Para o jornalista brasileiro André Biernath, da BBC Brasil, o impacto da desinformação na pandemia de COVID-19 pode ser visto pelo fato de que antes mesmo de a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar a pandemia, já falava em "Infodemia".
“É simbólico e é muito importante entender o momento em que vivemos”, disse Biernath durante o 14º Colóquio Ibero-Americano de Jornalismo Digital durante o painel “Desafios na cobertura da pandemia na América Latina em meio à 'infodemia'”, a epidemia de desinformação”.
O painel, que foi moderado por Belén Zapata, apresentadora do Canal 44 da Universidade de Guadalajara (México), contou com a presença do jornalista científico argentino Federico Kukso; a jornalista espanhola Ana Tudela e a portuguesa Catarina Carvalho, além de Biernath.
Biernath destacou que o manejo da pandemia no Brasil tem sido difícil devido às mensagens contraditórias das autoridades. Segundo o jornalista, enquanto algumas autoridades publicaram mensagens contra o uso de máscaras, distanciamento social e até deram informações erradas, os cidadãos ouviam outra mensagem de quem coordenava o combate à pandemia no país.
“Se as pessoas não recebem a comunicação e não entendem a importância das medidas necessárias no momento de conter a crise, é impossível enfrentá-la”, lembrou Biernath, citando o que lhe disse a coordenadora do Médicos Sem Fronteiras no Brasil.
Kukso quis destacar seis pontos que para ele marcaram a cobertura da pandemia em meio à infodemia. Entre eles está o que ele chamou de "turbilhão de informações" que inclui uma hiperprodução científica. Segundo ele, jornalistas que não cobriram ciência não estavam familiarizados com os "preprints" ou a importância das retratações no campo científico. “[Eles não sabiam] a importância de comunicar ao público como é o processo de fazer ciência. Que talvez as evidências mudem em alguns meses", disse ele.
O jornalista argentino também mencionou como um desafio a necessidade de dar boas notícias e ter cuidado ao dar os resultados de uma pesquisa científica. Ele também apontou a má atuação de muitos comunicadores sobre o assunto. Ele apontou como exemplo comunicadores que tomaram produtos prejudiciais à saúde diante de uma câmera, que convidaram pessoas antivacinas para seus programas ou que não sabiam a diferença entre um vírus e uma bactéria.
Por fim, Kukso destacou que não é possível falar de qualidade no jornalismo sem falar das condições de trabalho dos jornalistas. “Muitas vezes é muito difícil trabalhar com qualidade se você tem cinco ou seis empregos ao mesmo tempo. No campo do jornalismo, nas sessões anteriores, falou-se muito sobre inovação, tecnologia e machine learning, mas pouco se falou sobre como os jornalistas são mal pagos na América Latina. Essa situação econômica afeta muitas vezes a forma como um assunto é coberto”.
Embora Catarina Carvalho, cofundadora de A Mensagem, tenha concordado com Kukso na má atuação de alguns jornalistas, considerou que em geral em Portugal se fez um bom trabalho para que a desinformação não ganhasse tanto espaço no país. Assegurou que, por exemplo, ao contrário de outros países, as autoridades de lá não deram muito espaço à desinformação e, pelo contrário, tentaram ser o mais claras possível.
“As autoridades portuguesas conseguiram transmitir as informações corretas”, disse Carvalho, dizendo que 90% das pessoas no país querem ser vacinadas. No entanto, ela disse que houve sim um problema com a reabertura da economia um pouco rápida, o que fez com que a terceira onda chegasse mais cedo do que em qualquer país europeu.
“Mas eu diria que o balanço geral é que estamos em uma situação bastante calma. O governo reabriu, e que 9 em cada 10 pessoas queiram ser vacinadas, diz muito”, disse. "A infodemia não venceu aqui."
Para Ana Tudela, cofundadora do Datadista, a pandemia foi um bom momento para jornalistas e mídia reconquistarem a confiança do público. Segundo Tudela, o que a equipe do Datadista tentou fazer ao cobrir a pandemia é o que costuma fazer: interpretar e trabalhar com grandes bancos de dados para torná-los mais "amigáveis" para as pessoas.
No entanto, Tudela destacou que a “avalanche” de informações por parte das autoridades foi muito grande: coletivas diárias de imprensa, boletins informativos, publicações nas redes sociais, etc. A isso foi adicionado que os dados diários relacionados ao COVID-19 vieram em PDF. “É um caso que parece mentira no século XXI. PDF é o formato antiinformativo quando falamos de dados”, garantiu Tudela.
A equipe do Datadista optou por utilizar ferramentas de extração de dados de forma semiautomática que permite atualmente ter 60 bancos de dados acessíveis e reutilizáveis que são usados por seus assinantes. “Um dos nossos orgulhos é que os cientistas o usaram porque não têm a quem recorrer”, disse Tudela.
Por sua vez, Belén Zapata explicou sua experiência com o programa "Coronavirus, a pandemia", promovido pelo canal da Universidade de Guadalajara, como exemplo do que a academia tem feito para ajudar no combate à desinformação. Segundo Zapata, o programa foi pensado para ter duas semanas e já dura mais de um ano, e ainda não está claro quanto tempo vai durar.
O objetivo do programa sempre foi prevenir a doença e evitar o maior número de mortes. Atualmente o programa também é visto em outros países como Colômbia, Guatemala, Honduras, Chile, entre outros; e possui alianças com canais e agências como EFE e DW.
Uma das perguntas que gerou uma resposta mais contundente dos palestrantes foi em relação a dar voz às pessoas antivacinas e se isso não estaria enquadrado no direito à liberdade de expressão. Kukso, o mais enfático na resposta, destacou que os jornalistas devem sair da falsa dicotomia do jornalismo de dar voz a todas as partes.
"Há uma confusão. Há um costume antiquado do jornalismo, chamado de dois lados. Existem problemas para os quais não existem dois lados. É como dizer que sou a favor da gravidade e sou contra a gravidade”, disse Kukso. “Quando uma pessoa, um médico antivacina que vai contra todas as evidências científicas de décadas, sai dizendo que as vacinas são um veneno, isso é um crime, é um perigo para a saúde pública. [...] O papel do jornalista não é ser, como alguém disse, um Big Brother, é informar, contar a história, manter a sociedade informada. O jornalista tem que sair dessa falsa dicotomia dos dois lados”.
Carvalho concordou com Kukso e acrescentou "existem fatos, não verdades absolutas, mas existem fatos".
Entre os outros assuntos discutidos esteve a necessidade de ter mais jornalistas científicos na folha de pagamento da mídia (com ou sem pandemia), a falta de transparência nos contratos de vacinas que levou a mais desinformação sobre elas, como continuar reportando apesar das mentiras divulgadas pelos próprios governos e o acúmulo de vacinas pelos países desenvolvidos.
Para ver as minibiografias dos palestrantes, clique aqui. Você pode assistir ao vídeo de todo o Colóquio em espanhol e em português. O encontro anual, tradicionalmente realizado após o Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ), é organizado pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas com o apoio da Google News Initiative.