Em apenas dois anos como membro do conselho editorial do The New York Times, o jornalista colombiano Ernesto Londoño já fez parte de projetos que fizeram história nesse jornal de 165 anos de idade.
O mais recente foi em 2 de outubro com a publicação de um editorial em espanhol chamando os latinos a votar nas próximas edições presidenciais dos Estados Unidos e assim mudar o rumo em estados-chave a favor da senadora Hillary Clinton. Com isso, afirma o editorial, seria possível fortalecer a posição dos eleitores latinos na esfera política.
Foi a primeira vez na história do jornal que o editorial principal na edição de domingo estava em espanhol.
O dia seguinte da publicação da inovação editorial, que foi republicada em meios de comunicação da América Latina, Londoño visitou a Universidad de Texas em Austin para dar uma dar uma conferência sobre “Opinião e verdade na era do Twitter”.
Ia ser um dia muito cheio para o jornalista. Se esperava que, durante a manhã, Londoño falaria com os estudantes em uma aula de jornalismo, ao meio-dia seria o anfitrião de uma conversa ao vivo no Facebook sobre o editorial de domingo e, de noite, faria uma conferência magna.
No entanto, na noite de domingo algo inesperado aconteceu: a Colômbia de Londoño votou contra um acordo de paz assinado entre o governo colombiano e a guerrilha das FARC, que teria colocado fim a um conflito de mais de 50 anos entre as duas partes.
Assim, na manhã de segunda, Londoño se sentou para escrever um editorial que seria publicado de noite, pedindo por um compromisso para salvar o acordo de paz. Com a sua experiência, ele era uma pessoa mais do que qualificada para cobrir esse tema. Esses antecedentes, assim como crescer na Colômbia em uma época especialmente violenta da história do país, também o ajudaram a dar forma à sua profissão e a continuar com o jornalismo.
“Cresci na Colômbia em um ambiente realmente fascinante e, por vezes, medroso, onde havia muita violência, desesperança e caos, mas também onde havia muita gente que progredia diante desses desafios e muitas pessoas que atuavam de forma heroica e superavam a diversidade", disse Londoño ao Centro Knight para o Jornalismo nas Américas. “E acho que quando uma pessoa cresce rodeado por esse tipo de drama humano, pensando e refletindo, isso pode lhe inculcar um desejo de entender e explicar isso de tal forma que possa melhorar as coisas e trazer clareza para uma situação que é muito confusa."
Londoño se mudou de Bogotá para os EUA em 1999 para estudar na Universidade de Miami, onde se formou em jornalismo e estudos latino-americanos. Na sua carreira, trabalhou para The Dallas Morning News e The Washington Post, incluindo um período de cinco anos como correspondente de guerra no Iraque e Afeganistão.
Já trabalhava como correspondente do Pentágono para o Post há dois anos, quando o Times lhe apresentou uma proposta para fazer parte do comitê editorial em 2014.
Foi uma oferta intimidadora para Londoño, que era novo no mundo do jornalismo de opinião.
“Me pareceu muito difícil inicialmente, tive quase que me forçar a usar esses músculos para me libertar das limitações inerentes à reportagem que estavam muito inseridas no meu DNA”, explicou.
“Mas”, acrescentou, “todos temos opiniões sobre as coisas que conseguimos entender em profundidade e pode ser muito libertador quando é possível ser claro e contundente sobre a sua opinião e sobre como acredita que deveria funcionar o mundo, uma vez que você entende como ele funciona”.
Assim, aceitou o trabalho e apenas alguns meses depois já se notava a sua presença no comitê editorial.
No final de 2014, o jornal publicou uma série, escrita por Londoño, sobre as relações entre os Estados Unidos e Cuba, que analisava “a história, a política e os efeitos de cinco décadas de hostilidade entre as duas nações”.
O título do primeiro editorial, publicado em 12 de outubro em inglês e espanhol, foi direto: “Hora de acabar com embargo de Cuba”. O argumento: as reformas econômicas e políticas em Cuba e as mudanças de atitude da população americana, de origem cubana, nos Estados Unidos, tinham criado uma oportunidade para que Obama incluísse uma grande vitória ao seu legado em política exterior.
Dois dias mais tarde, o ex-presidente cubano Fidel Castro escreveu um editorial no jornal estatal Granma em que falava sobre o texto do Times. Castro também incluiu muitas partes do artigo que eram críticos ao governo e à economia cubana. Londoño afirmou posteriormente que foi muito surpreendente a inclusão de trechos do texto que criticavam o governo e disse que Castro parecia dizer que estava pronto para jogar bola com os EUA.
Como parte da série, Londoño viajou a Cuba para falar com funcionários e cidadãos. Também passou um tempo com o governo e jornalistas independentes. Algumas dessas visitas foram com a equipe do 14ymedio, o portal digital iniciado pela jornalista e dissidente Yoani Sánchez, assim como com jornalistas de Granma.
Segundo Londoño, alguns editoriais da série foram republicados pelos meios estatais de Cuba e alguns foram distribuídos na ilha através dos chamados pacotes, HDs que levam vídeos, sites da web, entre outros conteúdos.
Depois de quase 10 editoriais publicados, em 18 de dezembro Obama anunciou que o EUA restabeleceria relações diplomáticas com Cuba.
Como reconhece o jornalista, a proximidade da publicação da série e o anúncio de Obama fez com que muitas pessoas pensassem sobre uma potencial colaboração do jornal e o governo.
Apesar das acusações, Londoño explicou que a ideia da série surgiu, na realidade, durante um momento de pânico no banho. Como novo membro do comitê editorial, precisava oferecer uma ideia para a equipe. De manhã, antes da reunião do conselho e debaixo do chuveiro, decidiu por essa ideia.
Quando se trata de abordar a audiência de The New York Times, que em fevereiro deste ano lançou uma versão em espanhol, Londoño disse crer que “é um cálculo que está mudando rapidamente” para a publicação.
“Enquanto antes víamos a nós mesmos em grande medida como o jornal de referência ou um ponto de referência importante para os leitores dos Estados Unidos, cada vez mais em um mundo digital, no qual o impresso está em declínio e onde digitalmente as possibilidades são ilimitadas, nós podemos aspirar a ser o jornal de referência de qualquer pessoa em qualquer parte do mundo, sempre e quando possamos chegar a esse leitor com uma linguagem que ela possa entender”, disse.
engagement with people who traditionally may not find the times in its current form something that really would add value to their lives and their understanding of world events.
Ele acrescentou: “Acho que isso nos obriga a repensar quem é a nossa audiência e que tipo de enfoque jornalístico devemos seguir, com o objetivo de ampliar a nossa audiência e criar maior engajamento com pessoas que tradicionalmente podem não considerar o Times, em sua forma atual, como algo que adiciona valor às suas vidas e à sua compreensão sobre os acontecimentos do mundo”.
O comitê editorial do Times abarca tudo, desde o controle de armas até partos em casa, da campanha presidencial nos Estados Unidos à corrupção no esporte.
Outro projeto que Londoño mencionou especificamente durante a sua conferência na Escola de Jornalismo foi “Transgênero Hoje”, uma série de editoriais feita em 2015 sobre as experiências transgênero.
Em um artigo para Times Insider, Londoño explicou que uma série de vídeos no YouTube o inspiraram a incluir histórias contadas por pessoas trans como parte do projeto editorial. Mais de 300 histórias, algumas com vídeo, agora estão em um site multimídia interativo como parte das páginas de opinião do Times.
Sobre esse editorial mais recente sobre o voto latino, Londoño disse que a equipe estava buscando criar uma rede mais ampla e fomentar o debate.
“A nossa esperança era de plantar uma semente e provocar um diálogo nas comunidades onde as pessoas historicamente votam pouco, onde começariam a pensar de forma diferente sobre o direito de votar, mas também sobre a sua responsabilidade como cidadãos e residentes do país [Estados Unidos] de participar plenamente do sistema político”, explicou.
Os meios de comunicação em espanhol, tanto dos Estados Unidos como do exterior, republicaram partes do editorial ou o texto integral.
Em 3 de outubro, quando visitou a Universidade do Texas, Londoño moderou uma conversa ao vivo por meio do Facebook sobre a seção de Opinião do Times. Explicou o pensamento por trás do editorial e respondeu perguntas em espanhol e em inglês.
Até hoje, o vídeo foi assistido mais de 40 mil vezes e teve mais de 370 comentários.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.