Depois que o governo de Porto Rico publicou que a passagem do furacão Maria sobre a ilha deixou apenas 64 pessoas mortas, meios locais como o Centro de Jornalismo Investigativo (CPI, por sua sigla em espanhol) começaram a questionar as estatísticas oficiais e investigar.
Lidando com a opacidade de dados do governo divulgados após a passagem da tempestade, três redações, incluindo CPI, a Associated Press e Quartz, trabalharam durante meses na reportagem conjunta “Los Muertos de María” (“Os mortos de Maria”), documentando o que aconteceu após o furacão de categoria 4 atingir a ilha em 20 de setembro de 2017. Publicado um ano depois da tragédia, a reportagem multimídia elucida os efeitos reais do furacão na ilha, levando em conta a crise ambiental e de saúde que causou.
"É o tipo de história que você nunca gostaria de escrever porque é uma história muito triste, que envolve muitas famílias e muitas pessoas e eu acho que isso gera muitos sentimentos nas pessoas", disse a diretora executiva do CPI, Carla Minet, em entrevista ao Centro Knight.
"Mas, ao mesmo tempo, é o tipo de história que não teria sido possível conhecer se não fosse pelos jornalistas, porque tem havido todo um padrão do governo, tanto do governo de Porto Rico quanto do governo dos EUA, para eludir ou subestimar o número de mortes que aconteceram devido ao furacão", acrescentou.
O repórter Omaya Sosa Pascual, do CPI, começou a coletar e publicar informações sobre o caos do furacão Maria poucos dias depois dele atingir a ilha, em 20 de setembro do ano passado.
Alguns meses depois, em novembro de 2017, Quartz se aproximou do CPI para, juntos, gerar um questionário online que poderia reunir os depoimentos de pessoas que tiveram parentes que morreram devido ao furacão. Segundo Minet, esse questionário foi elaborado com a ajuda de especialistas em saúde pública. Eles promoveram o questionário no rádio, em diferentes mídias e nas redes sociais, reunindo mais de 400 casos que precisavam ser verificados.
Em fevereiro de 2018, o CPI denunciou a diretora do Registro Demográfico de Porto Rico, Wanda Llovet Díaz, por não fornecer informações públicas sobre as mortes que ocorreram na ilha após o furacão, após vários pedidos feitos pela mídia.
No processo, pediram certidões de óbito, assim como as autorizações de sepultamento e cremação emitidas em Porto Rico, de 18 de setembro de 2017 até a data mais recente, detalhada por dia e por município.
No início de junho de 2018, um tribunal decidiu em favor do CPI e da rede internacional de notícias CNN en Español, que era outro dos reclamantes, e depois disso o governo lhes forneceu muitas das informações necessárias, como relatado no Primera Hora.
Foi naquele mês, disse Minet, que a AP contatou o CPI para colaborar jornalisticamente.
Segundo a diretor executiva do CPI, entre julho e setembro, Quartz, AP e CPI realizaram exaustivamente a verificação de dados e entrevistas com dezenas de parentes e conhecidos de pessoas que morreram por causa do furacão María.
"Também tivemos a colaboração de um grupo de cerca de 10 estudantes de psicologia clínica da Universidade Carlos Albizu, que são treinados para fazer entrevistas e nos ajudaram a aplicar o protocolo de entrevista com muitas das famílias", disse Minet.
"O trabalho de campo foi bastante intenso", explicou Minet. "Uma vez que as entrevistas foram feitas por telefone, houve uma seleção de casos emblemáticos cujas entrevistas foram gravadas [em vídeo] em pessoa e com muito mais profundidade, tanto pela AP, quanto pelo Quartz e por nós [CPI]", disse ela.
O desenvolvimento da plataforma de reportagens e a organização dos dados ficaram sob responsabilidade do Quartz. YouYou Zou foi o designer do banco de dados e do site da reportagem.
O projeto é apresentado de forma interativa, com vídeos, fotografias e legendas que contam, mês a mês e em detalhes, a história dos 487 depoimentos documentados pelos três meios de comunicação. O material foi publicado em espanhol e inglês. De acordo com Minet, Quartz foi o principal responsável pela versão em inglês.
Ana Campoy, repórter da América Latina no Quartz, e Michael Weissenstein, diretor de notícias da AP para o Caribe, lideraram as equipes jornalísticas para a reportagem conjunta sobre a ilha.
"Apenas um trabalho tão exaustivo quanto o que conseguimos fazer é uma forte resposta a essa noção que eles queriam projetar de que, na realidade, poucas pessoas morreram", refletiu Minet.
"Houve pessoas que morreram por causa da ineficiência do governo, por causa das falhas sistêmicas de um sistema de saúde que estava no chão, que não funcionou e, bem, esses temas não são agradáveis", disse Minet. "Às vezes há pessoas que não vêem o valor imediato de entender essas informações, mas a realidade é que, se quisermos estar em uma posição diferente quando recebermos o próximo furacão, não há outras informações que sejam mais valiosas do que as que publicamos", acrescentou.
No final de agosto, a Universidade George Washington publicou o estudo mais recente sobre o número de mortes deixadas pelo furacão Maria em Porto Rico. Segundo o relatório, o montante subiria para 2.975 mortes, que ocorreram nos seis meses seguintes à passagem da tempestade. Ou seja, 22% mais mortes na ilha nesses meses do ano do que seria esperado se não houvesse furacões.