A alfabetização midiática não é algo novo em si, mas se tornou mais relevante do que nunca na era atual de desinformação que floresceu com a pandemia COVID-19. Porém, a relação entre mídia digital e escolas é, de certa forma, algo novo.
Muitos dos programas educacionais da mídia digital nativa surgiram para capacitar o público e, assim, treinar as pessoas para questionar as informações que recebem nas mídias sociais e tradicionais.
Segundo a Unesco, hoje os agentes de desenvolvimento em todo o mundo consideram importante que as pessoas em geral conheçam mais a mídia e sejam mais críticas às informações que recebem e consomem.
Abaixo estão três exemplos latino-americanos de mídia que estão enfrentando a onda de desinformação com educação, com foco na formação de leitores críticos em seus anos escolares.
Prodavinci e as escolas venezuelanas
Nos primeiros meses da pandemia, em maio, o site jornalístico Prodavinci da Venezuela publicou o especial “Como acabam as pandemias?”, inspirado nas iniciativas educacionais do Centro Pulitzer. Pouco depois, segundo Ángel Alayón, fundador e diretor do Prodavinci, disse à LatAm Journalism Review (LJR), eles ficaram sabendo que muitas escolas usavam esse conteúdo em seus materiais escolares, e que não era a primeira vez que isso acontecia, pois o acesso é aberto e gratuito.
Assim nasceu a Academia Prodavinci, lançada oficialmente em novembro de 2020. A iniciativa começou há alguns meses com um projeto-piloto com escolas, explicando conteúdos não só sobre saúde pública, como os dados do médico e pesquisador venezuelano Arnoldo Gabaldón que erradicou a malária no país, mas também de questões históricas.
“Preparamos guias e materiais. Numa primeira fase, o que fizemos foi avançar e formalizar algo que já estava acontecendo, que era muito do material do Prodavinci estar sendo usado nas escolas. Do ponto de vista do projeto, temos todo um plano de trabalhar também em nível universitário, inclusive para ministrar cursos e workshops relacionados ao jornalismo ou outras áreas do conhecimento, onde o Prodavinci tem pontos fortes,” disse Alayón.
O ano letivo na Venezuela começa entre setembro e outubro, dependendo do estado. A Academia Prodavinci começou com quatro escolas de segundo e terceiro anos do ensino médio, com adolescentes de 13 e 14 anos. Para isso, segundo Alayón, ele recrutou em sua equipe um especialista em pedagogia educacional para traduzir esse conteúdo jornalístico em produtos atraentes para os alunos. Ou seja, o programa orienta os professores a tornarem os conteúdos mais didáticos para seus alunos.
“Aqui também há um componente de capacitação para professores, com oficinas explicativas de como usar os materiais. Ainda agora [que fecha o primeiro semestre letivo] os alunos da primeira escola que utilizaram os materiais do explicador da epidemia vão ter uma sessão com um dos mais reconhecidos especialistas em epidemiologia,” disse Alayón.
Esse seria o ato de encerramento do curso para os alunos, que farão perguntas e interagirão diretamente com um dos especialistas que colabora com o Prodavinci.
Agência Lupa e Lupa Educação no Brasil
A Agência Lupa, que comemorou seu quinto aniversário este ano, mantém o programa LupaEducação quase desde o seu início.
A iniciativa começou com as eleições de 2016 nos Estados Unidos, quando a Agência Lupa percebeu que as pessoas ainda não sabiam do que se tratava a checagem de fatos.
“Num primeiro momento, no primeiro ano em 2017, a gente trabalhou com universidades e com cursos de jornalismo,” disse Douglas Silveira, diretor da LupaEducação, à LJR.
Em 2018, disse Silveira, o programa passou a produzir conteúdos e treinamentos para atender alunos do ensino médio, entre 14 e 18 anos, de escolas públicas e privadas do Brasil.
“A gente foi até as escolas de ensino médio e começou a dar treinamento de checagem. Não só de ferramentas de checagem, mas ajudando esses alunos e também professores a ter uma leitura mais crítica dos conteúdos jornalísticos que eles recebiam por meio das redes sociais,” explicou Silveira.
Em aliança com o Canal Futura e o Google, a LupaEducação criou a plataforma Fakeounews. Essa plataforma tem conteúdo de verificação e informação que combate a informação falsa, mas num formato adequado para alunos do ensino médio, explicou Silveira. Esses conteúdos passaram a ser utilizados pelos alunos.
Em novembro deste ano, com vistas às eleições municipais no Brasil, a iniciativa educacional da Lupa criou o projeto “DuvidoLogoPenso”. “São uma sequência pedagógica, que são realmente algumas cartilhas que fizemos com professores de história, geografia, biologia e física, para trabalhar a desinformação de forma interdisciplinar”, disse Silveira.
Isso era parte de um projeto maior da Lupa chamado Evolve. “É um projeto de educação midiática de trilhas pedagógicas. E a ideia é que a gente amplie a produção desses conteúdos para distribuí-los para as escolas do Brasil inteiro. A gente quer, a partir de 2021, fechar parcerias com secretarias de Educação dos municípios e de estados brasileiros.”
“As duas principais armas no combate à desinformação são a colaboração e a educação,” disse Silveira.
GK e a juventude do Equador
O primeiro trabalho que a GK realizou com os jovens foi em 2019 através do Movimento por Ser uma Menina, promovido pela Plan International, uma organização que promove a liderança de adolescentes e mulheres jovens. “Há mais de um ano estávamos fazendo um projeto editorial com a Plan International, como cobertura de questões de direitos da criança, e surgiu a oportunidade e a ideia de poder fazer workshops na Escola GK,” em várias partes e regiões do Equador, Isabela Ponce, fundadora e diretora do site jornalístico equatoriano GK, disse à LJR.
Como parte do trabalho que GK vem realizando com a Plan International, realizaram um workshop sobre gestão de redes sociais e porta-vozes de adolescentes e jovens no Equador, para fortalecer suas capacidades e saber expressar suas ideias e divulgá-las quando têm que lidar com os prefeitos de suas pequenas cidades, ou com os líderes de suas comunidades. "Foi uma experiência muito boa," disse Ponce.
Em fevereiro de 2020, também para esse movimento, Ponce deu mais um workshop para um novo grupo de mulheres jovens, sobre ‘liberdade online’. “Tem a ver com todos os riscos e violências que sofrem ao navegar na internet. São meninas de 15 a 23 anos,” explicou.
A GK Studio, agência de conteúdo da GK, ganhou um concurso em 2020 com a Unicef para cuidar de toda a estratégia de comunicação do projeto U-Report.
O U-Report é uma iniciativa regional do Unicef que tem como objetivo ampliar a voz de adolescentes e jovens entre 13 e 25 anos por meio de pesquisas em ambientes seguros, como serviços de mensagens gratuitas e anônimas.
A GK produz textos para o U-Report Equador a partir de pesquisas que jovens preenchem no Facebook Messenger ou WhatsApp, para saber como os jovens se sentem sobre determinados temas. Essas pesquisas buscam indagar sobre os problemas que preocupam ou interessam aos jovens de hoje em melhorar seu meio ambiente e sua comunidade, segundo o portal do projeto.
Dentro desse projeto também há oficinas que terão início em janeiro de 2021, sobre contação de histórias, fotografia e porta-voz, destinadas a jovens em geral, entre 14 e 30 anos. Essas oficinas acontecerão em quatro cidades da fronteira norte do Equador.
Em novembro, como parte de outro projeto do Unicef, desta vez em uma aliança do Pnud, que se chama DreamLab, eles ministraram duas das três oficinas para jovens de quatro paróquias de Quito. O objetivo é capacitar esses jovens a buscar soluções para os problemas de seu bairro, “desde as questões do lixo às questões de convivência, gênero etc.,” disse Ponce. “Já fizemos um workshop de contação de histórias para eles e o segundo é de reportagem urbana. E o terceiro vai ser a fotografia.”
A GK tem estado envolvida no ensino de formação a adolescentes e jovens através de organizações que trabalham com eles em outras áreas, “mas que veem o potencial da GK Studio para poder fortalecer as competências jornalísticas e de comunicação dos jovens.”