Com a sanção da presidente Dilma Rousseff nesta sexta-feira, 18 de novembro, o Brasil passou a ser o 89º país do mundo a ter uma lei de acesso à informação pública, comemorou o Fórum de Acesso a Informações Públicas. A regra, que garante o acesso de qualquer interessado a dados e documentos de todas as esferas da administração pública e de entidades privadas que recebam recursos públicos, entrará em vigor em seis meses.
O texto sancionado, detalhado em uma publicação da ONG Artigo 19, não sofreu alterações substanciais em relação ao aprovado pelo Senado. Segundo o portal Terra, a presidente vetou apenas dois dispositivos: foram retirados dois trechos do artigo 19 (segundo os quais as negativas de acesso a informações relativas a direitos humanos deveriam ser encaminhadas ao Ministério Público e de informações de "matéria sujeita à fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial das referidas Cortes" deveriam ser encaminhadas aos Tribunais de Contas) e o artigo 35 (que estabelecia a Comissão Mista de Reavaliação de Informações).
A longa jornada até a aprovação da lei teve um aliado fundamental: o jornalista Fernando Rodrigues. À frente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, ele foi um dos principais responsáveis pela conquista de uma regulamentação brasileira para o direito constitucional ao acesso à informação.
Em conversa com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, Rodrigues falou das perspectivas abertas com a aprovação da lei e dos próximos passos rumo a uma nova cultura governamental de transparência e acesso.
Knight Center: Você foi um dos principais responsáveis pela campanha em prol da aprovação de uma lei de acesso no Brasil. Qual foi o maior desafio nessa jornada?
Fernando Rodrigues: O maior obstáculo foi vencer a cultura da opacidade ou da pouca transparência. Havia uma acomodação geral das instâncias governamentais sobre a não existência da lei. Foi difícil convencer autoridades e até mesmo a sociedade civil sobre a necessidade do Brasil de adotar regras mais claras para facilitar o acesso às informações públicas. Isso foi um trabalho de evangelização que contou com o apoio de várias organizações, dentre as quais destaco a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a ONG Contas Abertas e a Transparência Brasil. E o processo foi lento, pois é difícil você criar uma cultura nova dentro de uma sociedade. Mas uma etapa já foi vencida.
KC: E quais são os próximos passos?
FR: A lei por si só não resolve nada. Agora haverá uma etapa ainda mais difícil que vai ser a da lei na prática. Vamos ter que esperar que o governo publique uma boa regulamentação da lei e, durante esse processo de seis meses, a sociedade civil deverá se manifestar e participar. A regulamentação trará os detalhes sobre a lei: quais dados objetivamente precisarão constar em um pedido de informação, como cada órgão deverá proativamente colocar suas informações à disposição do público, etc. Tudo isso deve ser detalhado. É fundamental que associações de diversos setores se manifestem e incentivem suas áreas a requererem informações públicas. A lei só vai ser testada e aprimorada quando os cidadãos brasileiros pedirem informações. Outro passo muito importante diz respeito ao treinamento dos servidores públicos de todos os órgãos governamentais nas cidades, nos estados e no governo federal, para que eles saibam como tratar as informações produzidas e torná-las públicas. Essa é uma tarefa difícil e não vai ser cumprida em pouco tempo, pois envolve alterar a cultura de milhares de servidores.
KC: Qual o impacto da lei aprovada na rotina dos jornalistas?
FR: Para os jornalistas brasileiros, essa lei é uma benção, pois dará um amparo legal maior no momento de alguma investigação que envolva entidades governamentais. Muitos jornalistas não conhecem o texto da lei e as redações terão de se empenhar em fazer cursos de capacitação. A Abraji já tem vários cursos programados sobre o tema.
KC: O especialista Gregory Michener afirmou em entrevista ao KC que a estrutura necessária para a aplicação de uma lei como essa é cara. Esse custo pode ser um entrave ao cumprimento da lei aqui no Brasil, especialmente em outros níveis que não o federal?
FR: Ninguém sabe ainda qual será o custo exato da lei, mas certamente ela terá um custo. E ele precisará ser incluído nos próximos orçamentos de todas as esferas de governo. A expectativa, segundo o ministro chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, é de que os orçamentos do ano que vem sejam alterados para abarcar gastos específicos com a lei de acesso. E isso não é só no governo federal, mas em 5.600 cidades e em 27 estados. O despreparo orçamentário é generalizado e isso fará parte das dificuldades iniciais da aplicação da lei. Caberá à sociedade cobrar para que os governos tenham reservado o dinheiro necessário para aplicar a lei corretamente.
KC: Alguns especialistas alertam para brechas na lei nos níveis estadual e municipal, como a ausência de órgãos recursais, entre outros problemas. Qual o saldo, em sua opinião, da lei aprovada?
FR: Gostaria de fazer uma ressalva logo de início. A lei de acesso às informações públicas no Brasil é uma das mais amplas aprovadas no planeta terra. Se ela vai vigorar ou não, veremos depois, se a sociedade cobrar e os governos cumprirem. Mas é raro haver no mundo, em um país das proporções do Brasil, uma legislação tão ampla que sirva para todos os seus níveis. Dito isso, caímos na história do copo meio cheio ou meio vazio. Quem olha o copo meio vazio vai achar que a lei não vai pegar nos municípios, que ela não detalha as formas das pessoas reclamarem nesses níveis se não receberem os dados, que o Brasil tem muitos municípios sem dinheiro e não haverá fiscalização. A forma de ver o copo meio cheio é lembrar que a lei é federal e que qualquer cidadão, com algum esforço, poderá fazer pedidos de informação em municípios pequenos pelo interior do país e estará amparado pela lei, algo que não é possível na imensa maioria dos países. É uma coisa boa o que está acontecendo. A lei não é perfeita, mas isso é um pleonasmo, não existe lei perfeita. Nunca há unanimidade em torno de uma lei. O fato relevante é que a sociedade civil conseguiu que a lei tivesse uma abrangência inaudita, abarcando inclusive empresas de capital misto, autarquias, não se vê isso em outros locais. Vai ser difícil que a cultura da transparência se instale em 5.600 municípios e vai ser difícil imaginar que 5.600 prefeitos e câmaras de vereadores passem da noite para o dia a ser transparentes. Mas a lei existe e os cidadãos poderão cobrar os seus governantes. Então o saldo é muito mais positivo do que negativo. É claro que ninguém deve ser tolo de achar que depois de amanhã tudo vai ser diferente, mas a lei é um instrumento democrático fortíssimo para ajudar a mudar a cultura e dar mais transparência aos governos.
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