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Conferência de jornalismo de dados Coda.Br volta em formato híbrido e celebra 50 anos do 'jornalismo de precisão' de Philip Meyer

A sétima edição da Conferência Brasileira de Jornalismo de Dados e Métodos Digitais - Coda.Br terá novamente um evento presencial em São Paulo, após dois anos de edições integralmente online por conta da pandemia de Covid-19. Mas a conferência também contemplará pessoas ao redor do mundo que queiram acompanhar paineis e workshops online, como uma celebração do legado do jornalista norte-americano Philip Meyer, que cunhou a expressão “jornalismo de precisão” para designar o trabalho com dados na profissão.

Nesta primeira edição híbrida do Coda.Br, que é realizado anualmente desde 2016, a programação online começou no dia 31 de outubro e se estende por toda a semana até o dia 6 de novembro, domingo. Nos dias 5 e 6, o evento se desloca para a modalidade presencial e acontece em São Paulo. Paineis e keynotes (palestras) serão transmitidos online pelas redes sociais da Escola de Dados e da Open Knowledge Brasil, organizadoras do evento, com acesso gratuito, e as gravações serão disponibilizadas nos canais das organizações. Já os workshops serão acessíveis mediante compra de ingresso, disponível no site da conferência, e suas gravações ficarão disponíveis online e poderão ser acessadas posteriormente por quem tiver comprado o ingresso.

Jamile Santana, coordenadora da Escola de Dados, disse à LatAm Journalism Review (LJR) que o jornalismo de dados “se provou fundamental para elevar a qualidade das discussões sobre assuntos fundamentais para o país” nos últimos anos, algo que ficou evidente durante a pandemia de Covid-19. “Através do jornalismo de dados a gente pôde entender melhor o cenário da pandemia, seus impactos e do que a gente precisava cobrar dos gestores públicos, para passar por isso da melhor forma possível”, afirmou.

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Jamile Santana, coordenadora da Escola de Dados. Foto: Arquivo pessoal.

Segundo ela, o Coda.Br 2022 “traz esse chamado para o trabalho que começa localmente – em bairros, cidades – e que depois se expande, sobretudo para a geração de dados que não são disponibilizados pelos órgãos públicos, ou são disponibilizados de uma forma inadequada e, portanto, inacessível, e que precisam passar por um tratamento para se tornarem analisáveis”.

“Esse trabalho tem sido feito por muitas organizações ou veículos de jornalismo independente e é o que nos fortalece como comunidade também”, afirmou. Santana também destacou que “a geração cidadã de dados e o ativismo é um tema recorrente nos painéis e keynotes e isso se estende de alguma forma para os workshops mão na massa” na programação do Coda.Br 2022.

Os painéis vão abordar temas como transparência no setor privado, uso de dados de propriedade corporativa e gênero, raça e dados públicos. E haverá workshops dedicados a ensinar como fazer mapas de dados georreferenciados, como usar a Lei de Acesso à Informação para conseguir dados públicos e como trabalhar com dados municipais, entre outros.

“Vamos ensinar como criar metodologias para a coleta de dados, como compartilhar esse processo para que ele seja replicável e trazer confiabilidade as informações, por exemplo”, disse Santana.

No encerramento do Coda.Br 2022, no fim da tarde de domingo, acontecerá a entrega do Prêmio Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, que desde 2019 reconhece trabalhos de excelência em jornalismo de dados no Brasil. Em 2022, o Prêmio será concedido em quatro categorias: dados abertos, inovação e experimentação, investigação e visualização. Os três finalistas em cada categoria, anunciados no dia 21 de outubro, foram selecionados dentre 115 trabalhos inscritos, disse Santana.

“Percebemos que mudanças climáticas, questões de gênero e raça e conflitos em áreas demarcadas foram os temas mais abordados. O trabalho jornalístico de dados se preocupou em trazer evidências concretas sobre os problemas que enfrentamos no país, principalmente na atual gestão [federal]”, avaliou ela.

Homenagem a Philip Meyer

Além dos workshops e paineis, o Coda.Br 2022 terá também duas exposições, contou Santana. Uma delas é a exposição interativa The Glass Room (“A Sala de Vidro”, em tradução livre), realizada pela organização Tactical Tech, baseada em Berlim, Alemanha e dedicada a promover a reflexão sobre a relação com a tecnologia. Esta exposição convida as pessoas participantes a refletir sobre dados pessoais e privacidade na internet e estará aberta a quem participar da conferência presencial.

Já a mostra “50 anos do jornalismo de precisão: uma homenagem a Philip Meyer” traz fotos, documentos e livros escritos pelo jornalista norte-americano, considerado o criador deste conceito que completa meio século em 2023 e que designa o uso de métodos de pesquisa em ciências sociais para a coleta de dados e informações com propósitos jornalísticos.

O jornalista Marcelo Soares é o curador da exposição e mediará uma conversa com Melissa Meyer, arquiteta e filha de Philip. Ela vem representar o pai, que tem 92 anos e vive na Carolina do Norte, nos Estados Unidos, e não poderá comparecer ao evento por questões de saúde.

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O jornalista Marcelo Soares. Foto: Arquivo pessoal.

Em artigo publicado no blog da Escola de Dados, Soares repassa a trajetória de Meyer e seu impacto no fazer jornalístico desde a década de 1960. O norte-americano ganhou um prêmio Pulitzer em 1968 por uma reportagem que incluiu “uma pesquisa estruturada para compreender as opiniões da população negra” da cidade de Detroit, nos EUA, em meio a protestos populares motivados pela segregação racial e violência institucional contra pessoas negras no país. O jornalista brasileiro também conta como conheceu a obra de Meyer e o impacto que o trabalho do norte-americano teve em sua carreira.

Em conversa com a LJR, Soares contou que o livro de Meyer intitulado “Precision Journalism”, que foi lançado nos EUA em 1973, chegou às suas mãos em 1996, quando ele cursava jornalismo na universidade. Soares disse ter achado a proposta de Meyer “ousada demais, mas ao mesmo tempo extremamente atraente por amarrar partes desconexas da experiência que eu trazia”. Esta experiência incluía conhecimentos de contabilidade e programação e um estágio na Polícia Civil que envolvia atualizar bancos de dados e pesquisar informações para inquéritos.

“Imaginar que com isso era possível fazer jornalismo era bom demais para ser verdade, e quase assustador porque não tinha ninguém com quem conversar sobre o assunto”, contou ele. Um ano depois, já trabalhando como jornalista em uma redação, “escrevi para o Philip Meyer pela primeira vez, me queixando: poxa, estou no Brasil, não temos uma lei de acesso como a que vocês têm por aí, não temos bancos de dados. E a resposta dele foi: ‘ora, comece a montar os seus próprios bancos de dados desde já’.”

Os dois jornalistas nunca se encontraram pessoalmente, mas seguem se correspondendo online. “Philip Meyer foi crucial para definir a compreensão que eu tenho sobre o jornalismo. E suas ideias estavam sempre lá embasando tudo o que eu fiz na vida”, disse Soares, que trabalhou em diversos jornais brasileiros, é co-fundador da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e fundou seu próprio estúdio de inteligência de dados, a Lagom Data.

O jornalista brasileiro considera que o jornalismo de dados feito hoje no Brasil “é mais ou menos neto ou bisneto do jornalismo de precisão vislumbrado por Meyer. Tem traços do que o avô fazia, mas também traz outras heranças”.

“O jornalismo de precisão proposto por Meyer era extremamente ambicioso no sentido de buscar ser uma espécie de ciência social feita sob deadline”, disse Soares. “Especialmente nos últimos 15 anos, quando o jornalismo de dados se popularizou, boa parte da ênfase tem sido em ferramentas e na visualização. O tipo de análise que Philip Meyer propunha compõe uma fração relativamente pequena de tudo o que se produz com jornalismo de dados, especialmente no Brasil. Mas têm surgido excelentes trabalhos, especialmente fora das grandes redações, com um rigor de análise que deixaria Meyer orgulhoso”, acredita o brasileiro.

Entre estes trabalhos que orgulhariam Meyer, segundo Soares, estão o Mapa da Água, da Repórter Brasil, e o projeto Aquazônia, da Ambiental Media. “A coincidência de tema é um acaso, mas o fundamental em ambos é o rigor empregado no trabalho sem em nenhum momento perder de vista a potência da linguagem jornalística”, afirmou.

Foto em destaque: Christina @ wocintechchat.com em Unsplash