José Rubén Zamora, fundador do jornal guatemalteco elPeriódico, já passou mais de 600 dias na prisão sob prisão preventiva. Ele lá permanece, apesar de organizações internacionais terem apontado violações dos direitos humanos e do direito internacional em seu caso.
Já Gustavo Gorriti, fundador do veículo de investigação peruano IDL-Reporteros, enfrenta uma investigação de promotores que o ordenaram a fornecer números de telefone de suas fontes. Além disso, ele é difamado por grupos de extrema direita que jogam lixo, excrementos e fogos de artifício em sua redação.
Ambos os jornalistas ganharam inúmeros prêmios por seu trabalho que expõe a corrupção e abusos em seus respectivos países, e muitos veem os processos como retaliação por isso.
No encerramento do 25º Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ), o filho de Zamora, José Zamora, e uma colega de Gorriti, Romina Mella, pediram apoio da comunidade internacional de defesa da liberdade de expressão. Eles foram acompanhados por Kathy Kiely, titular da Cátedra Lee Hills em Estudos de Imprensa Livre na Escola de Jornalismo da Universidade do Missouri.
"É uma honra encerrar este programa, esta maravilhosa conferência, com duas pessoas que eu acredito realmente nos lembram por que estamos aqui", disse Kiely. "Esta é uma situação em que os investigadores se tornaram os investigados. E acho que é realmente importante mostrarmos nosso apoio."
"Seiscentos e vinte e quatro dias de confinamento solitário por praticar jornalismo. Este é o caso do meu pai, o jornalista guatemalteco José Rubén Zamora. Seiscentos e vinte e quatro dias detido arbitrariamente por denunciar corrupção nos mais altos níveis do governo guatemalteco durante o governo do ex-presidente Alejandro Giammattei", disse José Zamora, diretor de comunicações e impacto da EXILE.
Enquanto ele falava, uma única imagem apareceu na tela: seu pai, de terno e máscara médica, cercado por forças de segurança armadas e mascaradas que parecem portar equipamento anti-distúrbios.
"Meu pai vê sua prisão como uma extensão de seu dever jornalístico de expor o abuso de poder", explicou.
Como José Zamora relatou, não foi a primeira vez que seu pai e sua equipe foram atacados. Ele listou campanhas de difamação, terrorismo fiscal, ameaças de morte, ataques a tiros de carros, sequestros e uma tentativa de assassinato.
Ainda assim, ele descreveu a prisão atual como "a mais desafiadora".
"A manipulação da lei criminal para silenciar jornalistas tornou-se a tática favorita de regimes repressivos", disse ele, acrescentando que o elPeriódico foi forçado a fechar e muitos jornalistas partiram para o exílio.
Considerando que seu pai ainda está em prisão preventiva, José Zamora disse que isso revela "como o Judiciário e o Ministério Público ainda são dirigidos por forças corruptas".
Em nome de seu pai, equipe e família, José Zamora agradeceu aos jornalistas guatemaltecos que estão continuando seus trabalhos, bem como aos jornalistas ao redor do mundo que estão noticiando o caso e o que está acontecendo na Guatemala.
"Estes 624 dias revelaram o pior e o melhor da humanidade, a crueldade da repressão e a força da solidariedade", disse ele, afirmando que um dia esperam retribuir o apoio que receberam.
Kiely destacou a semelhança entre as situações de José Rubén Zamora e Gorriti.
"Isto realmente é uma página que sai direto do manual dos ditadores", disse Kiely antes de apresentar Mella, editora-chefe do IDL-Reporteros.
"Os jornalistas investigativos estão sob ataque em meu país, no Peru", disse Mella, chamando a atenção para campanhas agressivas de desinformação contra seu veículo e Gorriti, seu diretor, ao longo do último ano.
As campanhas de desinformação são "promovidas por uma coalizão de organizações, partidos políticos e os protagonistas de alguns dos casos de corrupção mais graves da história recente do Peru", disse ela.
O IDL-Reporteros e Gorriti revelaram histórias investigativas relacionadas à corrupção e suborno na classe política do Peru, principalmente aqueles ligados à Operação Lava Jato, escândalo multinacional envolvendo o conglomerado brasileiro Odebrecht.
"Essas campanhas de desinformação visavam apresentar Gustavo como uma espécie de operador político que supostamente gerenciava e controlava o Ministério Público das sombras", disse Mella, explicando que o suposto motivo era controlar as investigações da Operação Lava Jato.
"Parece absurdo. É absurdo", disse ela.
Mella disse que Gorriti também foi acusado de instigar – por meio de reportagens jornalísticas – o suicídio do ex-presidente Alan García, que se suicidou assim que as autoridades foram prendê-lo por suposta participação na Operação Lava Jato.
"Essas mentiras, disseminadas por desinformação na mídia e nas redes sociais, desencadeiam ondas de ódio pela extrema direita", disse ela.
Tais mentiras são usadas por aqueles que foram mais expostos por jornalistas independentes, segundo a repórter.
"É um ataque criado por círculos de corrupção contra um jornalista que os investiga", disse Mella, apontando semelhanças com o que aconteceu na Guatemala.
"O objetivo é claro, transformar investigadores em objetos de investigação, e políticos investigados por atos graves de corrupção em indivíduos politicamente perseguidos", disse ela.
Tudo isso acontece ao lado de "assédio sistemático e violência de grupos de extrema direita".
Além dos ataques em sua redação, os grupos foram à casa de Gorriti e fizeram exposição virtual de dados de Mella em redes sociais. Isso está acontecendo há seis anos e a polícia não agiu, disse a jornalista.
Em 27 de março, um promotor público de Lima abriu uma investigação preliminar contra Gorriti por suposta corrupção.
"[O promotor] está examinando se Gorriti, em suas reportagens para o IDL-Reporteros, promoveu o trabalho de dois promotores públicos em troca de furos jornalísticos sobre suas investigações de corrupção política, de acordo com a notificação judicial do Ministério Público que foi enviada a Gorriti", segundo noticiou o Comitê para Proteção dos Jornalistas (CPJ).
Parte deste caso é a ordem para que Gorriti forneça números de telefone usados entre 2016 e 2021.
Gorriti disse que lutará pelo direito dos jornalistas à confidencialidade de fontes e que continuará a expor a corrupção. Ele nega um relacionamento impróprio com promotores públicos.
"O que estamos passando agora representa uma séria ameaça aos jornalistas e à liberdade em geral", disse Mella. "Atacar jornalistas investigativos significa atacar o direito dos cidadãos à informação".
Ela pediu aos presentes que cobrissem o caso. Na tela atrás dela havia uma foto de Gorriti com um código QR que leva a uma carta de apoio ao jornalista investigativo.
"Um ataque contra um é um ataque contra todos", disse ela. "De nossa redação em Lima, continuaremos lutando."