Entre duas cadeiras, dois jornalistas e um palco, uma cena toma forma.
No escuro, entre 400 e 500 pessoas ocupam seus respectivos lugares para conhecer um projeto de óleo de palma que deslocou o povo indígena Sikuani de seu território ancestral por mais de 16 anos.
Mas esta não é como as produções teatrais que normalmente são levadas ao palco. A base desta cena é uma investigação jornalística feita por Rutas del Conflicto, veículo especializado na cobertura do conflito armado, e Mongabay, especializado em cobertura ambiental.
"Cada vez que saímos de um espaço teatral, as pessoas têm olhares muito mais próximos do que se tem no território", disse Óscar Parra, diretor de Rutas del Conflicto, à LatAm Journalism Review (LJR).
Pilar Puentes speaks during the Rutas del Conflicto performance on displacement of the Sikuani Indigenous people. (Photo by Ricardo Quintero/Rutas del Conflicto)
A cenografia é composta por duas cadeiras de madeira, onde os jornalistas cumprem seu papel de envolver o público durante uma hora e meia em vez de alguns minutos – como normalmente acontece através dos meios online. Páginas e letras transformam-se em algo vivo e visual que cria uma conexão com o público, disse Parra.
"A diferença é a forma prática de entender uma investigação", disse Juan Carlos Contreras, fotojornalista de Rutas del Conflicto, à LJR . "Muitas vezes um texto é cansativo de ler, as pessoas não o entendem ou não o leem completamente. Aqui há interação com o público".
Durante o “stand-up”, como os jornalistas chamam essa produção teatral, é apresentada ao público uma série de fotografias, depoimentos dos indígenas e documentos. Dessa forma, a plateia consegue compreender a realidade dos Sikuani, disse Contreras.
The audience reads material during a Rutas del Conflicto theatrical performance about the so-called 'false positive' victims in Colombia. (Photo by Nicole Acuna/Rutas del Conflicto)
Quando um consumidor de notícias lê uma história online, o seu tempo é muito curto comparado ao que acontece no teatro. Para jornalistas investigativos, é difícil encontrar maneiras de aumentar o tempo de exposição dos olhos em textos publicados, disse Parra.
Ele disse que outra vantagem de subir no palco como jornalista é o tipo de pessoa que aparece na plateia. Em outra apresentação teatral de Rutas del Conflicto, os repórteres apresentaram uma investigação sobre o que é conhecido como “falsos positivos” do conflito armado colombiano: civis que foram falsamente acusados de serem membros de uma guerrilha e morreram nas mãos do exército. Parra disse que funcionários do Tribunal Constitucional eram parte da plateia nessas apresentações e que até interagiram com as informações mesmo depois do espetáculo.
Lucero Carmona (right), mother of a victim of the 'false positives' operations in Colombia, speaks alongside Oscar Parra (left) during a theatrical performance by Rutas del Conflicto. (Photo by Nicole Acuna/Rutas del Conflicto)
A pesquisa para a peça sobre o projeto de palma destaca uma região esquecida pelo Estado, valorizada pelos Sikuani e cobiçada pelos empresários. Devido ao conflito armado interno da Colômbia, muitos povos indígenas, não apenas os Sikuani, não têm outra escolha senão migrar. Na produção teatral, esses interesses no uso dessas terras ancestrais são retratados em personagens obscuros com ligações ao narcotráfico, assumindo o controle do sistema jurídico para invadir e explorar o território para o negócio da palma, explicou María Isabel Torres, editora de programas da Mongabay Latam, à LJR.
"É importante mostrar a história com as reivindicações que a comunidade Sikuani faz", disse Parra. "Também será mais potencializada (a mudança) se tivermos pessoas no público que possam tomar decisões."
Torres disse que distrações como o telefone não interceptam a mensagem jornalística neste formato. Longe dos ruídos online como a desinformação ou as notícias falsas, que criam uma desconexão entre o usuário e o conteúdo, no teatro a escuta é constante.
Juan Carlos Contreras and Oscar Parra perform as part of Rutas del Conflicto's theatrical production on the displacement of the Sikuani Indigenous people. (Photo by Ricardo Quintero/Rutas del Conflicto)
Este formato teatral "permite que nós, jornalistas, nos aprofundemos em nossas técnicas narrativas para contar não apenas a denúncia, mas também as histórias de nossos personagens e até nos encoraja a mostrar nossas próprias anedotas enquanto investigamos", disse Torres.
Os dois elementos, a essência do teatro e da narrativa jornalística, criam uma experiência colaborativa única, gerando um espaço onde o público acompanha o diálogo narrativo da beirada de suas cadeiras.
"Propostas como as de Rutas del Conflicto fazem parte dessa busca que muitos jornalistas estão fazendo não só para chegar a mais pessoas, mas para chegar melhor, com maior conexão", disse Torres.