O relatório anual sobre notícias digitais do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo revela que o Facebook e o X ativamente reduziram o protagonismo e o papel das notícias em suas plataformas, exercendo assim mais pressão sobre os modelos de negócios da mídia. Além disso, o texto destaca a preocupação das audiências com o aumento da desinformação a partir de conteúdos gerados por inteligência artificial (IA).
As eleições em muitos países do mundo ao longo de 2024 aumentaram o interesse do público por notícias, mas em geral continua a haver uma tendência de queda da atenção. O interesse por notícias na Argentina, por exemplo, caiu de 77% em 2017 para 45% atualmente.
Este estudo, que está em sua 13ª edição, foi encomendado pelo Instituto Reuters para entender a situação da mídia em vários países. A pesquisa foi realizada pela YouGov por meio de um questionário online respondido entre o final de janeiro e o início de fevereiro de 2024 por quase 100 mil pessoas de seis continentes e 47 mercados.
A LatAm Journalism Review (LJR) aproveita o lançamento online do relatório para resumir os achados sobre a indústria da mídia e o consumo de notícias na América Latina. Na região, o relatório inclui apenas resultados do Brasil, Argentina, Colômbia, Chile, México e Peru.
As redes sociais estão deixando de ser as principais fontes de consumo de notícias, desde que a Meta, a empresa dona de Facebook, Instagram e Threads, reduziu o seu apoio à indústria jornalística e restringiu a promoção algorítmica de conteúdo político em suas plataformas.
Globalmente, o uso das redes sociais diminuiu em 13% em comparação com o ano passado, segundo o Instituto Reuters.
Na Colômbia, o Facebook (48%) continua sendo a plataforma mais importante para distribuir notícias, mas essa cifra representa 10 pontos percentuais a menos em comparação ao ano passado. Nesse país, apenas 12% dos entrevistados disseram que usavam o X para consumir notícias, uma queda de 6 pontos em relação a 2023.
As audiências latino-americanas estão cada vez mais focadas em compartilhar conteúdo noticioso em vídeo tanto no TikTok quanto no YouTube. Por exemplo, o Peru continua entre os cinco países do relatório com maior uso do TikTok para todos os propósitos (47%), incluindo para o consumo de notícias (27%).
Nessas plataformas, os meios de comunicação costumam ter menor protagonismo, e as personalidades/influenciadores desempenham papéis mais importantes. O relatório menciona o mexicano Gerardo Vera, de 19 anos, que utilizou o TikTok para contar histórias a uma geração mais jovem. Ele começou a cobrir notícias nas redes com 12 anos, agora tem mais de 2 milhões de seguidores na plataforma.
"As lógicas dessas novas plataformas, incluindo estilos narrativos e vocabulários, mas também a predominância do vídeo, em muitos casos se afastam das práticas e costumes de muitos meios tradicionais e especialmente daqueles que vêm se focando em texto escrito", disse à LJR Amy Ross Arguedas, pesquisadora do Instituto Reuters e uma das autoras do relatório.
"Uma análise que fizemos este ano sobre vozes alternativas e influenciadores nas redes sociais mostra como alguns jornalistas e comentaristas na América Latina (geralmente focados em temas políticos e predominantemente homens) também conseguiram explorar essas plataformas a seu favor, como Jorge Lanata e Jonatan Viale, no caso da Argentina, e Alexandre Garcia e Leo Dias, no caso do Brasil, que são mencionados pelas audiências como fontes importantes para notícias nas redes, junto com marcas tradicionais como Todo Notícias (Argentina) e Globo (Brasil)", acrescentou.
Este ano, algumas tendências que o Instituto Reuters documenta há alguns anos foram ampliadas. Uma delas é o crescimento da preocupação com a desinformação.
Globalmente, cerca de seis em cada dez entrevistados (59%) se declaram preocupados com o tema.
No Brasil, um país que continua profundamente polarizado após as acirradas eleições em 2022 e as tentativas posteriores de anular o resultado, a desinformação nas redes sociais é um grave problema. Na pesquisa, 24% dos usuários de TikTok e X do país dizem que é difícil distinguir entre o conteúdo de notícias confiáveis e aquelas que não o são.
Segundo Ross Arguedas, para o relatório deste ano foram incluídas novas perguntas sobre a inteligência artificial generativa e como as audiências veem sua integração nas redações.
"Pudemos documentar que a familiaridade com a IA continua relativamente baixa: aproximadamente metade (49%) dos entrevistados nos 28 países onde incluímos essas perguntas ouviram falar pouco ou nada sobre a IA. Além disso, descobrimos que altos percentuais se sentem desconfortáveis com o consumo de notícias criadas principalmente pela IA. Mas há mais abertura quando a IA é utilizada como ferramenta por jornalistas humanos", disse Ross Arguedas.
O público continua cauteloso sobre o uso da IA no jornalismo, especialmente em temas de atualidade.
Por exemplo, durante 2024, na Colômbia, nas redes sociais foram difundidos vídeos falsos feitos com IA que usurpam a identidade de apresentadores de televisão e jornalistas para transmitir informações errôneas, e no Brasil foram criadas imagens falsas de campanha direcionadas a candidatos ou partidos nas eleições municipais de outubro.
É por isso que os entrevistados do relatório dizem se sentir mais confortáveis com o uso da IA em tarefas de apoio, como transcrição e tradução, ou qualquer outra tarefa que seja suporte aos jornalistas e não busque substituí-los.
Empresas de mídia colombianas como El Tiempo, El Espectador e Caracol TV estão utilizando a IA para encontrar novas formas de converter visitantes ocasionais do site em assinantes regulares. No Brasil, o jornal O Estado de S. Paulo lançou um chatbot de IA que utiliza o conteúdo previamente publicado para responder a perguntas feitas pelos leitores.
No Chile, os meios de comunicação também experimentam com a IA. O site independente Copano.news afirmou no relatório da Reuters que publica mais de 40 artigos por dia utilizando um CMS (sistema de gestão de conteúdo) baseado em IA. Por sua vez, o assistente virtual WazNews usa IA para oferecer notícias em texto e áudio via WhatsApp.
A relação de cada país com as notícias e os desafios que enfrentam na indústria jornalística variam devido a "uma combinação de fatores culturais, políticos e comerciais", segundo explicou Ross Arguedas à LJR.
Países como o Brasil têm níveis de confiança nas notícias (43%) um pouco mais altos do que a média global (40%), enquanto países como a Argentina têm níveis de confiança nas notícias mais baixos (30%).
Em geral, a confiança nas notícias tem porcentagens baixas na América Latina.
No México, a confiança nas notícias diminuiu cerca de 15 pontos após a eleição do presidente populista Andrés Manuel López Obrador em 2018, que atacou constantemente a imprensa. Atualmente, está em 35%.
No Chile, a confiança nas notícias está entre as mais baixas na pesquisa global do Instituto Reuters, com 32%. Com essa cifra, o índice se aproxima do seu ponto mais baixo desde 2017.
Além disso, o consumo de notícias nesse país diminuiu consideravelmente, sendo os noticiários informativos na televisão e os jornais impressos os que registraram as maiores quedas.
Em linhas gerais, o relatório aponta que as assinaturas de notícias estagnaram em muitos dos mercados. A pesquisa evidenciou que há limitado interesse em pagar por notícias e muitos meios têm uma proporção significativa de assinantes que pagam menos do que o preço completo.
No caso da América Latina, os baixos rendimentos e as dificuldades de financiamento resultaram em demissões.
No início de 2024, por exemplo, mais de 700 trabalhadores foram demitidos quando o governo argentino fechou a agência estatal Télam, 600 foram demitidos da emissora Radio Nacional e 250 da América TV, uma das quatro principais televisões privadas.
No Peru, os dois maiores meios de comunicação: El Comercio e o Grupo La República, registraram quedas significativas em receitas publicitárias em 2023.
"El Comércio teve uma queda de 16,7% em suas receitas, uma perda global de mais de 19 milhões de dólares e demitiu cerca de 150 jornalistas e funcionários", explica o relatório. "É possível que mais cortes estejam previstos, e foi informado que estão considerando uma reorganização, que pode incluir a venda de algumas marcas não essenciais. Por outro lado, o Grupo La República fechou várias filiais regionais e demitiu cerca de 200 jornalistas e funcionários".
As versões em inglês e espanhol do relatório em espanhol podem ser consultadas aqui. A apresentação oficial do estudo na América Latina fará parte do Festival Gabo, organizado pela Fundação Gabo, que acontecerá em Bogotá de 5 a 7 de julho. Eduardo Suárez, diretor editorial do Instituto Reuters, apresentará as principais conclusões no dia 6 de julho em um evento durante o festival.