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Após dez anos da lei de acesso à informação, Brasil vive "estagnação com indícios de retrocesso", diz estudo

Dez anos depois da sanção da Lei de Acesso à Informação (LAI), uma análise da organização Transparência Brasil aponta para uma piora na qualidade do atendimento dos pedidos de informação feitos ao governo federal por meio da lei entre 2019 e 2021.

Segundo o relatório, a sensação de deterioração já havia sido notada entre usuários frequentes da LAI e foi confirmada pelo levantamento.

"Nos parece, infelizmente, que estamos em uma estagnação com indícios de retrocesso, especialmente no Executivo federal – que costumava ser referência positiva, no geral", disse Marina Atoji, gerente de projetos e de comunicação da Transparência Brasil, à LatAm Journalism Review (LJR).

O estudo indicou que os anos de 2019 e 2020 tiveram um alto índice de negativas a pedidos de informação por parte do Executivo federal, chegando a 9%. A taxa é uma das mais altas já registradas desde 2012, ano em que a lei entrou em vigor e que também teve 9% de respostas negativas. Em 2013 e 2014, o índice chegou a 12%.

Atoji, que é responsável pela análise dos dados do relatório e atua desde 2010 na aprovação e posterior monitoramento da LAI, afirma que o aumento nas negativas fica mais evidente em números absolutos. Em 2019, foram 10.791 casos e, em 2020, 10.770. Já em 2013 e 2014, foram 9.629 e 9.943, respectivamente.

Relatório

Índice de negativas a pedidos de informação por parte do Executivo federal. Imagem: captura de tela/ relatório Transparência Brasil

A piora no atendimento, entretanto, não se nota em apenas um critério. De acordo com o relatório, vários índices tiveram um desempenho negativo nos últimos anos. Por exemplo, a proporção de respostas parciais foi de 7,2% em 2021, igualando a pior marca desde 2012, registrada em 2016.

"O ideal é que ela [a taxa de negativas/parciais] se reduza ao longo do tempo, e não aumente – mesmo que em baixa proporção. Especialmente considerando que, ao longo do tempo, o número de solicitações e a variedade de órgãos públicos acionados via LAI aumenta", explica Atoji.

Outro ponto negativo é que a proporção de “Acesso Concedido”, ou seja, de pedidos qualificados como respondidos pelos órgãos federais, foi baixa, de 77%, de 2019 a 2021  – também muito próximo do menor índice já registrado, de 76,6%, em 2013.

Da mesma forma, Atoji aponta que outro indicador importante que mostra uma piora no atendimento são os motivos dos recursos. Em 2021, a proporção de recursos realizados com a justificativa de que a resposta estava incompleta ("informação incompleta") chegou a 40,5%, o maior nível da série histórica. Por outro lado, o relatório comemora "a redução quase total dos recursos motivados por respostas fora do prazo determinado pela LAI (máximo de 30 dias)" – a taxa foi de 0,1% em 2021.

Sobre os dez anos da lei, Atoji destaca que alguns desafios e obstáculos são persistentes, como a dificuldade de implementação da LAI em municípios pequenos, com menos de dez mil habitantes, e nos poderes Judiciário e Legislativo, principalmente na esfera local. Ela também reforça a falta de punições por descumprimento da lei, o que não gera incentivos para a sua implementação efetiva.

Como avanços no período, Atoji menciona a transparência ativa, isto é, a divulgação espontânea de informações de interesse público, sem que o cidadão precise solicitá-las. Segundo ela, esse princípio passou a ser amplamente praticado no país. Além disso, Atoji cita o conhecimento da sociedade sobre o direito de acesso à informação.

Marina Atoji

Marina Atoji, gerente de projetos e de comunicação da Transparência Brasil. Foto: Divulgação

Questionada sobre qual era a responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro, que constantemente hostiliza e ataca a imprensa, nessa piora no atendimento aos pedidos de informação, Atoji explicou que "a postura do governo atual tem se refletido especialmente na alta administração pública – o que acaba afetando o trabalho dos servidores que continuam a cumprir a LAI".

Ela aponta a atuação da Controladoria-Geral da União (CGU), órgão responsável por supervisionar a implementação e a promoção da LAI no governo federal, como um dos principais reflexos da atitude contrária à transparência do governo Bolsonaro.

"[A CGU] tem se omitido em casos flagrantes de violação à legislação (imposições desproporcionais de sigilo, por exemplo, ou a falta de providências imediatas para determinar a transparência da aplicação das emendas de relator) ou aplicado inovações na avaliação de recursos para favorecer a restrição de acesso a informações", diz Atoji.

LJR entrou em contato com a CGU para comentar o relatório da Transparência Brasil, mas não teve resposta até a publicação deste artigo.

Covid-19 Pandemia

Durante a pandemia, o governo federal promoveu mudanças na publicação de balanços sobre a COVID-19, que reduziram a quantidade e a qualidade dos dados. Essa opacidade nos números se refletiu no levantamento da Transparência Brasil.

Segundo o relatório, o Ministério da Saúde aparece entre os órgãos do governo federal que mais negaram pedidos de acesso à informação em 2020 e 2021.

"A falta de transparência ativa que marcou a gestão da pandemia pelo governo federal (levando a uma maior demanda via transparência passiva), somada à concentração de servidores do Ministério em atividades diretamente relacionadas à mitigação da emergência em saúde pública (desfalcando o atendimento a pedidos de informação) e a adoção do regime de trabalho remoto (dificultando ou inviabilizando o acesso de servidores a informações para fornecer respostas) se destacam como fatores que podem explicar o cenário", afirma o estudo.

Atoji explica que essas mudanças prejudicaram – e ainda prejudicam – o trabalho da imprensa. De um lado, ela conta que a falta de transparência teve um impacto positivo, porque motivou a criação de um consórcio de veículos brasileiros para levantar os números de forma independente do governo federal.

Por outro, comprometeu "o acesso a informações fundamentais para a sociedade conhecer a extensão da crise e as providências tomadas pelo governo para contê-la", diz ela.

"Além da tentativa de retirar dados sobre casos e óbitos do ar, observamos a inconsistência dessas informações, tornando-as pouco confiáveis e, portanto, comprometendo a qualidade da cobertura jornalística", afirma ela.

Atoji complementa que alguns problemas persistem, nos dados sobre testagem e distribuição de leitos, que seguem impactando negativamente a cobertura das políticas públicas relacionadas à pandemia.

"Sem mencionar as coletivas de imprensa do Ministério da Saúde fechadas para perguntas – quando eram realizadas – justamente nos momentos em que a crise estava em alta", conclui.

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