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O êxodo de jornalistas em El Salvador sinaliza o avanço autoritário de Bukele

  • Por Alex Maldonado/Agencia Ocote
  • 26 agosto, 2025

Uma versão desta matéria foi publicada originalmente em 7 de agosto em espanhol pela Agencia Ocote e foi traduzida e republicada aqui com permissão.

Abraham Abrego nunca imaginou que teria de fechar os escritórios da Cristosal em El Salvador e transferir suas operações justamente para a Guatemala. O país vizinho ao norte onde até hoje o Ministério Público criminaliza e persegue quem luta contra a corrupção, defensores sociais, jornalistas e políticos.

Abrego, como diretor de litígio estratégico da Cristosal, documentou mais de 3.700 denúncias de violações de direitos humanos durante o regime de exceção imposto por Nayib Bukele desde março de 2022.

Mas quando em maio o governo prendeu sua colega Ruth López (chefe da unidade anticorrupção da Cristosal), e a Assembleia Legislativa aprovou a Lei de Agentes Estrangeiros, Abrego e seus colegas entenderam que a temida criminalização que haviam previsto estava começando a se concretizar.

A Cristosal nasceu há 25 anos pela defesa dos direitos humanos após o conflito armado em El Salvador. Em junho a organização teve de encerrar suas operações no país e se estabelecer na Guatemala.

A decisão dessa equipe de profissionais está se repetindo entre dezenas de defensores sociais e jornalistas que tiveram de abandonar seu país nos últimos meses.

Sergio Arauz, subeditor do El Faro e atual presidente da Associação de Jornalistas de El Salvador (APES), faz parte desta nova diáspora forçada.

Também instalado na Guatemala, Arauz coordena esforços para documentar e apoiar colegas que, como ele, tiveram de fugir após a "escalada de maio", quando o regime de Bukele intensificou a perseguição contra vozes críticas.

Os números do exílio

Os registros oficiais do exílio ficam com as organizações que representam as vítimas do êxodo. Segundo dados da APES e da Rede Centro-Americana de Jornalistas (RCP, na sigla em espanhol), pelo menos 47 jornalistas saíram de El Salvador entre maio e julho de 2025.

Destes, 37 fugiram do regime via Guatemala. Metade ainda está no país e os demais tiveram como destino final o México, a Europa e, em menor quantidade, os Estados Unidos.

"Eu decidi que diante da repressão era melhor sair de El Salvador e continuar trabalhando de fora, e não ficar presa entre as quatro paredes de uma prisão", afirma Angélica Cárcamo, ex-presidente da APES e atual diretora executiva da RCP.

"Muitos de nós, cujo trabalho tem sido crítico, estávamos sob vigilância policial. Eu tenho fotografias. Já em 2024 também havia presença de militares nas proximidades da minha casa", relata.

Junto a eles, pelo menos 33 pessoas defensoras de direitos humanos, ativistas e advogados saíram do país. A maioria, da Cristosal.

Diversas organizações nacionais (de El Salvador) e internacionais denunciaram em 23 de julho perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos que entre 2021 e 2025 um total de 130 vozes dissidentes tiveram de se exilar.

No entanto, as organizações afirmam que esses números são subnotificados, já que muitas pessoas não reportam sua saída por razões de segurança.

Para a jornalista guatemalteca Marielos Monzón, presidente da RCP, El Salvador replica o padrão autoritário consolidado na Nicarágua, que já tem mais de 200 jornalistas no exílio.

"O modelo que (Bukele) está implementando é de natureza autoritária, e sabemos como termina porque foi assim que (Ortega) começou na Nicarágua", Monzón alertou da Guatemala, que agora está recebendo a maioria dos que fogem de seu vizinho.

A escalada autoritária

A "deterioração do espaço cívico" em El Salvador não ocorreu da noite para o dia, segundo todas as fontes consultadas pela Agência Ocote.

Abraham Abrego explica que Bukele desenvolveu uma estratégia para perseguir seus opositores, que começou com os partidos políticos de oposição.

Para conseguir isso, em maio de 2021, o primeiro decreto de uma Assembleia Legislativa alinhada a ele foi para substituir os cinco magistrados da Corte Constitucional e o procurador-geral. Com isso, Bukele garantiu o controle dos três poderes do Estado e do órgão responsável pela persecução penal. Além disso, a Câmara Constitucional o apoiou em sua candidatura à reeleição, apesar de a lei proibir.

A perseguição aos seus opositores foi seguida por sua "guerra contra as gangues" que começou com um regime de exceção em março de 2022 que segue em vigor mais de três anos depois.

Embora a violência tenha diminuído, o regime proíbe toda a população de exercer direitos fundamentais como organizar-se, protestar e se defender de acusações criminais. Organizações internacionais denunciaram prisões arbitrárias baseadas nessa medida.

A partir daí, diversos setores sociais, meios de comunicação e jornalistas começaram a ser assediados e criminalizados nas redes sociais. Isso se expandiu gradativamente.

"Ele foi muito astuto na forma de perseguição, de tal maneira que as pessoas que não estavam sendo afetadas não disseram nada", relata Abrego.

Os mecanismos de perseguição têm sido variados "mas sofisticados e coordenados", segundo Sergio Arauz.

Além da estigmatização pública, "o padrão é: visitas de policiais, interrogatórios em casas, avisos de fontes do governo ou do Ministério Público de que se percebe um risco".

Depois vêm os processos judiciais arbitrários. "Primeiro prender e depois investigar", descreve Arauz.

A perseguição seguiu uma sequência lógica que começou com políticos e criminosos – rejeitados pela maioria da população –, e depois seguida por vozes críticas, segundo os exilados entrevistados:

  • Partidos políticos de oposição (desde o início do governo): Processos judiciais por lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito, muitos sem o devido processo legal. 
  • Funcionários de governos anteriores (seguindo a estigmatização dos políticos opositores): Processos judiciais por acusações de corrupção e outros crimes, usando a narrativa de que "os corruptos eram eles".
  • Organizações da sociedade civil e defensores de direitos humanos (desde 2021): Estigmatização pública, ataques nas redes sociais, assédio administrativo e fiscal.
  • Jornalistas (a partir do regime de exceção em 2022): Ataques por suas apurações, especialmente contra aqueles que documentaram corrupção contínua e vínculos entre o governo e gangues.
  • Líderes comunitários (durante o regime de exceção): Prisões arbitrárias sob o pretexto de combater gangues, especialmente aqueles que se opuseram a projetos econômicos ou que afetassem o meio ambiente.
  • Organizações específicas (mais recentemente): Perseguição de entidades como a Cristosal, que investiga corrupção e que documentou a estigmatização de venezuelanos deportados pelos EUA para uma prisão em El Salvador, cujo governo acusou falsamente de serem membros de gangues.

'A escalada de maio'

O ponto de inflexão contra toda dissidência chegou há três meses, numa ação que os entrevistados chamam de "a escalada de maio".

Teria começado quando o El Faro publicou, no início daquele mês, vídeos com entrevistas com líderes de gangues que revelavam vínculos com o governo.

Dias depois, o veículo advertiu que teve acesso a informações que indicavam que a Procuradoria-Geral da República iria expedir mandados de prisão contra jornalistas.

Nas semanas seguintes, foram feitas prisões por diversos motivos. As prisões incluíram empresários do setor de transporte, ativistas comunitários, a defensora dos direitos humanos Ruth López e o advogado constitucionalista Enrique Anaya.

A prisão de López e Anaya, dois advogados proeminentes, teve a intenção de criar o mesmo medo social que ocorreu na Guatemala quando José Rubén Zamora foi preso, de acordo com Marielos Monzón.

"É um caso exemplar porque são pessoas super famosas. Se fizeram isso com uma pessoa famosa, podem fazer com qualquer pessoa. Essa é a mensagem", diz Monzón.

Controle total através do Congresso

Mais duas ações consolidaram o regime ditatorial de Nayib Bukele nas últimas semanas. Ambas são obra de uma Assembleia Legislativa controlada pelo partido governista, Nuevas Ideas.

A primeira foi a aprovação, no mesmo mês de maio, da Lei de Agentes Estrangeiros. Essa lei, que entrará em vigor em setembro, impõe um imposto de 30% sobre organizações que recebem financiamento do exterior.

Também permite que o governo criminalize e proíba as operações de organizações sociais a seu critério.

A segunda foi a aprovação da reeleição presidencial por tempo indeterminado. Agora, Bukele poderá permanecer no poder, como só os regimes da Nicarágua e da Venezuela conseguem fazer nas Américas.

Suporte no exílio

Organizações guatemaltecas têm respondido aos exilados com diversas estratégias de suporte. A Unidade de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos da Guatemala (Udefegua) tem sido uma delas.

Brenda Guillén, coordenadora geral, comenta que há anos trabalham com organizações de El Salvador para dar apoio.

O foco deles tem sido mais em questões territoriais e ambientais, especialmente depois que o país aprovou uma lei em 2024 permitindo a mineração, que antes era proibida.

No entanto, ela afirma que nos últimos meses houve um aumento na criminalização de outros setores.

"Com base nas pessoas que já estão no país, podemos identificar quatro setores que estão sendo criminalizados: jornalistas, advogados, funcionários de organizações mais ligadas à academia e defensores territoriais."

Por isso, a Udefegua reforçou seus programas de autogestão de segurança, análise de riscos e planos de proteção. Adaptou sua "experiência na proteção de defensores guatemaltecos para apoiar os recém-chegados de El Salvador".

"Procuramos apoiar as pessoas durante todo o processo, fortalecendo seus conhecimentos para a estadia no país. Isso também se aplica àqueles que estão apenas em trânsito", diz Guillén.

A RCP, por sua vez, implementou um programa abrangente que inclui fundos de emergência para mobilidade e coordenação com organizações internacionais para realocação.

Além disso, conta com o acompanhamento da Media Defence, uma organização de apoio jurídico com sede no Reino Unido, garante Marielos Monzón.

"Um primeiro apoio foi o de mobilidade, com fundos de emergência, para proteger a integridade das pessoas e permitir que se realoquem", explica Monzón.

Também fizeram um intercâmbio entre jornalistas guatemaltecos e salvadorenhos. Segundo a jornalista, o objetivo não era apenas demonstrar solidariedade, mas também "criar redes de apoio entre colegas e planejar estratégias para dar continuidade ao trabalho jornalístico no exílio".

Essas organizações uniram forças para criar um trabalho de advocacy com organizações internacionais. O objetivo é demonstrar que a criminalização, que continua inabalável na Guatemala, agora também está aumentando no país vizinho.

Sem esperança de retorno

As perspectivas de mudanças em El Salvador que permitam o retorno dos exilados são sombrias. Arauz é categórico: "Não há sinais de que o presidente acordará mais democrático da noite para o dia."

Abrego acredita que a repressão se expandirá. "O próximo nível será nas bases", alerta. Quando essas organizações forem eliminadas, afirma, o governo poderá direcionar sua repressão contra "a população que protesta por serviços como água, aposentadoria ou moradia".

Monzón vê uma réplica acelerada do modelo nicaraguense, onde muitas pessoas comuns que ousaram protestar tiveram suas propriedades e até mesmo sua nacionalidade retiradas.

"Antes que as coisas melhorem, elas vão piorar. Não vimos nenhum regime autoritário melhorar os direitos humanos e as liberdades", conclui.

A consolidação do modelo autoritário em El Salvador, segundo os entrevistados, faz parte de uma tendência regional que ameaça toda a América Central.


Edição: Carmen Quintela

Traduzido por Marta Szpacenkopf