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Técnicas de OSINT estão cada vez mais acessíveis e potencializam jornalismo investigativo e de guerra, mostra painel do ISOJ

As técnicas de OSINT e SOCMINT (em inglês, Inteligência de Fontes Abertas e de Redes Sociais, respectivamente) estão se tornando cada vez mais acessíveis para jornalistas e têm mostrado sua eficácia na cobertura remota de conflitos armados nos quais é difícil para os repórteres estarem presentes no local. Com os diferentes tipos de colaboração que essas técnicas possibilitam e a crescente disponibilidade de material de fontes abertas gerado por usuários e instituições, as técnicas oferecem cada vez mais oportunidades para o jornalismo.

Essas foram algumas das conclusões do painel "Usando OSINT e SOCMINT para cobertura de guerra, jornalismo investigativo e verificação de fatos" (“Using OSINT and SOCMINT for war coverage, investigative reporting and fact-checking”, em inglês) durante o primeiro dia do 25º Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ), em 12 de abril, na Universidade do Texas em Austin.

O painel, moderado por Marc Lavallee, diretor de produto e estratégia tecnológica do programa de jornalismo da Fundação Knight, contou com Meg Kelly, repórter sênior da divisão de Forênsica Visual  do The Washington Post; Haley Willis, repórter de investigações visuais do The New York Times; Marc Perkins, editor de investigações do Serviço Mundial da BBC; e Eoghan Macguire, editor-chefe do Bellingcat.

Five people on stage

Palestrantes no painel do 25º ISOJ "Usando OSINT e SOCMINT para cobertura de guerra, reportagens investigativas e verificação de fatos". (Patricia Lim / Centro Knight)

Lavallee começou dizendo que a inteligência via OSINT e SOCMINT – que se refere às técnicas e ferramentas que permitem a coleta e análise de informações das plataformas de redes sociais e outras fontes abertas – evoluíram significativamente na última década. Isso aconteceu devido a um fato básico do jornalismo, que é que as notícias acontecem quando os jornalistas não estão presentes. Soma-se a isso o fato de que cada vez mais pessoas têm dispositivos para capturar os eventos ao seu redor e compartilhá-los na Internet.

"Muitas das técnicas do jornalismo dizem respeito a situações que ainda estão se desenrolando, ou talvez depois de terem acontecido. Utilizamos técnicas para compreender o que aconteceu e poder reportar sobre isso", disse ele. "E nesta era, onde a maioria dos habitantes do planeta tem uma câmera, onde os satélites rastreiam todos os movimentos em escala global, há muitas mais oportunidades de obter essas informações".

Alguns eventos recentes que evidenciaram o poder das técnicas OSINT e SOCMINT no jornalismo incluem a Primavera Árabe, as crises migratórias, os conflitos no Oriente Médio e algumas investigações sobre direitos humanos. Mais recentemente, há os casos das guerras em curso na Ucrânia e na Palestina. Os painelistas apresentaram investigações jornalísticas sobre alguns desses temas que foram possíveis graças às técnicas de fontes abertas.

"Houve muitos vídeos sendo compartilhados na internet que poderiam ter sido desacreditados com bastante facilidade, e que me fizeram pensar em como poderíamos utilizar as ferramentas que temos à nossa disposição, para contar histórias realmente convincentes e responsabilizar pessoas poderosas pelo que dizem", disse Kelly sobre seu tempo na equipe de verificação de dados do The Washington Post, antes de se juntar à equipe de Forênsica Visual do jornal.

Macguire destacou o importante papel de esforços coletivos no uso de material de fontes abertas para investigações. O Bellingcat é um coletivo de pesquisadores e jornalistas sediado nos Países Baixos fundado em 2014 com o objetivo de se envolver com meios de comunicação e aproveitar a comunidade interessada em recursos de fontes abertas online para produzir impacto.

Como exemplo do compromisso da organização com essa comunidade, Macguire mencionou um projeto de 2022 que tinha o objetivo de documentar danos causados a civis na invasão russa da Ucrânia. O Bellingcat convocou entre 15 e 20 pessoas de sua comunidade do Discord, formada por mais de 20 mil membros, para ajudá-los a verificar alguns incidentes em que civis supostamente haviam sido afetados por ataques de foguetes.

A equipe de voluntários selecionada, composta principalmente por pessoas com conhecimento em ucraniano, habilidades de geolocalização e cronolocalização, e conhecimento contextual local do local onde ocorreram os eventos, ajudou a equipe do Bellingcat a verificar imagens e vídeos coletados de redes sociais. O trabalho dos voluntários, disse Macguire, foi posteriormente verificado pela equipe do Bellingcat para garantir os padrões de precisão da organização.

"O gerente de comunidade e a equipe do Bellingcat estão em contato constante com os voluntários, dando-lhes instruções e verificando como estão. Não só de um ponto de vista prático, mas também ético; garantem que estejam bem do ponto de vista da segurança, porque o trabalho é difícil e também pode ser chocante. Garantem que não estejam muito afetados pelo que estão fazendo", disse.

Macguire enfatizou que essas técnicas são um complemento aos métodos tradicionais de reportagem e não uma forma de substituí-los.

Lavallee disse que o Bellingcat e outras organizações semelhantes, como a Storyful e a Forensic Architecture, que não são meios de comunicação no sentido estrito do termo, representam oportunidades de colaboração para que os meios de comunicação entrem nas técnicas OSINT e SOCMINT.

Durante sua apresentação, Willis falou sobre a importância da geolocalização e cronolocalização na verificação de material de fontes abertas de um conflito armado nas horas imediatamente posteriores à sua circulação, antes que seja possível enviar um repórter para o local do incidente.

A jornalista apresentou uma investigação do The New York Times sobre imagens de vídeo de civis mortos nas ruas de Bucha, um subúrbio de Kiev, na Ucrânia, em 2022. A análise refutou as alegações da Rússia de que o massacre de civis nesta cidade ocorreu depois que seus soldados haviam se retirado.

A equipe de Investigação Visual do NYT conseguiu determinar a localização do incidente usando o Street View do Google Maps e estabeleceu o período de tempo em que as mortes ocorreram analisando imagens de satélite.

Willis também destacou a importância de complementar o trabalho de OSINT com métodos tradicionais de reportagem. Ela disse que a evidência de fontes abertas desta investigação serviu como guia para impulsionar o trabalho de campo da equipe do The New York Times que chegou a Bucha dias depois.

"Os membros da minha equipe conseguiram ir ao local e conversar com os moradores das casas onde essas pessoas foram mortas, tentando coletar imagens de telefones celulares que alguém nessas casas poderia ter filmado, tentando coletar imagens de câmeras de segurança, se houvesse uma casa do outro lado da rua que tivesse uma câmera de segurança", disse. "A reportagem de fontes abertas orientou a reportagem de campo e vice-versa".

No entanto, em alguns casos, o trabalho de campo simplesmente não é uma opção, como no caso da guerra entre Israel e Hamas em Gaza. Willis falou sobre uma investigação de 2023 em que sua equipe recorreu à inteligência artificial para mapear o uso de bombas de quase uma tonelada por parte de Israel em áreas designadas como seguras para civis.

Willis explicou que uma ferramenta de IA os ajudou a detectar crateras dessas bombas em imagens de satélite. Posteriormente, os resultados foram verificados manualmente por repórteres com a ajuda de especialistas em munições. Uma vez localizadas as crateras, a equipe usou imagens de redes sociais e entrou em contato com os habitantes de Gaza para tentar obter mais informações sobre o impacto das bombas nesses locais.

Outra redação que combinou OSINT e SOCMINT com inteligência artificial foi a BBC. Perkins falou sobre o Recognize, uma ferramenta de IA de visão computacional desenvolvida pela unidade de investigação do Serviço Mundial da emissora para analisar grandes volumes de vídeos de fontes abertas.

A equipe usou com sucesso esta ferramenta em uma investigação que demonstrou que erros táticos haviam causado uma das maiores concentrações de baixas de uma única unidade militar russa desde o início da invasão da Ucrânia. Para este projeto, a equipe teve que identificar soldados e objetos em centenas de vídeos retirados de redes sociais e YouTube.

"[O Recognize] utiliza reconhecimento facial, detecção de objetos e moderação de conteúdo para filtrar diferentes tipos de vídeos", disse Perkins. "É muito difícil fazer isso manualmente. Se voltarmos três ou quatro anos atrás, teríamos feito isso manualmente e as pessoas estariam procurando o mesmo rosto nos vídeos. Isso acelera muito o processo".

O jornalista disse que, embora ferramentas como reconhecimento facial tenham sido usadas por militares ou agências governamentais por anos, hoje em dia estão ao alcance de jornalistas, pois os custos se tornaram muito mais acessíveis.

"Acho que isso é apenas o começo desse processo. E estou bastante certo de que agora estamos em uma fase em que alguns dos princípios fundamentais do jornalismo, [informar] quem (reconhecimento facial), o que (detecção de objetos), onde (geolocalização) e quando (cronolocalização), estão muito perto de serem automatizados", disse Perkins.

Woman standing at podium

Haley Willis, repórter de investigações visuais do The New York Times, na 25ª edição do ISOJ. (Patricia Lim / Centro Knight)

O papel chave da colaboração

O recente aumento do uso de técnicas OSINT e SOCMINT no jornalismo se deve em parte ao aumento significativo de conteúdo gerado por usuários, algo que em inglês se define pela sigla UGC, disse Perkins. Lavallee mencionou que as pessoas estão tornando públicas todo tipo de coisa intencionalmente ou às vezes sem querer, e isso é uma oportunidade real para que os meios de comunicação transformem isso em jornalismo.

"Quando comecei na televisão, há bastante tempo, o custo de uma câmera de televisão era de 100 mil dólares, e o acesso a um satélite era de meio milhão. E agora tudo está na palma da mão das pessoas", disse. "Tudo isso combinado representa uma enorme explosão desse conteúdo de UGC; 500 horas são carregadas por minuto no YouTube. É uma quantidade fenomenal de conteúdo, e isso é uma enorme mina de ouro para todos nós neste painel, e no entanto, ao mesmo tempo, requer um enorme trabalho de escavação."

Embora as investigações apresentadas pelos painelistas sejam complexas e abordem temas globais, as técnicas OSINT e SOCMINT podem ser usadas em todo tipo de cobertura, disse Kelly.

"Muitas vezes mostramos esses exemplos que são grandes e vistosos, mas [trabalhar com OSINT] realmente pode cobrir todos os tipos de assuntos diferentes", disse.

Os painelistas concordaram que a colaboração é um elemento fundamental ao trabalhar com técnicas de fontes abertas, seja a colaboração entre meios de comunicação, com especialistas ou com a comunidade.

Para Maguire, colaborar tem sido uma das coisas mais gratificantes e interessantes de seu trabalho.

"Uma pessoa com experiência em armas químicas pode detectar o que um jornalista não pode ver", disse. "Então, trazê-los e integrá-los ao processo jornalístico é algo positivo. [...] Encorajaria outras redações a fazerem o mesmo".

Perkins disse que há atividades intensas ligadas a técnicas de fontes abertas nas redes sociais, especialmente entre a comunidade de OSINT que existe no X (ex-Twitter). Ele disse que se os jornalistas abordarem essas pessoas, muitas vezes elas oferecem um apoio muito importante.

"É bastante complicado gerenciar isso, porque há um difícil equilíbrio entre o que você pode dar, em termos de informações que coletou, questões de proteção de fontes e assim por diante .Mas se você tornar isso conhecido e se aproveitar do hype, é fenomenal o que você vai receber de volta. É como um multiplicador para o seu jornalismo", disse.

Lavallee perguntou aos painelistas como lidar com os "elementos ruins", ou seja, pessoas que tentam influenciar uma investigação de uma forma ou de outra com suas contribuições, quando colaboram com partes externas. Willis respondeu que múltiplas camadas de verificação e transparência são boas ferramentas contra esse risco potencial.

"Uma das melhores partes desse tipo de trabalho é a transparência. Acredito que isso atrai o público [...] e também acredito que pode resolver de certa forma esse problema potencial dos 'maus atores'", disse.

Willis explicou que, quando colaboram com pessoas externas ao NYT, sua equipe não se limita a receber a informação de terceiros e incorporá-la imediatamente à sua investigação. Há um processo para verificar as contribuições externas, assim como há com o trabalho interno.

"Verificamos a nós mesmos dentro do Times. Eu pergunto ao meu colega 'o que você acha deste vídeo que vi?', e chegamos independentemente à mesma conclusão", explica. "E o mesmo acontece quando trabalhamos com terceiros, porque pela forma como funciona esse trabalho, eles podem nos mostrar sua metodologia e nós podemos recriá-la e concordar com essas conclusões".

Man at podium

Marc Perkins, editor de investigações da BBC World Service, em Londres, Reino Unido, no 25º ISOJ. (Patricia Lim / Centro Knight)

Embora trabalhar com técnicas OSINT e SOCMINT exija habilidades e metodologias específicas, elas são muito acessíveis, o que oferece muitas oportunidades para que mais jornalistas façam mais disso em prol de suas audiências, disse Lavalle.

Nesse sentido, Kelly disse que, embora o trabalho de  OSINT possa exigir muitos recursos e o uso de softwares complexos, às vezes também pode envolver tarefas que qualquer pessoa pode realizar.

"Coisas como saber como pesquisar no Facebook, saber qual grupo demográfico estará em qual plataforma social, ou qual é a melhor maneira de criar um My Map, como você faria se fosse viajar, podem ser ferramentas totalmente úteis", disse.

Maguire disse que  trabalhar com OSINT e SOCMINT às vezes faz com que se sinta como se estivesse "brincando de detetive na Internet". Ele disse que há muitos recursos disponíveis na Internet para jornalistas interessados em aprender essas técnicas.

Por exemplo, o Bellingcat tem uma seção em que detalha seus métodos e explica como usar determinadas ferramentas. Além disso, o servidor Discord da organização é um lugar onde constantemente se discute como os membros fizeram coisas relacionadas ao OSINT.

Perkins acrescentou que o X também é um bom recurso para jornalistas interessados no assunto. E recomendou buscar especialistas em OSINT na Internet, como Benjamin Strick, ex-pesquisador tanto da BBC quanto do Bellingcat, que tem um site e um canal no YouTube com material útil sobre essas técnicas.

"Tudo pode ser aprendido. A questão sobre as fontes abertas é que é complicado, não é fácil, eu sou muito ruim nisso, por isso estou feliz por ser gerente, mas na verdade [...] essas coisas podem ser aprendidas. Não é ciência espacial, você pode aprender sozinho, está tudo disponível", disse Perkins.

O ISOJ é uma conferência global de jornalismo online organizada pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas da Universidade do Texas em Austin.  Em 2024, o evento celebra 25 anos reunindo jornalistas, executivos de mídia e acadêmicos para discutir o impacto da revolução digital no jornalismo.

Traduzido por André Duchiade
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