No final de 2010, pouco depois da publicação de seu livro “Los Señores del Narco” (Os senhores do narcotráfico), a jornalista mexicana Anabel Hernández* ouviu de fontes próximas que Genaro García Luna, diretor da polícia mexicana durante a administração do ex-presidente Felipe Calderón, tinha intenção de matá-la por causa das acusações feitas pela jornalista contra em seu livro.
Hérnandez comunicou as ameaças às autoridades locais na Cidade do México e recebeu proteção policial. Os seguranças a acompanharam por todo lado nos últimos dois anos; no entanto, as autoridades locais recentemente disseram que não têm jurisdição sobre o caso e, embora tenham prorrogado o prazo de proteção, pretendem interrompê-la em três meses.
Convencida de que a sociedade perde quando aqueles que tentam expor a corrupção são obrigados a sair de seus países, Hernández atualmente está pedindo extensão indefinida das medidas de segurança que recebe hoje para continuar seu trabalho no México.
No texto abaixo escrito para o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, Hernández descreve os efeitos e consequências de suas investigações em sua vida -- e nas vidas de seus familiares e fontes.
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Eu sou uma repórter investigativa.
Durante mais de cinco anos, investiguei a corrupção e abuso de poder que acontecia na agora extinta agência federal Secretaria de Segurança Pública (SSP), sob a chefia do secretário Genaro Garía Luna. Àquele tempo, descobri as profundas redes de cumplicidade entre García Luna, seu círculo próximo e grupos de crime organizado, que variavam de gangues de sequestro a carteis de drogas, principalmente o Cartel Sinaloa.
Documentei o enriquecimento inexplicável do ex-chefe de fpolícia, e tornei públicas investigações na Procuradoria que ele queria manter secretas, nas quais membros do Cartel Sinaloa acusavam diretamente a equipe próxima de García Luna de protegê-los em troca de subornos atraentes.
Como consequência dessa investigação jornalística, o ex-chefe da SSP começou a me assediar e se retaliar contra minhas fontes. O medo não me impediu de continuar meu trabalho como jornalista, pois sempre achei que o silêncio frente esses atos de corrupção me tornariam sua cúmplice. Sempre acreditei que o jornalismo investigativo aprofundado, bem documentado e preciso pode contribuir para criar um país mais justo e denunciar a corrupção.
Em dezembro de 2010, após a publicação de meu livro “Los Señores del Narco", no qual expus parte dessa corrupção, fui avisada por uma fonte confiável que García Luna estava recrutando agentes da Agência de Investigação Federal (AFI) para me matar como punição por meu trabalho como jornalista.
Denunciei essas ameaças publicamente e registrei uma reclamação no escritório da Procuradoria Geral do México (PGJDF). Desde então, a agência me forneceu medidas de segurança que consistem em ter seguranças comigo 24 horas por dia. Embora seja péssimo viver com seguranças e isso tenha me obrigado a mudar minha vida, me ajudou a ficar viva e continuar meu trabalho investigativo.
Minha família sofreu um ataque em janeiro de 2011, e as ameaças continuaram. Durante todo esse tempo, minhas fontes foram ameaçadas, assassinadas ou presas injustamente; há até uma pessoa que foi torturada ano passado para servir de ameaça a mim. Em maio de 2011 registrei uma reclamação contra García Luna para abrir uma investigação com a PGR porque, embora a agência fosse parte do governo de Felipe Calderón, eu queria deixar um precedente legal do que estava acontecendo comigo.
Em 2012, uma fonte importante, o general Mario Arturo Acosta Chaparro, foi assassinado. Outra de minhas fontes foi torturada pela PGR (ainda sob governo de Calderón) para que ele testemunhasse contra mim.
Em novembro de 2012, publiquei meu livro mais recente, “México en Llamas” (México em chamas), no qual revelava todas essas infâmias e apresentava novas provas de corrupção na Polícia Federal.
Defendi minha vida e meu direito de livre expressão, mas alguns dias atrás fui informada por uma fonte confiável que García Luna ainda planeja se vingar de mim por minha investigação.
Expus minha reclamação ante a PGJDF e a PGR. No entanto, a PGJDF afirmou, no começo deste mês, que não tem competência sobre meu caso e o mandou para a PGR, que não fez nenhum progresso em suas investigações nos últimos dois anos, apesar de ter pistas que apresentei a eles após o ataque contra minha família. Até agora, não recebi nenhuma notificação ou explicação por parte da PGJDF. Soube de sua decisão na segunda-feira, 11 de março, de repente, durante um compromisso na PGR.
Graças à intervenção de organizações internacionais e governos, a PGJDF concordou na última quarta-feira a estender as medidas de segurança por mais três meses. Sou grata, mas peço para que essas medidas continuem por tempo indefinido.
Não posso aceitar que a Polícia Ministerial Federal ou a PF sejam responsáveis pela minha proteção -- e é isso que a PGR está me oferecendo --, uma vez que denunciei corrupção nesses órgãos durante anos e a maioria de seus funcionários de alto escalão lá estão por causa de García Luna, e muitos de sua equipe continuam lá. Oferecer que esses policiais que denunciei sejam responsáveis pela minha proteção é absurdo e não faz nenhum sentido. Significa praticamente me obrigar a sair do México. Espero que a PGR e a PGJDF possam assinar um acordo de colaboração para que a PGJDF continue com o controle da minha proteção.
Sei que estou na lista negra de homens muito poderosos, como Genaro García Luna. E há pessoas respeitadas e de caráter no México que testemunharam diretamente o ódio irracional que esse ex-chefe de polícia tem contra mim, mas não querem testemunhar porque têm medo, e eu não posso obrigá-las.
Sei que García Luna está esperando pelo momento certo para cumprir suas ameaças quando os custos políticos forem menores. Sei que não tenho nada além da verdade, minha voz e meu trabalho como jornalista, e vou me defender.
Estou numa batalha pela minha vida e pela vida de minha família, por justiça e pela capacidade de continuar a praticar o jornalismo livremente.
Viver no silêncio não é viver, em qualquer lugar do mundo. Viver e ficar em silência sobre como a corrupção, o crime e a impunidade ainda controlam meu país também significa morrer. Continuo a denunciar a decomposição do México e o conlui de políticos e funcionários públicos mexicanos.
Morte, ameaças ou censura contra jornalistas são ataques contra o direito da sociedade de ter acesso à informação, e aqueles que perpetram esses ataques são tão responsáveis quanto aqueles que os permitem. Sem liberdade de expressão, justiça e democracia não são possíveis.
Os investigadores da PGR, agora exclusivamente responsáveis pelo meu caso, não resolveram nenhum único caso de jornalistas desaparecidos, ameaçados ou assassinados. Eu me recuso a ser mais uma baixa produzida pelo fracasso das autoridades.
No momento, ainda tenho acompanhamento de seguranças, que recentemente me informaram verbalmente que continuarão comigo por três meses. Novamente, agradeço muito a organizações como a Libera, na Itália, à embaixada francesa no México e à Repórteres sem Fronteiras por sua intervenção. Mas, após esses três meses, o que acontecerá?
Essa é a angústia que estou vivendo.
*Anabel Hernández é uma jornalista premiada que dedicou sua carreira a denunciar a corrupção no México. Ela é atualmente colaboradora freelancer para a revista Proceso e para o jornal Reforma. É autora dos livros "La Familia Presidencial" (2005), "Fin de Fiesta en Los Pinos" (2006), "Los Señores del Narco" (2010) e "México en Llamas" (2012).
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog Jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.