*Nota da Editora: Este artigo foi atualizado para incluir uma declaração do governo mexicano e esclarecer que tanto o New York Times quanto o Citizen Lab publicaram relatórios sobre a alegada espionagem. Também foi atualizado para incluir uma nota do Citizen Lab sobre a fonte das mensagens.
Depois de o jornal The New York Times publicar uma investigação revelando o uso de malware para infectar dispositivos eletrônicos de jornalistas e críticos da administração do presidente Enrique Peña Nieto, um grupo de jornalistas e defensores dos direitos humanos no México denunciou ter sido vítima de espionagem por parte de agências do governo daquele país.
Horas depois, a Presidência mexicana negou, por meio de uma carta dirigida ao The New York Times, que haveria evidência de que qualquer agência governamental estaria por trás da suposta espionagem.
O jornal norte-americano publicou, em sua primeira página do dia 19 de junho, uma investigação que revelou que um grupo de renomados jornalistas, ativistas anti-corrupção e defensores dos direitos humanos foi vítima de um programa de espionagem vendido exclusivamente para governos. O referido programa tem como finalidade original monitorar grupos criminosos e terroristas.
O ataque ocorre por meio de um software chamado Pegasus, desenvolvido pela empresa israelense NSO Group, que infecta telefones celulares para monitorar mensagens, e-mails e contatos, e também é capaz de usar o microfone e a câmera dos dispositivos para monitorar seus proprietários.
O Citizen Lab (Laboratório Cidadão) da Universidade de Toronto realizou uma investigação paralela revelando que entre os representantes da mídia que foram vítimas desta técnica de espionagem estão Carmen Aristegui e seus colaboradores Rafael Cabrera e Sebastián Barragan. . Salvador Camarena e Daniel Lizárraga, que participaram da investigação de Aristegui sobre a casa branca de Enrique Peña Nieto, e que atualmente colaboraram no portal Mexicanos contra a Corrupção e a Impunidade, também são mencionados. O apresentador do noticiário matutino do canal Televisa, Carlos Loret de Mola, também está entre os afetados.
O filho de Aristegui, que na época das supostas intervenções era menor de idade, também está na lista de pessoas espionadas divulgada pelo Citizen Lab e apresentada durante coletiva de imprensa organizada pela Rede em Defesa dos Direitos Digitais na Cidade do México, com representantes do Citizen Lab, da organização Artigo 19, e de muitas das pessoas afetadas.
A conferência foi realizada após a apresentação de denúncia feita à Procuradoria Geral da República pelos crimes de intervenção da comunicação privada e acesso ilegal a sistemas e equipamentos informáticos.
“Somos obrigados, como sociedade, a exigir que essas instituições respondam a esta denúncia e a todas as outras [...] Embora pareça sem sentido exigir que investiguem a si mesmos, temos que dar esse passo,” disse Aristegui durante a coletiva de imprensa. “O que o Governo do México tem a dizer sobre isso, que é o caso mais claro de abuso que se tem documentado a respeito do uso destas tecnologias por parte do governo contra os cidadãos?”
A jornalista disse que esta investigação publicada pelo The New York Times é um elemento de grande valor para a sociedade mexicana, onde a impunidade é uma ideia que prevalece em casos de ataques a jornalistas, em parte devido à falta de provas concretas em tais casos. A investigação, segundo ela, é prova irrefutável do assédio a jornalistas e de ações contra a liberdade de expressão.
A espionagem denunciada teria ocorrido por meio de um malware infiltrado nos dispositivos móveis das vítimas através de mensagens de texto que incluíam um link que, ao ser clicado, dava acesso à instalação do software.
De acordo com o relatório do Citizen Lab, Aristegui, seu filho e seus colaboradores receberam 56 mensagens entre 2015 e 2016. Carlos Loret de Mola recebeu oito mensagens durante o mesmo período, enquanto Salvador Camarena e Daniel Lizárraga receberam ao menos três desses SMS em maio de 2016.
O Citizen Lab destacou que as datas em que tais mensagens foram recebidas coincidem com as coberturas realizadas pelos jornalistas a respeito de casos sensíveis ao governo mexicano. No caso de Aristegui, a espionagem coincide com os momentos de suas reportagens sobre a casa branca do presidente Enrique Peña Nieto, o plágio de sua tese, e diversas violações dos direitos humanos no México.
As mensagens a Camarena e Lizarraga foram enviadas quando o portal Mexicanos contra a Corrupção e Impunidade publicou investigações sobre atos de corrupção do ex-governador de Veracruz, Javier Duarte, e do ex-diretor da Comissão Nacional da Água, David Korenfeld Federman.
“Não pode ser coincidência que precisamente nos momentos mais difícieis deste governo, quando deveriam dar explicações sobre massacres, execuções, atos de corrupção e os casos acompanhados pelos defensores dos direitos humanos, longe de dar as respostas institucionais necessárias, o que houve foi espionagem,” disse Aristegui, que durante a coletiva de imprensa pediu explicações ao presidente do México. “Tudo leva à presidência, não há duvida de que os agentes do Estado mexicano com possibilidade de adquirir esta tecnologia são o Exército, a PGR, o CISEN [Centro de Investigação e Segurança Nacional]. Existe comprovação de que eles adquiriram este tipo de tecnologia”.
Loret de Mola, que recebeu mensagens com o malware após a publicação de seu trabalho sobre execuções extrajudiciais em Tanhuato, Michoacán, pela Polícia Federal, disse que este caso de espionagem não é um evento menor, mesmo em meio ao atual clima de violência que inclui o recente assassinato de vários jornalistas no país.
“Não parece um assunto pequeno, mesmo em um contexto tão violento, porque por meio da espionagem se abre a porta para intimidação, assédio, censura, demissões, espancamentos, revoltas, sequestros, desaparecimentos, assassinatos, a impunidade que contribui para que nada seja investigado, que nada receba punição. Tudo está indo nessa mesma direção,” disse ele em uma mensagem de vídeo que foi postada em suas redes sociais. “É claro que eles querem que saibamos que estamos sendo espionados, eles querem nos fazer sentir vulneráveis. Eles criaram um clima de insegurança, de medo e impunidade a todos aqueles que buscam difundir verdades desconfortáveis.”
A Presidência mexicana disse em sua carta ao The New York Times que não há evidências de que as agências governamentais sejam responsáveis pela espionagem descrita na reportagem, e condenou quaisquer tentativas de se infringir a privacidade das pessoas.
"Para o governo da República, o respeito à privacidade e à proteção de dados pessoais de todos os indivíduos são valores inerentes à nossa liberdade, democracia e Estado de Direito," disse a carta, que foi publicada nas redes sociais pelo porta-voz da Presidência.
O Citizen Lab afirmou que "não há nenhuma evidência conclusiva que atribua estas mensagens a agências governamentais específicas no México. No entanto, evidências circunstanciais sugerem que um ou mais dos clientes governamentais do NSO Group no México são os prováveis operadores."
O NSO Group, empresa que desenvolveu o software, só vende o sistema de espionagem a agências de governo sob a condição de que seja usado apenas contra grupos criminosos. De acordo com reportagem do The New York Times, o custo para uso do software contra 10 usuários de iPhone é de $650 mil dólares, além de uma taxa de instalação de $500 mil dólares.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.