Em meio à violência crescente e aos mortos nos necrotérios e fossas clandestinas no México, em consequência da guerra antidrogas iniciada pelo presidente Felipe Calderón no final de 2006, duas jornalistas lançaram-se na tarefa de cobrir os horrores do conflito e revelar o mundo de corrupção que se esconde neste negócio.
Marcela Turati e Anabel Hernández, duas repórteres com longa trajetória em jornalismo investigativo e passagem por diversos veículos no México, lançaram recentemente os livros “Fuego Cruzado: Las víctimas atrapadas en la guerra del narco (Fogo Cruzado: As Vítimas Presas à Guerra das Drogas)” e “Los Señores del Narco (Os Senhores do Narcotráfico)”, respectivamente.
Os dois livros são profundamente documentados e repletos de detalhes que só quem testemunhou a guerra poderia conhecer. Não é de se estranhar que as duas jornalistas tenham transformado em livro o perigoso trabalho da cobertura do comércio das drogas, tornando os textos referência na área de jornalismo investigativo.
”Os Senhores do Narcotráfico” mostra a estreita relação entre traficantes de drogas, empresários e políticos, em suas redes de proteção e cumplicidade. A repórter aproveita também para destruir alguns mitos, como a fuga de Joaquín “El Chapo” Guzmán Loera de uma penitenciária de segurança máxima, em 2001, escondido em um carrinho de lavanderia. “Funcionários públicos do mais alto nível o libertaram, vestindo El Chapo de policial”, afirma.
A jornalista, que disse ter recebido ameaças de morte de autoridades mexicanas, sustenta em seu livro que a família do presidente Vicente Fox (2000-2006) teria recebido uma propina milionária para a libertação de El Chapo e que o acordo previa proteção continua a ele e a seu grupo. Foi durante a presidência de Fox, a partir de 2005, que começou a militarização da ofensiva antidrogas, com a presença de centenas de soldados nas cidades mais violentas.
A visão mais comum da guerra antidrogas é construída com histórias de conflitos entre traficantes e militares. A "contagem de corpos" feita pelos jornais registra hoje cerca de 34 mil assassinatos ligados à violência do narcotráfico nos últimos quatro anos - cinco vezes o número de soldados americanos mortos no Iraque e no Afeganistão nos últimos 10 anos.
Turati, fundadora da rede Periodistas de a Pie, descreve “o custo social gerado por quatro anos de guerra" em 12 capítulos, nos quais relata a dinâmica social por trás do conflito. O livro também fala das “cidades-fantasma", principalmente na fronteiras com os EUA, onde a indústria da morte cresce.
Além disso, a jornalista aborda a “autocensura jornalística” adotada por alguns veículos por conta de ameaças e ataques.
Em una entrevista ao Centro Knight, ela falou sobre o papel do governo e da imprensa no conflito e sobre as possíveis soluções para evitar que os jornalistas continuem no meio do fogo cruzado entre traficantes e militares.
“A imprensa deveria estar investigando mais e buscar mecanismos de colaboração entre os veículos para blindar a informações e driblar a censura", disse.
Em sua opinião, o governo se coloca no papel de “espectador passivo que não faz nada para prevenir e menos para proteger os veículos e jornalistas já ameaçados. Tampouco investiga as agressões”. Após sofrerem sequestros e ataques de traficantes, vários jornalistas cruzaram a fronteira em direção aos Estados Unidos e ao Canadá e solicitaram asilo nos últimos meses.
Segundo um levantamento anual da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), dos 57 jornalistas assassinados no mundo em 2010, sete eram mexicanos. A Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) informou em janeiro que, de 2000 até aquela data, haviam sido registrados “66 homicídios de comunicadores, 12 desaparecimento e, nos últimos cinco anos, 20 ataques contra as instalações de veículos de comunicação”.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.