A peruana Zuliana Lainez é a presidente da Associação Nacional de Jornalistas do Peru (ANP) e vice-presidente da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ). Por trás dos cargos de liderança está uma longa carreira como jornalista, professora e sindicalista. Em entrevista à LatAm Journalism Review (LJR), Lainez abordou a situação atual do jornalismo independente na América Latina, o persistente assédio judicial contra a imprensa e a atual crise de confiança em relação à mídia no Peru.
A agressão contra jornalistas é persistente no Peru. Segundo dados da ANP, desde dezembro de 2022, 183 jornalistas e meios de comunicação foram agredidos durante a cobertura de protestos sociais no contexto da atual crise política no país, sendo os ataques mais frequentes agressão física e verbal. “Pare de gravar, vá para o lado ou eu bato na sua cabeça”, são as ameaças de um policial contra um fotojornalista que cobria os protestos em Cusco, segundo registros divulgados pela ANP.
“O que nós, jornalistas, mais temos que lidar neste momento é a desconfiança das pessoas. Há um clima muito hostil. Você vai cobrir os protestos e se a polícia vê a imprensa, vai com tudo porque não quer permitir registros de violações de direitos humanos. Nos protestos, as pessoas ficam com raiva, podem bater em você”, explica Lainez.
Atualmente, o país andino vive um retorno aos protestos e mobilizações contra o regime de Dina Boluarte, com a exigência do avanço das eleições gerais. Em 19 de julho de 2023, milhares de peruanos se mobilizaram nas 24 regiões do país, sendo o Centro Histórico de Lima o ponto central das manifestações. As mobilizações foram chamadas de “Terceira Tomada de Lima”. Apesar de reportagens e notícias em jornais daquele dia dizerem que a marcha ocorreu de forma pacífica, a polícia e os militares reprimiram os manifestantes com gás lacrimogêneo e balas de borracha.
O Observatório da Liberdade de Imprensa da ANP registrou que na manifestação de 19 de julho em Lima foram agredidos sete jornalistas. De acordo com a organização, seis dos ataques foram cometidos por civis e um por policiais. Esses ataques incluíram roubo de ferramentas de trabalho e equipamentos jornalísticos, além de insultos e agressões físicas contra jornalistas. Um dos casos que mais teve repercussão na mídia foi o de Gabriela Ramos Carbajal. A polícia disparou cinco vezes contra a jornalista independente, ferindo-a nas costas, nos braços e no rosto. A jornalista foi transferida para o hospital para ser medicada e, segundo fontes policiais, já teve alta.
Apesar da repressão e do fato de que o direito de protestar estar sendo limitado pelo regime de Boluarte, a Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru marcou novas manifestações a nível nacional para os dias 27, 28 e 29 de julho. Neste contexto de crise social e política, no início de julho, veio a público o fato de ter havido uma reunião realizada pelo Ministério da Cultura do Peru com membros da associação La Resistencia, um grupo de extrema direita associado ao ataque a jornalistas, entre outras personalidades públicas.
O descontentamento da população peruana com a mídia e os ataques de civis contra a imprensa nas manifestações se refletem nos resultados da pesquisa nacional realizada pelo Instituto de Estudos Peruanos em maio de 2023. Os resultados mostram que 65% da população respondeu que a mídia noticiou os protestos sociais de maneira tendenciosa.
O Peru está vivendo sua segunda pior crise de confiança na mídia, segundo Laínez. Isso começou quando "os meios de comunicação de massa promoveram desinformação abertamente para favorecer a candidatura de Keiko Fujimori" na campanha eleitoral para as eleições gerais de 2021. A primeira crise foi em 2000, época em que o então presidente Alberto Fujimori foi destituído pelo Parlamento após se envolver em um escândalo de corrupção.
Lainez é militante desde o início de sua formação e aos 28 anos foi eleita secretária-geral da ANP. Em 2021, foi eleita presidente, cargo que até então não havia sido ocupado por nenhuma mulher nos 93 anos de história do sindicato. Por sua vez, devido ao seu papel na FIJ, em maio de 2023 visitou a Palestina, por ocasião do aniversário de um ano do assassinato de Shireen Abu Akleh, a repórter da Al Jazeera que foi morta a tiros enquanto cobria uma incursão militar israelense na Cisjordânia ocupada.
Ela também trabalhou em jornais, em rádios, como professora de jornalismo e é palestrante especializada em segurança do jornalista e liberdade de expressão. Ela conta em detalhes a notícia que recebeu recentemente após restos humanos serem encontrados na cidade de Huacho, no departamento de Lima, no Peru. Presumiu-se que pudessem ser do jornalista Pedro Yauri, desaparecidos à força em junho de 1992 pelas mãos do Destacamento Colina, grupo paramilitar promovido pelo governo do então presidente Alberto Fujimori.
“No século 21, o Peru tem três jornalistas desaparecidos. Um deles é o colega Pedro Yauri, mas os restos mortais que apareceram recentemente foram rapidamente identificados como não sendo dele. Entre 1980 e 2000, o pior período de violência do país, tivemos mais de 50 jornalistas assassinados, e temos apenas um caso em que a Justiça foi de 100%. Isso foi alcançado este ano”, diz Lainez.
“A situação do jornalismo independente na América Latina é extremamente complicada”, disse Lainez. “Há uma situação paradoxal. Precisamos mais do que nunca do jornalismo, estamos em momentos muito críticos na região sob todos os pontos de vista. Exemplos são a crise política e social no Peru, a repressão social na província de Jujuy, na Argentina. As primeiras vítimas desses processos são sempre a imprensa. Os meios de comunicação de massa são aliados do poder, e o jornalismo independente é um sopro de esperança que promove a pluralidade e não está sujeito aos interesses corporativos”.
No entanto, um dos maiores desafios para o jornalismo independente continua sendo a sustentabilidade financeira. “Para muitos meios de comunicação, as bolsas são os suportes das publicações, mas não duram para sempre. Há publicações que começaram bem com essas doações, mas agora com o foco [na invasão da] Ucrânia, os recursos estão se voltando para aquela região”, diz Lainez. “Os casos em que as assinaturas conseguem sustentar um meio integralmente são muito restritos. A América Latina não é uma região que está disposta a pagar por informação”.
Mesmo assim, segundo a vice-presidente da FIJ, o assédio judicial está no pódio dos desafios do jornalismo na região. Ou seja, a perseguição e o exercício abusivo da justiça. Casos como o de José Ruben Zamora, fundador do elPeriódico na Guatemala, condenado a seis anos de prisão por lavagem de dinheiro, são paradigmáticos. Do Peru, Lainez diz que “em matéria de assédio judicial na ANP, estamos sobrecarregados, recebemos mais de 30 processos por ano. Não conseguimos atender a todos." E destaca que o assédio judicial “tem um impacto triplo quando é contra jornalistas independentes, porque eles não têm uma equipe jurídica para enfrentar as denúncias”.
A ANP documentou as denúncias apresentadas contra jornalistas e meios de comunicação no Peru entre 2019 e 2022. Eles registraram 109 casos nesses anos, dos quais 80% foram denúncias iniciadas por funcionários públicos, figuras públicas ou seus familiares. Nesse cenário, em 2022, a bancada do Perú Libre apresentou um projeto de lei para aumentar de três para quatro anos as penas de prisão por difamação por informações publicadas na mídia, redes sociais ou páginas da web. A ANP manifestou sua rejeição contra esta proposta. “A primeira coisa que fizemos foi dizer que em um país onde o assédio judicial é tão normalizado, esse projeto de lei é um perigo para a liberdade de imprensa”, explica Lainez.
A presidente da ANP continua: “Com o atual marco legal, os processos contra jornalistas e meios de comunicação duram em média quatro anos. Ao final desse processo, 90% dos jornalistas são absolvidos. Difamadores não são levados aos tribunais, apenas os jornalistas o são, apenas por fazerem o seu trabalho. Eles nos levam para tirar nossa paz de espírito”. Para ela, “assumir uma defesa judicial tem um impacto econômico. Se a lei que propôs os processos estendidos para seis anos tivesse sido aprovada, a tortura seria maior. Eles felizmente arquivaram este projeto”.
Diante da situação de precariedade e violência a que estão expostos os jornalistas quando trabalham, Lainez é categórica ao dizer que a organização da categoria é fundamental. Ela dá como exemplo a situação dos fotojornalistas que, quando vão cobrir as manifestações nas ruas, “vão juntos, se organizam no terreno”.
Outro conselho do presidente da ANP é não normalizar os ataques: “Quando algo acontece com você, você tem que denunciar imediatamente. É preciso denunciar formalmente, que o Ministério Público assuma sua responsabilidade e tente identificar esses casos. Porque, como todos tendem a ficar impunes, as forças da ordem vão com tudo” [na repressão durante manifestações].
Por fim, Lainez dá especial ênfase ao apoio psicológico a jornalistas que cobrem violência e manifestações. “Os jornalistas estão muito focados no treinamento de segurança e pensamos muito pouco em contenção emocional. Não somos super-heróis e os momentos de tensão absoluta são muito frequentes”, disse.
--
Florencia Pagola é uma jornalista freelancer do Uruguai. Ela pesquisa e escreve sobre direitos humanos e liberdade de expressão na América Latina.
Imagem do banner: Quispe Keen, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons