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Vacinação atrasada, política e desinformação: obstáculos na cobertura dos imunizantes contra COVID-19 na América Latina

Há pouco mais de um ano, a pandemia de COVID-19 é o maior desafio de cobertura dos jornalistas de ciência da atual geração. Mais recentemente, o desenvolvimento de vacinas e o início da imunização em vários países têm apresentado dificuldades adicionais pela multiplicidade de vacinas disponíveis e sua distribuição desigual, além da desinformação.

Na América Latina, os desafios são únicos, pois as vacinas têm sido obtidas de forma lenta e desigual, e a distribuição ao público tem sido um obstáculo a mais. Além disso, a desinformação, boatos e teorias da conspiração tomaram conta da região.

Jornalistas de ciência da América Latina discutiram essas questões em 29 de janeiro, no webinar “Cobertura da vacina COVID-19: O que os jornalistas precisam de saber,” realizado pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas da Universidade do Texas em Austin em parceria com a UNESCO e a Organização Mundial da Saúde, com financiamento da União Europeia.

A renomada jornalista de saúde e ciência Maryn McKenna, pesquisadora sênior do Center for the Study of Human Health, da Universidade Emory, moderou o debate.

Um dos principais desafios da América Latina é simplesmente obter as vacinas.

“Estamos observando como outros países estão vacinando nesse meio tempo, principalmente porque, como você sabe, na América Latina, não temos muitas vacinas”, disse Federico Kukso, jornalista de ciência argentino e membro do conselho da Federação Mundial de Jornalistas de Ciência (WFSJ). “A região tem sido negligenciada ou ignorada pelas empresas farmacêuticas, apesar de países como Argentina, Peru, Chile, onde muitos dos ensaios clínicos dessas vacinas foram realizados.”

Os resultados aguardam a chegada das vacinas e as campanhas de vacinação que avançam lentamente, acrescentou.

No Brasil, onde a cidade de Manaus ganhou manchetes mundiais devido ao número brutal de mortes pelo coronavírus, o ritmo de vacinação é lento apesar das duas vacinas aprovadas.

“Temos dois grandes produtores de vacinas no Brasil”, disse André Biernath, repórter de ciências da BBC Brasil e presidente da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência. “Até o momento, temos cerca de 8 milhões de doses. Mas o ritmo da vacinação é muito lento. Temos cerca de 1 a 1,5 milhão de pessoas vacinadas até ontem. Mas, a capacidade do sistema público brasileiro de vacinar é muito maior e maior.”

Ele também disse que a falta de um plano público de comunicação sobre a vacina contribui para uma das falhas mais básicas de informação, que é dar conhecimento ao público sobre quando é a sua vez de ser vacinado, aonde se deve dirigir e quando tomar a segunda dose.

O painel reuniu os jornalistas científicos André Biernath, do Brasil; Federico Kukso, da Argentina; Kai Kupferschmidt, da Alemanha; e Yves Sciama, da França. A moderação foi de Maryn McKenna.

O painel reuniu os jornalistas científicos André Biernath, do Brasil; Federico Kukso, da Argentina; Kai Kupferschmidt, da Alemanha; e Yves Sciama, da França. A moderação foi de Maryn McKenna.

Vacinação gerou nova onda de desinformação

Junto com a pandemia veio a questão da desinformação, e a América Latina não está isenta.

“Acho que o maior problema é que os boatos, as notícias falsas e a desinformação não circulam apenas nas redes sociais ou no WhatsApp”, disse Kusko. “Na Argentina, por exemplo, a grande maioria da mídia que se opõe ao governo está desenvolvendo uma forte campanha antivacinas.”

Isso está acontecendo com todas as vacinas, independente do país de origem, afirmou.

“Eles prestam muita atenção aos efeitos adversos das vacinas. A mídia sabe que o medo atrai cliques e, nesses tempos de crise da imprensa, isso é muito importante ”, disse Kusko. “Isso também explica por que tantos grandes veículos publicam tantas teorias da conspiração ou artigos sobre a relação entre a astrologia e a pandemia, algo assim.”

Com a politização da cobertura, Kusko também vê a marginalização dos jornalistas científicos na cobertura da pandemia e das vacinas.

“Procuramos trazer informações com base em evidências”, disse o jornalista. “Muitos desses jornalistas políticos trazem opiniões sem nenhum tipo de expertise em saber como fazer a cobertura dessas questões”.

No Brasil, a situação é única, segundo Biernath, “porque parte da desinformação vem do governo”.

“Nas últimas semanas e nos últimos meses, ouvimos histórias absurdas sobre vacinas com microchips que espiam pessoas ou vacinas transformando pessoas em crocodilos, por exemplo, é bizarro, mas aconteceu aqui no Brasil”, disse o jornalista.

Os jornalistas de ciência precisam desmascarar esse tipo de informação, mas também respeitar e responder às dúvidas das pessoas, acrescentou.

Não siga a moda

Os jornalistas que cobrem a pandemia do coronavírus também precisam descobrir como comunicar ao público que o mundo está há apenas um ano na pandemia e que a ciência é um processo em evolução, como a moderadora da discussão, Maryn McKenna, apontou.

“A importância de contar histórias sobre o processo da ciência, contar histórias sobre artigos rejeitados, contar histórias até mesmo sobre fraudes”, disse Kusko. “Acho que um dos maiores problemas nessa cobertura da pandemia, e mesmo na cobertura científica, é não seguir o que está na moda.”

Comunicar a incerteza inerente à ciência é um desafio no Brasil, segundo Biernath.

“Mostrar que a ciência não sabe tudo e às vezes o processo ainda está em andamento e as informações podem mudar”, disse. “Outro problema que temos que enfrentar é focar e seguir o consenso.”

O que fazer daqui para frente

Na cobertura da pandemia, Kusko enfatizou a importância de prestar atenção à especialidade dos cientistas entrevistados.

“Não é a mesma coisa entrevistar um médico de pés para falar sobre a pandemia”, disse ele. “Você tem que encontrar a fonte certa.”

Biernath também pediu aos jornalistas que procurem outros especialistas além dos médicos, como enfermeiras, epidemiologistas e virologistas.

“Acho que eles podem realmente enriquecer nossos artigos e dar pontos de vista interessantes e diversos”, disse ele.

Kusko também enfatizou a consideração de perspectivas históricas, observando o que aconteceu com pandemias anteriores.

Ele também disse que os jornalistas deveriam olhar para o que está acontecendo nos países vizinhos, bem como globalmente, e levar em consideração os aspectos geopolíticos da pandemia.

O webinar “Cobertura da vacina COVID-19: O que os jornalistas precisam de saber” contou também com outros dois debates: um com especialistas para explicar os desenvolvimentos científicos por trás das vacinas e o segundo sobre os desafios logísticos de uma distribuição em larga escala dos imunizantes.

As discussões ocorreram em inglês, via Zoom, mas traduções em português, espanhol, francês e árabe estão disponíveis no YouTube. As transmissões na plataforma de vídeo foram assistidas mais de 5.600 vezes até agora.

Uma lista multilíngue de recursos para jornalistas que cobrem as vacinas COVID-19 pode ser encontrada aqui.

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