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Jornalistas de 11 países unem esforços em site sobre a Lava Jato

Um escândalo político que ultrapassa fronteiras, como a operação Lava Jato - a rede de corrupção e lavagem de dinheiro que se originou no Brasil e envolve políticos e empresários de vários países - requer um trabalho jornalístico transfronteiriço, colaborativo e persistente.

Com isso em mente, o site peruano de jornalismo investigativo Convoca e o jornal brasileiro Folha de S.Paulo coordenaram uma aliança de 20 jornalistas de 11 meios de comunicação, em outros nove países, para lançar a plataforma online Investiga Lava Jato, um portal com o objetivo de desenvolver e publicar reportagens aprofundadas sobre o esquema de corrupção que se expandiu para além do continente.

O Investiga Lava Jato, lançado em 4 de junho, também pretende formar uma comunidade para compartilhar informações entre meios de comunicação em diferentes países, conhecer a metodologia dos processos de pesquisa jornalística e encontrar padrões de corrupção nas nações envolvidas no escândalo, com o objetivo de enriquecer as investigações das publicações participantes.

"Conforme avançamos nas nossas indagações, percebemos que havia muitos personagens, e os fatos - como ocorre com a corrupção - transcendem fronteiras, então vimos que era necessário um esforço colaborativo", disse a diretora do Convoca, Milagros Salazar, ao Centro Knight.

"Nós vimos que havia ritmos diferentes de investigações em diferentes países. Na América Latina, a cobertura não estava sendo feita com jornalismo investigativo, indo além da notícia factual. Foi somente em dezembro de 2016, quando o Departamento de Justiça dos EUA decidiu tornar pública a informação fornecida pela Odebrecht, que a maioria dos veículos na região começou a analisar o assunto em maior profundidade e a se interessar pelos casos ".

O Investiga Lava Jato foi lançado com duas reportagens investigativas: "As provas do pagamento de propinas pela Odebrecht na Argentina", do veículo argentino, Diario Perfil, e "Odebrecht pagou mais de 13 milhões dólares em propina para megaprojetos na Venezuela", dos sites venezuelanos Runrun.es e El Pitazo.

Uma semana depois do lançamento, o site já publicou outras quatro matérias investigativas, sobre os casos da Lava Jato no México, Brasil e Peru.

O Investiga Lava Jato teve origem nas reportagens investigativas sobre as propinas de empresas de construção brasileiras, como Odebrecht e OEA, que veículos peruanos como Convoca e IDL Reporteros começaram a publicar em 2015. Na época, a maioria dos meios de comunicação no país andino não abordava o problema.

Como resultado dessas publicações, a Convoca criou uma plataforma inicial chamada Lava Jato en América Latina, lançada no início deste ano, que contou com reportagens investigativas e notícias de veículos parceiros, como IDL Reporteros, do Peru; Mexicanos Contra la Corrupción, do México; Ciper, do Chile; Sudestada, do Uruguay; La Prensa, do Panamá; e La Nación, da Argentina.

"Como havia um interesse crescente, e algumas matérias estavam sendo publicadas e estava tudo espalhado, o que eu fiz foi integrar as muitas matérias dos colegas, para que todo o trabalho investigativo esteja em um único site, com o objetivo de ajudar a difundir o trabalho que os colegas estavam fazendo", disse Salazar sobre a Lava Jato en América Latina.

Essa primeira plataforma tinha um mapa interativo, que também é usado na Investiga Lava Jato, e mostra a distribuição geográfica dos funcionários investigados na América do Sul. Além disso, também contava com podcasts sobre o assunto produzidos pela equipe da rádio online da Convoca.

Conforme as investigações judiciais e noticiosas sobre o caso avançavam, os jornalistas perceberam que os braços da rede de corrupção se espalhavam para mais países, como a Venezuela e a República Dominicana, e descobriram que as propinas das empresas envolvidas haviam chegado a países fora da América Latina, como Moçambique e Angola.

Assim, Convoca decidiu levar o projeto para a próxima etapa e criar uma segunda plataforma, agora não somente com o objetivo de compilar as matérias dos veículos envolvidos, mas também de unir esforços com mais meios de comunicação e realizar reportagens conjuntas mais aprofundadas sobre as novas descobertas.

"Nós decidimos que Milagros (Salazar) e eu coordenaríamos a plataforma juntos, ela faria mais a coordenação do site, as ligações com os colegas, e eu faria a parte de coordenação do conteúdo, porque a base de dados está no Brasil, e nós tínhamos uma memória mais longa do caso, das pessoas envolvidas", disse Flávio Ferreira, jornalista da Folha de S. Paulo, ao Centro Knight. "É um projeto coordenado pela Convoca e Folha de São Paulo".

Jornalistas do Convoca (Peru), Folha de Sao Paulo (Brasil), Diario Perfil (Argentina), portal Mil Hojas (Equador), El Faro (El Salvador), Plaza Pública (Guatemala), Mexicanos contra la Corrupción y la Impunidad (México), sites venezuelanos Runrun.es e El Pitazo, e Jornal Verdade (Moçambique) participam do Investiga Lava Jato. Jornalistas e analistas de dados do ColombiaCheck e Consejo de Redacción, da Colômbia, e a Iniciativa Regional de Jornalismo Investigativo na América Latina do ICFJ e a Conectas também estão envolvidos.

"Agora esse projeto é um trabalho de produção investigativa, não apenas difusão", disse Salazar. "Neste momento, é um projeto global. Decidimos liderá-lo com a participação de todos esses jornalistas com o objetivo de ir além do jogo de declarações e fazer emergir os fatos".

Salazar disse que a Investiga Lava Jato tem uma ênfase especial em apoiar jornalistas de países com mais problemas sociais e mais obstáculos para acessar informações, como a Venezuela ou Angola, onde a colaboração é particularmente necessária. Essa troca vai desde a atualização de jornalistas sobre o avanço das investigações judiciais da Lava Jato até o compartilhamento de documentos. O objetivo é aprofundar questões que não puderam ser aprofundadas por falta de colaboração dos promotores em seus próprios países.

"Eu diria que nosso trabalho é para o público, mas também há um trabalho interno, para que a gente se torne uma comunidade de jornalistas que colaboram juntos, que trabalham juntos, compartilhando conhecimento, que juntos vão publicar revelações, fatos de interesse público", disse Salazar. "Mas, além disso, aprendemos juntos porque muito da cobertura de Lava Jato tem a ver com a compreensão dessa complexidade dos fatos".

O trabalho interno da Investiga Lava Jato consiste em treinamento online para jornalistas, assistência tecnológica em temas como compartilhamento de documentos pela internet com segurança e manutenção de canais de comunicação seguros por meio de bate-papo criptografados. Os jornalistas também têm reuniões virtuais pelo menos uma vez por semana.

"O maior aprendizado foi o de propiciar a colaboração entre colegas", disse Raul Olmos, jornalista da organização Mexicanos contra la Corrupción y la Impunidad, ao Centro Knight. "Isso pode nos ajudar para que nossa informação flua mais rápido e para que o impacto de nossas investigações se multiplique, isso é o que mais nos interessa, que tenha uma repercussão".

Como a plataforma inclui países além da América Latina, os coordenadores da Investiga Lava Jato planejam, no médio prazo, traduzir parte da pesquisa para outras línguas, como o português e o inglês, embora, por enquanto, todo o conteúdo esteja em espanhol.

Cada reportagem é financiada pelo veículo que a realiza, e a plataforma é apoiada por recursos dados pelos leitores da Convoca. No entanto, a organização está buscando financiamento de organizações internacionais para tornar o projeto sustentável.

Os jornalistas da Investiga Lava Jato já analisaram mais de 8.000 documentos e construíram uma bases de dados com informações de 10 países. A comunidade de jornalistas investigativos quer continuar rastreando documentos e informações nos países envolvidos e entrevistando indivíduos importantes no caso.

"O projeto vem crescendo, e vimos que existe a intenção de poder transcender o jogo político das confissões das empresas e dos próprios funcionários investigados, transcender o jornalismo declaratório do 'disse, disse, disse' e mergulhar no fatos, revisar arquivos, entrevistar pessoas e trocar informações, para que os fatos emerjam e contribuam para acabar com a impunidade e com todo esse sistema de corrupção", disse Salazar.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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