texas-moody

Jornalista brasileiro cria mapa mundial de música de rua e ganha bolsa de empreendedorismo em Nova Iorque

Os próximos Eric Clapton, Bob Dylan ou Édith Piaf podem estar ao seu lado, tocando em alguma esquina ou estação de metrô, afirma o jornalista brasileiro Daniel Bacchieri, criador do StreetMusicMap, uma das plataformas mais ativas sobre música de rua do mundo.

"Todos esses grandes nomes começaram na rua, tem muita gente boa fazendo isso. Mas hoje em dia nós corremos tanto, que nem prestamos atenção nas coisas ao nosso redor", afirmou o jornalista, em entrevista ao Centro Knight. Com o objetivo de dar visibilidade aos músicos de rua, Bacchieri criou o StreetMusicMap, um projeto que já reúne mais de 1.200 vídeos de artistas de 93 países.

Publicados no Instagram ou no site do projeto, os vídeos geralmente são curtos - entre 15 segundos e 1 minuto - e mostram músicos se apresentando em metrôs, praias, praças ou calçadas do interior e capitais do Brasil, bem como da Rússia, Vietnã, Irã, Sudão, entre outros países.

Além de fazer a gravação dos artistas que encontra, o jornalista faz pesquisas na internet, buscando vídeos de novos músicos e também recebe sugestões de colaboradores. O perfil do projeto no Instagram tem mais de 42 mil seguidores.

Para Bacchieri, o o StreetMusicMap é "uma reportagem diária sobre música de rua". "Eu me considero um repórter não importa o nome do meu cargo, porque eu sempre busco contar uma história, quando estou produzindo, escrevendo ou gravando. No projeto, eu estou reportando o que a rua oferece, então é reportagem", afirma.

O projeto é tocado com a própria renda do jornalista e no seu tempo livre. Natural de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, Bacchieri trabalha como freelancer em São Paulo, fazendo produção audiovisual para documentários e publicidade. "Cada vez eu dedico mais tempo ao StreetMusicMap, cada hora de folga que eu tenho", conta.

Por enquanto, o projeto não gera renda, nem para o jornalista, nem para os músicos. É justamente isso que Bacchieri quer mudar com o programa de Empreendedorismo em Jornalismo do Tow-Knight Center, da The City University of New York (CUNY).

Bacchieri foi um dos bolsistas selecionados para a edição de 2017 do curso, especializado em desenvolver novos modelos de negócios em comunicação.

"Vou receber feedbacks de colegas, professores e de startups dos EUA, e trocar experiências nesse ambiente de universidade e de novos negócios. Acho que vou aproveitar muito esse intercâmbio profissional e cultural", disse.

Bacchieri, que se formou em jornalismo em 1999, destaca a importância de ter conhecimentos de gestão e negócios.

"Naquela época, nós éramos formados para ser um empregado de grandes corporações, um repórter, editor ou produtor. Ou seja, uma peça de uma engrenagem. Mas a crise do jornalismo afetou todo mundo, mesmo os grandes grupos. Então o jornalista hoje precisa buscar alternativas e, muitas vezes, tem que se tornar o comandante do navio. Nem precisa ser um navio, pode ser um pequeno barco e já dá para navegar", conta.

Apesar de não gerar renda, o projeto abriu portas para o jornalista. Ele começou a conhecer a cena musical de várias cidades e acabou se tornando uma referência no setor. Após o projeto, foi convidado para fazer a curadoria de música de rua de eventos de economia criativa como Festival Path, O.bra Festival, SIM São Paulo (Semana Internacional de Música de São Paulo), Prêmio Brasil Criativo e Caminhos da Música.

Histórico do projeto

O StreetMusicMap começou em 2014, com uma viagem de Bacchieri para a Ucrânia. Na ocasião, ele gravou um vídeo curto de um músico e publicou em seu perfil pessoal no Instagram.

"Ele estava tocando um instrumento de corda que eu nunca tinha visto, se chamava bandura. Eu ia tirar uma foto, mas o Instagram tinha acabado de liberar esse formato de vídeo, de 15 segundos. Eu fiz a gravação e percebi que 15 segundos era um tempo interessante para uma narrativa", lembra.

Depois da viagem, Bacchieri se mudou para São Paulo, por motivos profissionais, e passou a registrar músicos de rua que encontrava no caminho de casa.

"Eu passo muito pela estação de metrô Consolação, onde vários músicos tocam. Comecei a gravar e colocar os vídeos na minha conta pessoal do Instagram. Depois criei uma série, com a hashtag streetmicrodocs", conta.

Meses depois, Bacchieri participou de uma consultoria gratuita da Associação Brasileira de Startups (ABStartups) e mudou o nome do projeto para StreetMusicMap. Um amigo do jornalista sugeriu que ele colocasse os vídeos em uma conta própria do projeto no Instagram e foi assim que nasceu o canal.

"Depois o Instagram aumentou o tempo de vídeo para 1 minuto e isso foi muito importante para o projeto, porque já dá para trabalhar com short-docs, dá para contar uma bela história", afirma.

Com o canal criado, amigos e conhecidos começaram a enviar vídeos e o projeto se tornou colaborativo. Até hoje, Bacchieri recebe sugestões por email e seleciona o material que entra no StreetMusicMap. Além disso, o jornalista faz buscas de músicos de rua na Internet e os convida a colaborar. "Assim, o canal cresceu e as conexões se ampliaram", disse.

Por fim, Bacchieri também pesquisa vídeos públicos em perfis do Instagram e republica os que considera interessantes. Para isso, entra em contato antes com dono do perfil e pede autorização para publicar.

"Nunca recebi um não. A maioria dos músicos se sentem gratos com o compartilhamento", conta ele. Bacchieri procura sempre dar o crédito para o artista e para quem fez a gravação.

"No início, eu era purista e não postava sem o nome do músico. Mas, com o tempo, eu percebi que a plataforma se transformou em um canal de divulgação. Porque muitos artistas anônimos estavam sendo identificados nos comentários", afirma.

Esse foi o caso de um vídeo de uma harpista russa, tocando na Praça Vermelha, em Moscou. A gravação foi postada sem o nome dela e, minutos depois, a própria artista se identificou nos comentários: ":D wow! It's me! (Uau, sou eu)". Bacchieri, meio incrédulo, perguntou se ela era de fato a harpista, e ela confirmou.

Outro artista que o projeto ajudou a divulgar foi uma americana, que cantava em Austin, nos EUA. Bacchieri postou o vídeo e, nos comentários, uma brasileira perguntou onde poderia encontrar mais músicas da cantora. A artista respondeu indicando o link. "Ela ganhou uma fã no Brasil através do projeto", comemora Bacchieri.

Em outro caso de repercussão do StreetMusicMap, uma assistente social que trabalhava na República Democrática do Congo enviou uma mensagem para Bacchieri agradecendo a sequência de vídeos publicados com músicos africanos. "Ela dizia que estava conseguindo explicar para alunos surdo-mudos as diferentes culturas do continente africano só com a expressão corporal dos músicos", contou.

No final de 2015, o responsável pela área de música do Instagram procurou Bacchieri e o entrevistou sobre o StreetMusicMap. A empresa publicou uma matéria sobre o projeto em seu blog e publicou o vídeo da harpista em seu perfil oficial. A conta do Instagram sobre música - @music - também repostou vídeos do projeto, dando visibilidade ao Streetmusicmap.

"O número de seguidores do projeto aumentou dez vezes e o vídeo da harpista russa já tem quase três milhões de views, no canal do Instagram. Isso foi importante para a conta disparar", afirmou Bacchieri.

Além do Instagram, o projeto também tem uma conta no Spotify com seleções de músicos de rua. São playlists temáticas, como Berlim ou Los Angeles por StreetMusicMap.

"O filtro [de escolha das músicas] no Spotify é de qualidade técnica. Já para o Instagram, o charme é que o vídeo te dê a sensação de estar viajando pelo mundo. Por isso eu gosto dos vídeos mais crus, com pouca produção. Tem o cachorro latindo, o carro passando e o retorno do público imediato. Esse som da rua é o diferencial, você se sente testemunha", explica.

Bacchieri conta que escolheu o tema do projeto por ser um grande admirador da música. Apesar disso, o jornalista não domina nenhum instrumento. "Não toco nada!", afirma, aos risos. E confessa: "eu criei o MusicStreetMap para mim, sou o fã número um do projeto".

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

Artigos Recentes