Com base no princípio constitucional da proteção à infância, o Tribunal Constitucional colombiano reconheceu o direito de jornalistas de solicitar e obter informações sobre padres católicos quando houver investigações de supostos abusos sexuais.
A medida foi anunciada pelo próprio Tribunal em comunicado de 26 de maio, após analisar um caso composto por 120 ações de tutela — recurso jurídico utilizado para garantir direitos fundamentais — impetradas por dois jornalistas colombianos que requisitaram à Igreja Católica dados sobre os seus clérigos.
"A sentença, na minha opinião, é a chave que abre o arquivo secreto [da Igreja]", disse à LatAm Journalism Review (LJR) Miguel Ángel Estupiñán, um dos jornalistas autores das ações.
"A partir de agora, qualquer jornalista pode apresentar um pedido formal para obter informações da Igreja em investigações sobre denúncias contra padres por supostos atos de abuso sexual contra menores. E essa sentença passa a ser o primeiro argumento — um que a Igreja não pode contestar", acrescentou Estupiñán, que atua como freelancer.
A Constituição da Colômbia consagra o direito de petição, definido como o "direito de apresentar solicitações respeitosas às autoridades, por motivos de interesse geral ou particular, e obter uma resposta rápida".
Um aspecto relevante da decisão é que ela amplia o escopo do acesso à informação, já que os dados solicitados não estão sob posse do Estado, explicou à LJR Emmanuel Vargas, diretor da organização El Veinte, que atua na defesa judicial da liberdade de expressão e apresentou argumentos jurídicos em favor dos jornalistas.
"O Tribunal analisou, na maioria desses casos, que, embora essa informação [sobre padres] esteja em mãos de uma entidade privada e diga respeito a dados de natureza pessoal, há elementos que a tornam de interesse público e, portanto, acessível nesse caso específico", afirmou Vargas.
Segundo Vargas, o principal fundamento da decisão é que o acesso à informação se justifica por seu valor social. Isso, diz ele, permite compreender melhor um fenômeno como o abuso contra crianças cometido por membros da Igreja Católica.
Além disso, disse ele, o acesso está relacionado ao papel social dos padres. "Eles são figuras que exercem certa autoridade e, nesse sentido, não são cidadãos comuns", afirmou.
"Ao garantir esse tipo de acesso, o que se promove é o fortalecimento das ferramentas do jornalismo investigativo", acrescentou o advogado.
A disputa judicial teve início quando Estupiñán e Juan Pablo Barrientos — jornalista colombiano que há mais de sete anos investiga casos de abuso sexual envolvendo a Igreja Católica — enviaram 137 pedidos formais (direitos de petição) a todos os bispos, arcebispos e superiores de ordens religiosas na Colômbia, solicitando informações sobre seus sacerdotes.
O objetivo era entender como a Igreja, enquanto instituição nacional, tratava casos envolvendo padres denunciados por pedofilia.
Segundo Barrientos, em entrevista à LJR, as informações requisitadas incluíam: número de padres em cada diocese, seus nomes, trajetórias e se já haviam sido denunciados por suposto abuso sexual.
"Se a resposta for sim, então vêm outras perguntas: 'A denúncia foi encaminhada ao Ministério Público? O padre foi suspenso? Expulso? O que aconteceu com as vítimas? Receberam indenização?'. Se a resposta for não, bem, é isso", disse Barrientos, que é editor da unidade investigativa do meio digital Casa Macondo.
Ambos os jornalistas já tinham experiência prévia na cobertura de abusos cometidos por membros da Igreja. Barrientos, inclusive, já havia obtido duas decisões do Tribunal Constitucional em 2022 que garantiam seu direito de solicitar informações — na época, limitadas ao departamento de Antioquia.
"As perguntas feitas nesses 137 pedidos eram idênticas às que constavam no pedido de 2020 e nos outros dois que chegaram à Corte", disse Barrientos. "Disse a Miguel Ángel: ‘Vamos fazer as mesmas perguntas, porque a Corte já disse que elas podem ser feitas’. E foi o que fizemos."
Diante desse precedente, Barrientos achou estranho que apenas 17 dos 137 pedidos tivessem sido inicialmente respondidos.
Mais tarde, também causou estranheza que, entre as 120 ações de tutela ajuizadas, 45 tenham sido negadas por juízes de primeira instância.
Para o jornalista, não está claro por que, mesmo com decisões anteriores do Tribunal Constitucional reconhecendo o direito de petição, alguns juízes optaram por ignorá-las. Por isso, os jornalistas recorreram novamente ao Tribunal Constitucional — que agora decidiu a seu favor.
A decisão em si ainda não foi publicada; até o momento, apenas um comunicado com o resultado do julgamento foi divulgado. Por isso, não se sabe exatamente quanto tempo a Igreja terá para fornecer as informações restantes. A decisão foi aprovada por maioria (seis votos a favor), com dois votos contra.
A Conferência Episcopal da Colômbia (CEC), que reúne os bispos católicos do país, manifestou insatisfação com a decisão. Em nota de 27 de maio, ela informou que aguardará a publicação da sentença para “estudá-la cuidadosamente”.
No entanto, citando argumentos dos juízes divergentes, ela manifestou preocupação com o que chamou de “pretensão desproporcional”. Um dos magistrados argumentou que o pedido de informações parte de uma “presunção generalizada de má-fé, contrária ao princípio da presunção de inocência, constituindo um estereótipo que, por si só, implica um ato de discriminação”.
Por outro lado, o Tribunal afirmou em sua decisão que "em contextos particularmente sensíveis, como aqueles que envolvem possíveis violações dos direitos de crianças e adolescentes, o acesso de jornalistas à informação assume especial relevância constitucional, pois permite identificar fatores que podem comprometer sua proteção integral e, por meio de sua divulgação responsável, estimula a atuação oportuna das autoridades competentes".
Para o Tribunal, embora seja verdade que informações sobre a trajetória de padres “não sejam, à primeira vista, de conhecimento ou interesse público, pois não têm relação direta com casos de violência sexual contra menores”, o acesso a esses dados “adquire especial relevância social” quando está em jogo a proteção de direitos constitucionais superiores — como os das crianças e adolescentes.
A LJR solicitou declarações oficiais da CEC, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
O chamado “arquivo secreto”, explicam os jornalistas, não é um termo inventado por eles. Ele está previsto no Código de Direito Canônico — norma que rege a Igreja Católica.
“Deve haver também um arquivo secreto na cúria diocesana, ou ao menos um armário ou cofre dentro do arquivo geral, completamente fechado e fixo, onde se guardem com extrema cautela os documentos que devem permanecer sob sigilo”, determina o Código no paragráfo 489 de seu Capítulo II.
“Todos os anos, deve-se conservar um resumo dos processos penais relativos a crimes cujos réus tenham falecido ou cujos casos tenham sido encerrados por sentença condenatória há mais de dez anos, junto ao texto da sentença final”.
O Código também estabelece que a chave desse arquivo está sob posse exclusiva do bispo.
“Ou seja, eles próprios estão dizendo que os processos criminais existem — e o abuso sexual é um crime. Eles mesmos afirmam: ‘temos um arquivo secreto’”, disse Barrientos. “É nesse arquivo secreto que estão guardadas as denúncias de abuso sexual. Por isso dizemos que esta é uma luta pelo acesso ao arquivo secreto.”
Com apenas 13% das informações solicitadas em mãos, os jornalistas identificaram mais de 600 padres denunciados por suposto abuso sexual em todo o país.
“A decisão é uma chave, uma ferramenta para todos os jornalistas que queiram multiplicar essas investigações daqui para frente”, afirmou Estupiñán. “Esse tipo de investigação não depende apenas de dois jornalistas; ela está destinada a se expandir”.