Jocelyn Justin está vivendo um pesadelo.
O jornalista haitiano está lutando para sobreviver em Cuba, pedindo dinheiro emprestado para comer e pagar o aluguel enquanto aguarda cirurgia no maxilar inferior fraturado.
"Não estou comendo bem e isso está começando a afetar minha saúde", disse Justin à LatAm Journalism Review (LJR). "Tenho até dificuldade para ir ao banheiro."
O maxilar inferior da jornalista Jocelyn Justin foi estilhaçado por ferimentos de bala durante um ataque a um hospital em Porto Príncipe em dezembro de 2024. (Foto: Cortesia de Jocelyn Justin)
A série de eventos que o levaram à ilha começou há cinco meses, na véspera do Natal de 2024, em Porto Príncipe, Haiti. Justin estava cobrindo a reabertura do Hospital da Universidade Estadual do Haiti – conhecido popularmente como Hospital Geral – quando uma gangue atacou o local.
Dois jornalistas morreram e outros sete, incluindo Justin, ficaram feridos. Profissionais da imprensa acusaram então o Ministério da Saúde de negligência.
Após o ataque, Justin passou por uma cirurgia de emergência em Porto Príncipe, mas a gravidade dos ferimentos exigiu cuidados especializados que não podem ser oferecidos no Haiti.
Uma comissão — formada por representantes dos profissionais feridos, advogados e um representante da Ouvidoria — foi criada após o ataque para supervisionar o apoio às vítimas. Essa comissão conseguiu que Justin, duas outras jornalistas e um policial fossem enviados a Cuba para receber atendimento médico.
“Também incentivamos o governo a enviá-los a Cuba porque sabíamos que era um lugar melhor, porque em Cuba eles têm boa saúde, bons médicos e é mais barato”, disse Guyler C. Delva, membro da comissão e secretário-geral da SOS Journalistes Haiti, à LJR. “Eles conseguiram, e estamos satisfeitos, mas não imaginávamos que o resultado seria esse."
Mais de 60% das instalações hospitalares da capital haitiana estão fechadas ou não funcionam, segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA). Alguns hospitais foram atacados por gangues e outros que estão funcionando estão à beira do colapso, de acordo com um relatório da Médicos Sem Fronteiras (MSF).
Justin foi internado em um hospital cubano em março, segundo a SOS Journalistes Haiti. As jornalistas Velondie Miracle e Florise Desronvil, também feridas no ataque, chegaram a Cuba antes e concluíram seus tratamentos em fevereiro. Ambas já voltaram ao Haiti.
No entanto, os médicos que estão tratando Justin em Cuba indicaram que ele precisa de outra cirurgia no maxilar inferior, de acordo com a SOS Journalistes Haiti. O procedimento está marcado para julho.
Até essa data chegar, o jornalista não tem moradia estável nem recursos para suas necessidades básicas. Organizações de jornalistas afirmam que o governo não cumpriu suas promessas de apoiá-lo.
No início de maio, o Ministério da Saúde havia reafirmado publicamente que cobriria os custos de Justin em Cuba. No entanto, segundo Justin e Delva, esse apoio não chegou.
"O governo está zombando de mim. Até agora, nada melhorou aqui. Estou completamente sem dinheiro desde 15 de maio", disse Justin, que antes do ataque trabalhava para o veículo Chandel Info Magazine e para a rede Rádio Mega Star.
"O governo prometeu ajudar, pagar moradia, alimentação e tudo mais", disse Delva. "Não estamos satisfeitos com a forma como o governo está lidando com o caso."
Em 26 de maio, a SOS Journalistes Haiti participou de uma reunião com o Conselho Presidencial de Transição (CPT), o órgão de nove membros que exerce o poder executivo no Haiti após o assassinato do presidente Jovenel Moïse em 2021 e a renúncia do primeiro-ministro Ariel Henry em 2024. Delva disse que, na reunião, o CPT garantiu que as medidas necessárias seriam tomadas imediatamente para fornecer a Justin acomodação, alimentação e assistência médica em Cuba.
Delva disse que, depois da reunião, conversou diretamente com Fritz Alphonse Jean, presidente do CPT, e ele demonstrou sensibilidade em relação ao caso. Delva disse estar confiante de que Justin receberia recursos das autoridades no fim de semana de 7 de junho.
Guyler C. Delva, secretário-geral da SOS Journalistes Haiti, faz parte da comissão que pressionou pela transferência dos jornalistas feridos para Cuba. (Foto: Facebook)
Delva disse que não conseguiu falar com o ministro da Saúde Pública e População, Sinal Bertrand, nas últimas semanas. Ele só manteve contato com membros da equipe do ministro, que lhe informaram em diversas ocasiões que o assunto está sendo trabalhado e que autoridades do Ministério entrarão em contato com ele.
A LJR enviou pedidos de comentários ao Ministério da Saúde Pública e População do Haiti, ao ministro Sinal Bertrand e ao CPT, mas até a publicação desta reportagem não recebeu nenhuma resposta.
O comitê de apoio às vítimas do ataque ao Hospital Geral também está acompanhando o tratamento dos outros jornalistas feridos.
"É algo que teremos que fazer: acompanhamento médico para as jornalistas que voltaram de Cuba", disse Delva. "Os médicos continuam monitorando-as para ver se precisam de alguma coisa. E, claro, vão precisar."
Delva acrescentou que Velondie Miracle, que foi atingida por sete tiros durante o ataque – na cabeça, no rosto e na perna –, disse pessoalmente que precisava de acompanhamento após a cirurgia que fez em Cuba.
Miracle, que trabalhava para a plataforma online Nouvèl 509, disse em abril ao meio de comunicação digital independente Ayibopost que às vezes sofre de perda de memória devido à cirurgia no crânio que realizou em Cuba. Ela também relatou dores no pé e na gengiva, duas das áreas atingidas por tiros.
Enquanto Miracle se recuperava em Cuba, um membro de gangue exigiu dinheiro em troca de não danificar sua casa em Porto Príncipe, segundo a jornalista contou à rede de notícias americana Scripps News. Sem condições de pagar, a casa foi incendiada seis dias depois. O irmão de Miracle, de 20 anos, morreu no ataque.
A SOS Journalistes Haiti estimou que Justin precisa de menos de US$2 mil para cobrir os custos de sua estadia em Cuba.
"Não é tanto dinheiro assim; nem são US$ 1.500 o que ele precisa. Na verdade, eu disse a eles que até US$ 1.200 seria suficiente para o tempo que ele precisa ficar para a cirurgia. Isso é algo que o governo pode fazer", disse Delva.
Delva disse que colegas e o público em geral que desejam apoiar Justin podem entrar em contato com a SOS Journalists no e-mail delvahaiti@gmail.com.