reconhecimento formal mas muito limitado", disse García.

Outra dificuldade enfrentada pelas estações de rádio comunitárias, de acordo com Loreti, é sua definição, em muitos casos, como rádios rurais. "As estações de rádio devem ser reconhecidas com uma comunidade de interesses que não se limite a uma localização geográfica específica. Isso está acontecendo no Peru e no Paraguai, onde a definição de 'comunidade' exige inequivocamente que sejam rádios rurais ou remotas", explicou Loreti. Um dos exemplos citados pelo pesquisador foi o do Brasil, cuja legislação permite apenas rádios comunitárias de um quilômetro de cobertura no espectro radioelétrico.

No caso do Paraguai, as rádios comunitárias nem sequer têm acesso à publicidade estatal ou a patrocínios, devido a essa mesma restrição geográfica. A publicidade só é possível em estações de rádio comunitárias se os patrocinadores estiverem na área de cobertura da estação. Isso significa que eles devem estar localizados geograficamente dentro da área que abarca o espectro rádioelétrico do meio, que pode ser de 1 ou 5 quilômetros quadrados, no total, disse Loreti.

"Isso viola o padrão estabelecido pela Relatoria, que a publicidade não é apenas uma questão de mercado. As rádios comunitárias nesse sentido são discriminadas e literalmente excluídas do acesso à publicidade oficial", disse Loreti.

A limitação econômica do acesso às frequências continua a existir, isto é, os concursos públicos para concessão de freqüências ainda não são diferenciados. As rádios comunitárias competem no mesmo nível das estações de rádio comerciais, disse o representante da Amarc.

No caso do Peru, as concessões estão especificamente ligadas à oferta econômica. E também no Brasil, no caso de interferência de sinal, a rádio comercial é favorecida sobre a comunitária, o que vai contra o princípio da igualdade de oportunidades, acrescentou Loreti.

A concentração de mídia está aumentando na região, e o estrangulamento dos meios comunitários também está crescendo, concordaram a Amarc e o Observacom.

"Esta brecha não acaba com a internet. O uso da internet é pago, e seu conteúdo pode ser controlado, mas a radiodifusão é aberta, ainda mantém o anonimato do receptor e é grátis, e esses são os princípios que queremos continuar a manter", afirmou Loreti.

Tanto a Amarc quanto o Observacom pediram à Relatoria Especial e à CIDH que continuem exigindo que os países latino-americanos adaptem seus quadros legislativos e administrativos e suas políticas públicas aos padrões e princípios sobre liberdade de expressão e radiodifusão, que são expressamente reconhecidos no âmbito interamericano.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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