Por Isabela Fraga
Em meio às tão faladas crises do jornalismo investigativo e do modelo de negócios baseado em publicidade ainda vigente na imprensa mundial, iniciativas bem-sucedidas que aliam alternativas de financiamento de jornalismo de qualidade mostram-se ninhos promissores das reportagens investigativas no futuro. No Brasil, um desses exemplos é A Pública, agência independente de jornalismo investigativo sem fins lucrativos e de livre reprodução de conteúdo online, fundada em março de 2011 pelas repórteres Marina Amaral e Natália Viana, insatisfeitas com alguns caminhos escolhidos pela mídia brasileira.
Inspirada em organizações semelhantes de outros países que ainda não haviam sido reproduzidos no Brasil -- como a referência óbvia ProPublica --, A Pública tem, em suas próprias palavras, "a missão de produzir reportagens de fôlego pautadas pelo interesse público". Na prática, essas ideias deram origem a séries de reportagens de impacto internacional, como a cobertura da violência e assassinatos de líderes ambientais na Amazônia brasileira e a história da venda de créditos de carbono de reservas indígenas a corporações internacionais na mesma região. Não à toa, a agência tem quase 60 republicadores de conteúdo, o que é permitido por meio da licença Creative Commons de tudo que é publicado no site.
Mas como A Pública sobrevive, se produzir reportagens investigativas de qualidade é caro e demanda tempo? A solução encontrada até agora pela agêcia foi o financiamento por fundações internacionais, como a Ford e a Open Society, bem como o patrocínio de projetos específicos, como a série Amazônia Pública, financiada pela Climate and Land Use Alliance (Clua).
Mas esse não é o ideal, contou Marina Amaral, uma das fundadoras da Pública, em entrevista por telefone ao Centro Knight para o Jornalismo nas Américas. A agência pretende lançar um projeto de financiamento coletivo (crowdfunding) ainda neste ano.
Olhamos para o futuro e pensamos: queremos financiamento público, mas nao estatal: das pessoas, dos cidadãos. O perfeito seria nos sustentarmos por crowdfunding.
Leia abaixo a íntegra da entrevista concedida por Marina, da Pública, ao Centro Knight.
Como tem sido o financiamento da Pública até agora? Tem dado certo?
Nosso maior apoio é da fundação Ford. Mas, no começo, Natália e eu trabalhamos às nossas custas, fazendo frilas. Depois da Ford, conseguimos também patrocínio da Open Society e, hoje, fechamos projetos com patrocínios específicos. Um desses casos foi nossa série sobre a Amazônia, em que tentamos construir reportagens que pudessem trazer uma realidade mais compreensível do que o modo fragmentado como essa região é tratada na imprensa. O projeto foi patrocinado pela Climate and Land Use Alliance (Clua). Ao pedir patrocínio, apenas mostramos o projeto e, se a organização gostar, financia. A Clua não leu nada antes da publicação. Também não aceitamos encomendas, só trabalhamos com nossas próprias pautas. Temos três temas eleitos como prioritários: Amazônia, Copa do Mundo e tortura (direitos humanos).
E vocês veem esse modelo de financiamento se sustentando no futuro? Como pensam que será a Pública nos próximos anos?
Nossos parceiros mais estáveis são a Ford e a Open Society. A Ford concede financiamento por um ano e meio, e acabamos de renovar nosso contrato por mais um ano e meio. Mas não vamos depender da Ford por muito tempo. Olhamos para o futuro e pensamos: queremos financiamento público, mas nao estatal: das pessoas, dos cidadãos. O perfeito seria nos sustentarmos por financiamento coletivo (crowdfunding). Queremos lançar um projeto de crowdfunding ainda este ano -- até então não estávamos maduros. Mas é difícil, porque você não pode revelar a pauta e ao mesmo tempo não pode ser muito abstrato na descrição do projeto. Vamos lançar quando resolvermos essa questão.
Como vocês tiveram a ideia de criar a Pública? Do que sentiam falta na mídia nacional?
No começo da profissão, trabalhei como repórter da grande imprensa. E havia, também, uma crítica a essa grande imprensa. Quando fui para a Caros Amigos [revista de mídia alternativa crítica aos veículos tradicionais], tive essa experiencia do outro lado. Foi lá que eu e Natália nos conhecemos. A experiência que nós duas tivemos foi: em primeiro lugar, não dá para criar imprensa em papel hoje em dia, o nosso projeto deveria ser online; em segundo, que nossa imprensa é muito pouco internacional -- também em termos de produção, não apenas de consumo; em terceiro, que o próprio jornalismo, na grande imprensa e na imprensa alternativa, era muito ideológico.
Em que exemplos vocês se inspiraram para criar a Pública?
Nos inspiramos em modelos que existem fora do Brasil. O nome Pública remete ao ProPublica, uma organização à qual gostaríamos que as pessoas nos identificassem. A ideia de criar um centro de jornalismo independente era nova no Brasil.
A mídia internacional tem sofrido há anos uma crise de sustentabilidade no modelo de negócios atual, baseado na renda por publicidade que, especialmente na internet, não tem se mostrado efetivo. Você acha que o modelo de negocios adotado pela Pública pode ser visto como uma opção massiva no futuro ou será sempre algo alternativo?
Não sei, viu? Tudo que estamos fazendo é experimentação. Em princípio, não temos intenção de ser financiados por empresas privadas. Essa, aliás, é uma crítica que fazemos ao jornalismo brasileiro: não investigar a fundo as empresas privadas.
O modelo de negócios baseado na publicidade nao deve acabar. Acho que vários modelos tendem a conviver juntos. Mas esse jornalismo de interesse público não pode ter financiamento estatal, isso é complicado. Nossa relação com a Ford é muito clara. A Ford nunca comentou nada que nós tivéssemos publicado -- nem para o bem, nem para o mal.
Como é a redação da Pública?
É uma redação pequena e jovem. Os jornalistas fixos mais experientes somos eu, Natália e Andreia Dip. A Pública é formada por pessoas entusiasmadas com o projeto que não têm intenção de salários altos. Dividindo o que recebemos da Ford, eu e Natália, como diretoras, ganhamos salários bem mais baixos que os de mercado.
Como tem sido o retorno dos leitores?
Temos recebido respostas muito entusiasmadas. Muitos colegas mandam e-mails com elogios, e fomos convidados para falar no Congresso da Abraji de 2012, em seminários de jornalismo etc. Muitos jornalistas nos procuram e, por isso, estamos criando uma rede de jornalistas colaboradores. No momento, as duas matérias mais fortes que esperamos são de dois jornalistas que nao trabalham aqui dentro da Pública, por exemplo. Há um certo reconhecimento. Também no Facebook estamos crescendo, temos agora cerca de 12 mil curtidores. Estamos crescendo bastante, nossa informação circula. Temos também vários repúblicadores do nosso conteúdo.
Acaba também que temos peso no noticiário em geral. Viramos referência em alguns assuntos -- por exemplo, a Al Jazeera acabou de nos ligar pedindo um contato. E uma vítima de um assassinato no Pará, a Dinhana Nink, teve uma foto nossa divulgada no Jornal Nacional, com créditos.
Como tem sido a opção de vocês por conteúdos multimídia?
O vídeo na internet é muito importante. Temos um núcleo aqui na agência focado nisso. Nossa sede é na Casa da Cultura Digital, em São Paulo, onde há várias empresas de cibercultura. A Filmes para Bailar, por exemplo, fez para nós a edição dos vídeos sobre a Amazônia. E um professor de uma universidade também se dispôs a formar uma equipe de estudantes para nos ajudar a produzir e editar vídeos.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.