Por Oscar Ricardo Silva e Christina Noriega
Em 13 de setembro, o governo guatemalteco postou fotografias de um artigo não publicado, planejado para sair três dias depois no jornal elPeriódico, levantando dúvidas quanto à possibilidade do governo ter espionado a redação.
As imagens, que foram postadas no site da vice-presidente da Guatemala, Roxana Baldetti, antes do artigo respectivo ser publicado, mostravam partes da matéria que relacionava Baldetti a empresários supostamente beneficiados com contratos governamentais. No mesmo dia, El Periódico disse que as fotografias do artigo completo apareceram na página inicial do site do governo. O conselho editorial do jornal condenou veementemente as ações do governo, que podem ter maiores implicações sobre a forma como o Estado está monitorando os meios de comunicação do país.
"Agora, [o governo] fez algo inédito", disse El Periódico em um comunicado divulgado na segunda-feira, 15 de setembro. "No último sábado, 13 de setembro, uma reportagem que será publicada amanhã foi tomada de forma ilegal, imoral e clandestina por espiões do governo."
O artigo, "Uma Tarde no rancho da vice-presidente", descreve uma fazenda - no valor de 3,2 milhões de dólares - de propriedade de Roxana Baldetti, e levanta questões a respeito de como Baldetti tinha pago pela propriedade ao destacar laços com empresários renomados no país. Embora Baldetti tenha afirmado que a propriedade foi comprada em 2008, bem antes dela tomar posse em janeiro de 2012, seu envolvimento na política da Guatemala remonta a 2001, quando ela ajudou a fundar o Partido Patriota com Otto Perez Molina, o atual presidente. Ela foi eleita para o Congresso da Guatemala em 2004.
Enquanto o jornal alegou que as fotografias do artigo não publicado eram evidências claras de que o governo da Guatemala estava espionando sua redação, Baldetti afirmou no Twitter que ela recebeu uma cópia do artigo em um envelope enviado anonimamente, e que havia respondido a isso publicamente em seu site porque o jornal não tinha buscado sua opinião sobre o tema. Ela postou uma série de tweets para enfatizar seu apoio a uma imprensa livre e seu respeito pelas práticas jornalísticas, insistindo que o governo não espiona os meios de comunicação. Baldetti acrescentou, no entanto, que o governo não aceitaria difamação ou mentiras.
O episódio levantou uma série de acusações controversas entre a publicação e autoridades.
Segundo o secretário de Comunicação Presidencial, Francisco Cuevas, funcionários do El Periódico descontentes com o tratamento do veículo ao atual governo que vazaram a história para Baldetti, embora ele não tenha explicado por que o governo escolheu postar uma resposta preventiva.
Um comunicado do governo afirmou que o proprietário do elPeriódico José Rubén Zamora era culpado de "dirigir uma campanha de difamação contra os chefes de Estado", acrescentando que "uma fonte oficial disse que [José Rubén Zamora] insiste em revelar informação falsa e pública sobre os bens do presidente e da vice-presidente, com base em fontes não confiáveis e montagens de fotos. Esta situação deixa claro que suas acusações não têm veracidade e precisão".
Não foi a primeira vez que elPeriódico teve Baldetti como alvo. Em 8 de abril de 2013, o jornal publicou a matéria “O conto de fadas sem um final feliz -. A história de uma presidência em crise”. Nela, jornalistas descreviam numerosos escândalos envolvendo a presidência e questionavam a origem do recém-descoberto aumento em sua riqueza. Depois da publicação, o jornal passou por um ataque cibernético que retirou seu site do ar e, em dezembro de 2013, uma ordem de proteção foi emitida impedindo o fundador e editor do elPeriódico de se aproximar de Baldetti.
Em janeiro de 2014, o presidente Otto Perez Molina entrou com uma ação criminal contra Zamora, acusando-o de coerção, chantagem, extorsão, de violar a constituição e insultar o presidente. Embora a denúncia tenha sido abandonada, Perez Molina disse que continuaria o processo judicial contra Zamora em um tribunal civil e Zamora chegou a ser impedido de deixar o país.
Apesar da atenção internacional dada à resposta preventiva do governo ao artigo não publicado pelo elPeriódico, tudo indica que a batalha está longe de terminar.
De acordo com um post recente de Zamora no Facebook, o jornail é alvo atualmente de 71 ações legais, incluindo por difamação, sedição e violência contra a mulher. Seu website já saiu do ar 15 vezes graças a ciberataques. As ações governamentais e as acusações de espionagem levaram a uma visita em fevereiro de 2014 de representantes da Associação Interamericana de Imprensa, que viajaram à Guatemala para investigar o estado de liberdade de imprensa, mudanças na segurança de jornalistas e alegações de que o governo estaria pressionando empresas a não anunciar no elPeriódico.
Em uma declaração feita na semana passada, a SIP respondeu aos recentes eventos envolvendo o elPeriódico, chamando-os de "um novo abuso por parte do governo para atacar a liberdade de imprensa".
Embora Zamora ainda não saiba ao certo como o governo obteve a matéria, ele acredita que envolveu espiões plantados em meio à equipe do jornal ou via acesso ilegal à redação. Independentemente da forma como a informação foi obtida, Zamora alegou que foi um ato rude, ilegal, imoral e clandestino".
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.