texas-moody

Imprensa boliviana enfrenta hostilidade verbal e ataques contra mulheres jornalistas às vésperas do segundo turno eleitoral

Já faz quase um ano de tensão eleitoral na Bolívia. A decisão do Tribunal Constitucional de impedir que Evo Morales fosse candidato presidencial no primeiro turno das eleições, realizado em 17 de agosto, levou seus apoiadores a uma série de manifestações e bloqueios de estradas, nem sempre pacíficos.

No dia 19 de outubro, os cidadãos bolivianos elegerão seu próximo presidente entre o senador Rodrigo Paz Pereira, do Partido Democrata Cristão, e o ex-presidente Jorge 'Tuto' Quiroga, da Aliança Livre, encerrando os 20 anos de poder do partido Movimento ao Socialismo (MAS).

Como pode acontecer durante as eleições, a imprensa se torna alvo de diversos tipos de ataques, dificultando a cobertura. A Bolívia não foi exceção. A violência levou jornalistas a tomar medidas como usar capacetes e proteção corporal em suas coberturas.

"Houve um aumento preocupante de ataques a jornalistas na cobertura de conflitos políticos associados a demandas eleitorais", disse Zulema Alanes, presidente da Associação Nacional de Jornalistas da Bolívia (ANPB), à LatAm Journalism Review (LJR).

Antes do segundo turno eleitoral, Alanes afirmou que a violência não diminuiu em intensidade, mas se tornou mais verbal, com alguns candidatos desacreditando jornalistas.

Embora as manifestações tenham diminuído desde o primeiro turno das eleições, as organizações de defesa da imprensa permanecem em alerta.

Violência no mundo digital

Segundo a ANPB, outras violações à liberdade de imprensa são vivenciadas no mundo digital, especialmente quando jornalistas desmentem fake news.

"No contexto eleitoral, a maior preocupação tem sido a questão da desinformação e da guerra suja", disse Alanes. "Nesse processo, os ataques se concentraram contra jornalistas."

Um dos casos mais recentes envolveu ataques contra Bolívia Verifica e Chequea Bolívia – os dois sites de verificação de fatos do país – por conta de um escândalo envolvendo o candidato à vice-presidência pelo partido Alianza Libre, Juan Pablo Velasco.

Após a transmissão de um criador de conteúdo argentino mostrar supostos tuítes racistas de Velasco escritos em 2015, os checadores começaram a investigar as informações. De acordo com suas checagens, as publicações eram reais e de fato pertenciam à conta de Velasco no X. 

O candidato negou que as mensagens fossem reais e afirmou que faziam parte de uma "guerra suja" de seus oponentes políticos.

Os jornalistas por trás das checagens foram atacados, disse Alanes.

"Há uma reação enérgica para derrubar o trabalho que fizemos. Há uma necessidade de querer provar que nós erramos", disse Patricia Cusicanqui, editora-chefe da Bolívia Verifica, em entrevista à Rádio ADICH.

Cusicanqui disse entender o possível uso político dessas publicações, mas pediu que as pessoas confiassem no trabalho imparcial da checagem e aos cidadãos que acalmassem os ânimos.

"Faço um apelo aos cidadãos para que baixem as armas. Acredito que estamos muito, muito polarizados, e a Bolívia precisa, mais do que tudo neste momento, construir pontes de diálogo e chegar a consensos", disse. "Nosso compromisso é continuar o trabalho para garantir a democracia e os direitos humanos."

Em outro caso, logo após o primeiro turno eleitoral, o candidato a vice-presidente pelo Partido Democrata Cristão, Edman Lara, acusou assessores de imprensa e donos de veículos de comunicação de manipular pesquisas eleitorais. Em diversas mensagens, Lara atacou especificamente os jornalistas Carlos Valverde e Vania Borja. Ele vinculou Borja a supostos casos de corrupção, mencionando seu marido, um policial.

Diferentes associações jornalísticas se manifestaram contra as expressões de Lara por serem ofensivas, difamatórias e ameaçadoras, especialmente contra Valverde e Borja. Acrescentaram que a exposição de familiares de jornalistas constitui uma forma de assédio e intimidação ao exercício jornalístico.

Em 20 de agosto, Lara pediu desculpas por essas declarações, ao mesmo tempo que vinculou os repórteres às "logias". As logias na Bolívia se referem a poderes articulados, geralmente econômicos, mas também ligados a setores criminosos, como o narcotráfico, explicou Alanes.

Diante dessas declarações, em carta pública, o Conselho Nacional de Ética Jornalística da Bolívia (CNEP) exigiu que Lara esclarecesse e sustentasse com provas as acusações contra jornalistas.

Um padrão semelhante

Para o Círculo de Mulheres Jornalistas de La Paz (CMP), as tensões eleitorais que começaram a ser vistas desde o início de 2025 lembravam as eleições de 2019. Na época, o caos político (que incluiu a suspensão da contagem de votos e a saída de Evo Morales da Bolívia) levou ao registro do maior número de agressões contra jornalistas até então. Ao longo do ano, a ANP registrou 162 ataques gerais à liberdade de expressão.

Ao monitorar os ataques deste ano, o CMP encontrou 45 violações gerais do trabalho jornalístico até junho. Destes, 12 foram contra mulheres jornalistas, 31 contra homens e dois foram classificados como ameaças à imprensa em geral.

Alanes, da ANPB, disse que 2019 foi um ano de "conflito extremo" devido à crise política, o que se refletiu no grande número de ataques a veículos de comunicação e jornalistas. Embora em 2025 os números não cheguem a esses níveis, a violência continua.

"No atual contexto eleitoral, as agressões diminuíram em número, mas se repetiram os níveis de violência extrema, física e verbal, incluindo ameaças de morte", disse Alanes.

O CMP está particularmente preocupado com a quantidade e o tipo de ataques contra mulheres jornalistas. Seu monitoramento deste ano confirmou dados históricos da ANPB, que indicam que três em cada dez ataques contra jornalistas são cometidos contra mulheres.

"Essas agressões têm uma conotação sexista, desqualificadora e degradante da integridade pessoal e profissional das jornalistas", disse Alanes.

Durante esse período eleitoral em particular, as mulheres jornalistas sofreram agressões físicas, foram ameaçadas, assediadas e censuradas, algo que, para o CMP, "viola não apenas seu bem-estar pessoal, mas também a liberdade de imprensa e o direito dos cidadãos de receber informações verdadeiras e oportunas".

"Vimos que, em momentos de conflito social, a agressividade e a misoginia não se expressam apenas por meio de servidores públicos, como a polícia neste caso, mas também dos chamados movimentos sociais. Ou seja, grupos da sociedade civil organizados em manifestações que também agridem os jornalistas e as jornalistas em particular", disse Patricia Flores, presidente do CMP, à LJR.

Flores e Alanes também concordam que, quando a violência é perpetrada contra jornalistas mulheres, ela geralmente tem uma conotação sexual, incluindo apalpadelas e ameaças de estupro.

Em 3 de maio, por exemplo, a jornalista Ángela Ninoska Mamani e seu filho, o cinegrafista Dahan Joaquín Vedia, cobriam uma manifestação relacionada à operação de caminhões de lixo perto de Cochabamba. Quando o protesto se tornou violento, Mamani foi espancada e roubada, e as câmeras de Vedia foram roubadas. Manani relatou ter sido pressionada pela polícia a se reconciliar com seu agressor, que também a ameaçou com violência sexual.

Também em Cochabamba, em 6 de maio, Paola Cadima, jornalista da Unitel, foi abusada sexualmente por homens aparentemente embriagados que a cercaram e a apalparam enquanto ela cobria o protesto dos caminhões de lixo. Cadima desmaiou com o impacto. O cinegrafista que a acompanhava, Juan Rojo Adrián, foi agredido fisicamente pelos mesmos homens.

Esses são apenas dois dos casos registrados no monitoramento e, embora não tenham sido a cobertura de um evento eleitoral, estão relacionados ao contexto de protestos e violência que tomou conta do país naquele período.

Uma das questões que mais preocupam Alanes e Flores tem a ver com a resposta da justiça aos ataques contra mulheres jornalistas. No caso de violência sexual, em muitos casos nem querem receber a denúncia, disse Alanes.

Por esse motivo, o CMP recomenda que as autoridades criem um mecanismo de proteção com perspectiva de gênero e capacitem autoridades judiciais e outros agentes em questões de gênero. Recomenda também a garantia de mecanismos seguros de denúncia e a produção de relatórios sobre violência de gênero contra jornalistas, a fim de auxiliar na formulação de políticas públicas para lidar com o problema.

Traduzido por Marta Szpacenkopf
Republique gratuitamente este texto em seu site. Consulte nossas regras para republicação