No início do ano, oito organizações brasileiras começaram a pensar em como estimular uma cultura colaborativa entre redações de jornalismo independente no Brasil e na América Latina. O resultado dessa construção coletiva foi o Festival 3i, organizado nos dias 11 e 12 de novembro no Rio de Janeiro.
A ideia de promover discussões sobre um jornalismo que atendesse a três ‘i’ — inovador, inspirador e independente — uniu pela primeira vez os veículos digitais independentes Agência Pública, Nexo, Ponte, Agência Lupa, Brio, Nova Escola, Repórter Brasil e Jota, com o apoio do Google News Lab. Os temas foram decididos a partir de desafios em comum: financiamento independente, sustentabilidade e modelo de negócios.
O festival no Rio de Janeiro foi uma oportunidade para que muitos jornalistas latino-americanos viessem pela primeira vez ao Brasil. Organizações de países ‘hermanos’ que inspiraram a mídia independente brasileira foram apresentados em “Lightning Talks”. Daniel Valencia El Faro de El Salvador), Elizabeth Salazar (Ojo Público do Peru), Martín Pellecer (Nómada da Guatemala), José Luis Pardo Vieiras (En Malos Pasos do México), Olivia Sohr (Chequeado da Argentina e Sembramedia) and Milagros Salazar (Convoca do Peru) apresentaram projetos de todo o continente. Tamoa Yanetsy Calzadilla Lara, repórter especial da Univisión, falou sobre os contextos de polarização na Venezuela e nos Estados Unidos em uma mesa que discutiu eleições.
O guatemalteco Martín Pellecer, co-fundador dos sites Plaza Pública e Nómada, acredita que a cooperação entre os brasileiros e outros latino-americanos deve ser ainda maior. Para o ano que vem, seu meio vai firmar uma parceria com a Universidade de Pernambuco para tradução e produção de artigos.
“Existe um desconhecimento e uma falta de interesse mútuo entre a América hispânica e a América portuguesa. O problema principal é a língua, porque nossos desafios e questões são os mesmos”, disse ao Centro Knight.
Federico Amigo, do Tiempo Argentino, trouxe para a primeira mesa do festival o case do jornal que, depois de passar por dificuldades financeiras e esvaziamento empresarial, passou a ser gerido por uma cooperativa de 100 jornalistas. O veículo já inspirou pelo menos outras quatro iniciativas do tipo, e deve estimular outras mais – no final da palestra, muitos colegas brasileiros vieram pedir a Amigo dicas de como aplicar o mesmo modelo.
Nesse sentido, um dos projetos do jornal argentino é criar uma rede sulamericana de jornalismo gestor para trocar experiências e dicas de melhores práticas. “A colaboração entre países ainda é muito incipiente”, disse Amigo ao Centro Knight. “Nossa ideia é uma aliança entre meios. É interessante que meios de diferentes países possam tratar de temas gerais a partir de realidades diferentes”.
Segundo ele, o contexto brasileiro, de poucas vozes concentradas em um ambiente corporativista, pode favorecer o surgimento de outras cooperativas. Para isso, ele destaca a importância de uma rede de contatos e de apoio. “É muito interessante se conectar, compartilhar experiências. O jornalismo autônomo nos obriga a estar constantemente aprendendo".
Construção coletiva
O evento marcou a primeira vez em que as organizações brasileiras realizaram um projeto em conjunto. Os veículos formaram um conselho para decidir o formato e todas as questões do festival.
“A ideia é que nós colaboremos cada vez mais”, disse Natália Viana, co-diretora da Pública, ao Centro Knight. “As mesas que reunimos aqui são muito sinceras, trazem questões que as organizações têm de fato. A questão de serem tantas no conselho traz essa pluralidade”.
Um dos motes da discussão nos dois dias de festival era como passar de uma cultura de competição acirrada nas redações tradicionais para um ambiente de maior colaboração entre os meios independentes. A Nova Escola, site que cobre educação, passa por um momento particular de transição de um grupo de mídia tradicional para a ‘independência’.
No início deste ano, a revista digital foi desvinculada do Editora Abril, um dos maiores grupos de mídia do Brasil. Nesse processo, a redação passou a ter preocupações além da produção de conteúdo. O processo trouxe ao editor Wellington Soares um pensamento mais holístico e o tornou um jornalista mais completo, segundo ele.
“Nessa estrutura independente, conseguimos pensar vários processos sozinhos. Estamos lidando com as questões que os outros veículos também estão — gestão de negócios, como garantir a independência, o que significa inovar e como fazer isso em uma estrutura pequena”, disse ao Centro Knight.
Para a co-fundadora do veículo digital de jornalismo de contexto Nexo, Paula Miraglia, esse cenário independente é mais amigável às ideias inovadoras. “Nossa vantagem competitiva é que podemos mudar, experimentar de forma muito rápida. Somos uma organização pequena e temos uma cadeia de decisão pequena também”, disse ela na mesa “Modelo de Negócios + Gestão”.
Apesar das vantagens de uma estrutura independente florescente, as organizações ainda precisam avançar em termos de colaboração, inclusive com a mídia tradicional. A editora-chefe do El País Brasil, Carla Jimenez, pediu mais integração. “É preciso uma pessoa dedicada a gerenciar parcerias. Faltam braços. Muitos veículos ainda estão vivendo a competição e não a colaboração”, observou ela durante a mesa “Tecnologia e novos formatos”.
Co-fundadora do site de cobertura do Judiciário brasileiro Jota, Laura Diniz lembrou que esse espírito colaborativo e inovador precisa entrar também na academia. “As faculdades não estão prontas para esse momento. Não há aulas de tecnologia e de gestão. A educação passa por uma crise e precisa se reinventar”.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.