Um ano depois de lançar a Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), a organização vai promover seu primeiro Congresso de Jornalismo de Educação para debater os desafios que a atividade jornalística enfrenta no atual cenário da cobertura de notícias.
O evento, que ocorre na Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, entre os dias 28 e 29 junho, vai contar com mesas, debates e oficinas sobre jornalismo de educação, em uma época em que o assunto tem perdido atenção e espaço nas redações.
Um dos objetivos do congresso é melhorar a cobertura na área, na qual o treinamento ainda é deficiente - 99% dos jornalistas que escrevem sobre o tema não receberam qualquer formação no assunto, de acordo com um levantamento de 2015.
Segundo o presidente da Jeduca, o colunista do Jornal O Globo Antonio Gois, uma das razões para este cenário é o fato de que escrever sobre educação é tarefa solitária nas redações, onde a rotatividade de profissionais que cobrem o assunto é alta.
“O dilema do jornalista de educação hoje também se assemelha ao de saúde ou meio ambiente. São todos temas essenciais, e com cada vez mais necessidade de repórteres que tratem esses temas com o mesmo rigor do jornalismo científico e com a mesma sensibilidade de um repórter que trata de temas sociais extremamente relevantes”, disse ao Centro Knight.
Neste sentido de treinamento, o congresso vai contar com quatro oficinas para ajudar repórteres a entenderem bases de dados de educação, orçamentos públicos, financiamento de políticas educacionais e indicadores de qualidade e rankings do Ensino Superior.
“O Brasil criou nos últimos 20 anos em educação uma profusão de indicadores de qualidade do ensino, sem que a imprensa estivesse preparada para refletir sobre seus usos e limites. Por isso queremos não apenas fazer oficinas sobre como ter acesso a esses dados, mas também mesas de debates com reflexões sobre como devemos utilizá-los”, disse Gois.
Para Fábio Takahashi, vice-presidente da Jeduca e jornalista da Folha de S. Paulo, rankings são uma boa forma para reportagens de educação disputarem um espaço cada vez mais escasso nos jornais, ocupados pela crise política e econômica do Brasil.
“Os rankings são uma das poucas coisas em educação que chamam a atenção dos editores. Mas esses materiais caem no colo do jornalista um dia antes da divulgação e, sem conhecimento prévio, é difícil fazer uma boa reportagem. Pouquíssimos jornalistas hoje sabem trabalhar bem com dados”, disse Takahashi ao Centro Knight.
O jornalista é atualmente Spencer fellow in Education Research na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Ele conta que os colegas americanos que cobrem educação dizem que, sem ter Donald Trump no título, os editores nem consideram a pauta. Para Takahashi, no Brasil, o fenômeno é similar, mas com o nome de Michel Temer - a instabilidade do presidente brasileiro monopoliza a atenção da imprensa e da sociedade.
Sobre o assunto, Gois vai mediar uma mesa no congresso chamada “A educação em tempos de incerteza”. Para ele, o jornalista de educação tem uma missão importante neste cenário político conturbado. “Cabe uma tarefa por vezes inglória, porém necessária, de convencer os editores de que essas pautas tão essenciais para o futuro do país não podem ser abandonadas”, opinou.
Comunidade de discussões
A Jeduca foi lançada no congresso da Abraji de junho de 2016, depois que um grupo de cinco jornalistas brasileiros começou a pensar em ideias para ajudar colegas de profissão que ‘caíam de para-quedas’ na cobertura de educação, além de aproximar repórteres veteranos dos novatos. Hoje, são 500 associados de todas as regiões do país.
“Pensamos em fazer uma comunidade de discussões, faltava esse espaço na área. Muitos jornalistas que cobrem educação sequer se conheciam. Hoje, temos uma lista de discussão por e-mail que tem sido bem rica na sugestão de fontes e pautas. No dia a dia da redação, tendemos a ficar presos às mesmas fontes, ao cara que atende o telefone”, contou Takahashi.
No site da Jeduca, estão disponíveis recursos para aprimorar a elaboração de reportagens sobre educação, como guias com explicações sobre assuntos técnicos e os serviços da Editora Pública da organização, Marta Avancini. Ela atende demandas de jornalistas que estejam trabalhando pautas sobre educação, que não precisam estar associados à Jeduca.
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“A inspiração veio da public editor da Education Writers Association, a associação americana de jornalistas de educação, que inspirou a Jeduca. Quando lançamos essa ideia, não tínhamos a menor noção de qual seria a demanda no Brasil, visto que muitos jornalistas não são especializados, ao contrário dos EUA. Mas, para nossa surpresa, tivemos uma demanda significativa, ao redor de três chamados por semana”, comentou Gois.
Um ano depois, a organização está se preparando para continuar o debate em seu primeiro congresso. As vagas são limitadas, mas as inscrições ainda estão abertas. Informações estão disponíveis aqui.
O evento será feito em parceria com o Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que ocorre no mesmo local, entre os dias 29 de junho e 1º de julho.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.