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Seis jornalistas bolivianos foram sequestrados e torturados. Quatro anos depois, ainda aguardam justiça

Para Percy Suárez, não é fácil lembrar do dia em que viajou ao leste da Bolívia para investigar ocupações ilegais de terras e acabou cara a cara com o cano de um fuzil.

Suárez fazia parte de um pequeno comboio de caminhonetes que incluía outros cinco jornalistas, vários trabalhadores locais e alguns policiais. Eles se dirigiam a uma propriedade produtora de soja no departamento de Santa Cruz para investigar denúncias de grilagem de terras.

Cerca de 15 minutos após a chegada, um grupo de homens mascarados surgiu do mato e começou a atirar, estourando os pneus das caminhonetes.

Suárez, então cinegrafista da emissora de televisão Red ATB, manteve a câmera no ombro enquanto o caos se instaurava. Ele conseguiu registrar o momento em que um dos homens apontou o fuzil diretamente para ele e gritou para que parasse de filmar.

"É uma ferida que realmente não cicatriza, pode acreditar", disse Suárez à LatAm Journalism Review (LJR). "É óbvio que falar sobre o caso me afeta, mas preciso contar; quando necessário, preciso compartilhar minha experiência. Se eu ficar em silêncio, acho que vou adoecer ainda mais."

O ataque de 28 de outubro de 2021 — conhecido como o caso Las Londras, em referência à área onde Suárez e seus colegas faziam a cobertura — é um dos maiores casos de impunidade relacionados à violência contra jornalistas na Bolívia. É um dos poucos ataques contra jornalistas que chegou à fase de julgamento, embora quatro anos depois esteja paralisado, disse Raquel Guerrero, advogada dos jornalistas, à LJR

Detidos e ameaçados

Segundo depoimentos prestados às autoridades e à imprensa, os homens armados levaram Suárez e seus colegas para o acampamento deles. Lá, obrigaram os jornalistas e policiais a se deitarem de bruços no chão, chutaram-nos e caminharam sobre eles. Cada repórter foi interrogado separadamente, de acordo com Suárez.

Os agressores os obrigaram a assinar documentos prometendo nunca mais voltar e os mantiveram detidos por seis horas. Os documentos — posteriormente autenticados pelos próprios agressores — fazem agora parte do processo judicial.

Segundo Suárez, a Associação de Produtores de Oleaginosas e Trigo (Anapo) os havia levado ao local para que vissem a situação. Suárez estava acompanhado por Silvia Gómez López e o cinegrafista Sergio Martínez Galarza, da Red Unitel; Mauricio Egüez Simoné e o cinegrafista Nicolás García Iriarte, da Red Uno; e Jorge Gutiérrez Ávila, do jornal El Deber.

As câmeras foram devolvidas aos jornalistas, quebradas e com marcas de tiros. A equipe técnica do canal de Suárez conseguiu recuperar as imagens, que foram usadas para pressionar as autoridades a avançarem no caso. O vídeo acabou sendo divulgado na mídia e compartilhado com a LJR.

"O que mais me afeta é ver minhas próprias imagens, as que eu fiz, e ver a injustiça de que, mesmo com tantas provas, esse processo não avança", disse Suárez. "Em vez de agir, essas pessoas, esses agressores, estão sendo protegidos."

As cinco pessoas acusadas permanecem em liberdade. Guerrero explicou que as acusou de "tentativa de assassinato", enquanto o Ministério Público as acusou de "tentativa de homicídio". Segundo a advogada, houve intenção e premeditação no ocorrido naquele dia. A pena máxima para esse crime é de 20 anos de prisão. Eles também enfrentam outras acusações, como privação de liberdade, tortura, lesões corporais graves, sequestro, roubo agravado, porte ilegal de armas e atentado contra a liberdade de imprensa.

Foi somente no último dia 9 de julho que o julgamento começou. No entanto, em 5 de agosto foi suspenso após três dos acusados solicitarem uma mudança de jurisdição. Ou seja, passar da justiça ordinária para a Jurisdição Indígena Originária Camponesa (JIOC). Guerrero argumenta que o pedido é inválido porque as pessoas não fazem parte de comunidades indígenas.

"Estamos em um conflito de competência. O Tribunal Constitucional é a autoridade máxima que deve resolver esta situação", disse Guerrero. "Enquanto isso, o caso Londras vai continuar paralisado, vai continuar suspenso até que isso seja resolvido e encaminhado ao Tribunal Ordinário, para onde o caso já estava sendo levado."

‘Violência sistemática com impunidade’

No marco do Dia Internacional para Acabar com a Impunidade dos Crimes contra Jornalistas, comemorado em 2 de novembro, a Associação Nacional de Jornalistas da Bolívia (ANPB, na sigla em espanhol) e o Círculo de Mulheres Jornalistas de La Paz emitiram um comunicado no qual exigiram investigações independentes e sanções efetivas.

"Fizemos um balanço a respeito e nossa conclusão é definitiva: durante todo o ciclo que está se encerrando — estamos falando do governo do MAS [Movimento ao Socialismo] — vivemos em um cenário de violência sistemática com impunidade", disse Zulema Alanes, presidenta da ANPB, à LJR.

Segundo a ANPB, entre 2021 e 2025, foram registradas 679 violações à liberdade de imprensa na Bolívia sem condenações exemplares.

“Nenhum dos processos judiciais movidos por jornalistas e por nossos sindicatos exigindo investigação resultou em reparação e justiça”, disse Alanes.

Somente em Santa Cruz, foram movidas 15 ações judiciais relacionadas a ataques à imprensa, além de Las Londras, mas nenhuma recebeu resposta, disse Alanes. "Não temos sequer avanços na fase de investigação.”

O Índice de Chapultepec, realizado pela Sociedade Interamericana de Imprensa e que monitora a liberdade de expressão, classificou a Bolívia como um país de alta restrição à imprensa e como um dos piores países da região no enfrentamento à impunidade.

A LJR solicitou informações ao Ministério Público da Bolívia sobre o caso Las Londras e outros crimes cometidos contra jornalistas, mas até o fechamento desta matéria não havia recebido resposta.

Por ora, as vítimas e organizações como a ANPB depositam suas esperanças na mudança de governo com a chegada de Rodrigo Paz, que porá fim a 20 anos do MAS no poder.

A ANPB tem uma reunião agendada com o presidente eleito, na qual apresentará, entre outras coisas, as reivindicações feitas recentemente nas vésperas do aniversário do caso Las Londras. A obtenção de justiça nos crimes contra jornalistas e a criação de um mecanismo de proteção fazem parte delas.

"Qual é a força que eu tenho? A de que em 8 de novembro esse governo muda", disse Suárez. "Não há uma única punição para nenhum desses agressores: sejam eles funcionários públicos, policiais ou os grupos interculturais que se autodenominam braço de apoio do governo, e é daí que vem a proteção. Esperamos que tudo isso mude. Essa é a esperança que temos."



Traduzido por Marta Szpacenkopf
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