O jornalista da Rede Record Leandro Stoliar, detido na Venezuela quando fazia reportagens sobre denúncias de corrupção, disse que foi tratado "como um prisioneiro, um criminoso" durante as 30 horas de detenção. Stoliar disse que a imprensa não é livre para trabalhar no país, onde a "informação é um crime".
"O governante precisa entender que o trabalho da imprensa é importante para todos, inclusive para ele. O que acontece na Venezuela é uma ditadura militar. O governo não quer ninguém falando mal do regime, que mantém o povo na pobreza e enriquece os políticos. Por isso a informação é um crime", disse ele, em entrevista ao Centro Knight.
Stoliar foi preso em 11 de fevereiro junto com o seu colega, o repórter cinematográfico Gilson Souza, nos arredores da ponte Nigale sobre o Lago Maracaibo, no noroeste do país. Os dois gravavam uma reportagem quando foram abordados por agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin), segundo Stoliar.
Eles foram detidos junto com os venezuelanos José Urbina e María José Túa, coordenadores do capítulo de Maracaibo da ONG Transparência Venezuela. Após negociações diplomáticas, os repórteres foram liberados e chegaram ao Brasil em 13 de fevereiro. A dupla estava no país para fazer uma reportagem sobre desvios de verba e obras superfaturadas de empreiteiras brasileiras no exterior, como a Odebrecht.
De acordo com Stoliar, o carro dos jornalistas foi fechado por agentes na saída do lago. "Achamos que era um assalto porque estavam armados e à paisana. Eles se identificaram e nos conduziram até a sede do Sebin. Não deram explicações", afirmou. Os jornalistas seguiram, escoltados, em seu próprio carro.
Stoliar conta que enviou uma mensagem por WhatsApp ao Brasil assim que foram abordados pelos agentes. Em seguida, os jornalistas tiveram câmera, computador e celulares confiscados. Os repórteres passaram mais de 30 horas detidos.
"Ficamos em uma sala fechada, com poltronas e um banheiro sem água", afirmou Stoliar. O jornalista disse que não foi agredido fisicamente, mas que ficou sob vigilância constante, até mesmo enquanto usava o banheiro. "Me senti como um prisioneiro, um criminoso", lembra. Da sede da Sebin, de noite, os repórteres foram levados até um hotel. Durante todo esse período eles não puderam realizar ligações telefônicas.
"Os policiais queriam entrar nos quartos com a gente. Então passamos a noite no lobby acordados", disse Stoliar.
Os jornalistas foram levados então para Caracas, em um avião bimotor com homens armados e de toucas ninja, de acordo com relato de Stoliar. Na capital, foram levados para outra sala de interrogatório do Sebin no aeroporto.
Stoliar afirma que, apesar das condições difíceis, o tratamento foi melhor em Maracaibo. Em Caracas, segundo ele, foram xingados e hostilizados. "Fomos chamados de terroristas da pátria. Temi [pela minha vida]. Eles ameaçavam nos manter presos pra sempre".
Apesar do material dos jornalistas ter sido confiscado, a matéria será exibida como parte de uma série de reportagens do Jornal da Record sobre obras paradas que foram financiadas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) em outros países.
De acordo com Stoliar, ambos viajaram de avião e se identificaram como jornalistas quando entraram na Venezuela. O repórter afirma que nunca tinha ido ao país a trabalho e que, se quiser voltar, precisa avisar ao consulado da Venezuela no Brasil.
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil afirmou, por meio de nota, que atuou para a liberação dos jornalistas. "Desde que foi informado [...] da detenção dos repórteres, o governo brasileiro, por instrução do próprio Presidente Michel Temer, atuou junto às autoridades venezuelanas no sentido de que fossem prontamente libertados".
Várias organizações condenaram a prisão dos repórteres, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). "A Abraji considera absurda a detenção dos jornalistas durante a produção de uma reportagem, um atentado à liberdade de expressão e de imprensa. [...] A Abraji espera, ainda, que o governo brasileiro cobre explicações da Venezuela", disse a organização, por meio de nota.
Outras organizações, como o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) disse ao “governo do Presidente [Nicólas] Maduro para colocar um fim à prática sistemática de obstrução da cobertura de notícias e para parar de interferir no trabalho da imprensa".
Além da detenção de Stoliar e Souza, a organização mencionou que Maduro pediu, em uma manifestação, a saída da CNN em Espanhol do país. Em 15 de fevereiro, a CNN foi expulsa da Venezuela pela Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel).
Stoliar e Souza não são os primeiros jornalistas da imprensa internacional a serem detidos no último ano. Correspondentes estrangeiros foram impedidos duas vezes de entrar na Venezuela antes de grandes protestos em outubro de 2016 e novamente em 23 de janeiro de 2017.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.