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Aumento de ameaças e restrições a jornalistas no Uruguai coloca estado da liberdade de expressão em alerta

O Uruguai sempre foi referência em termos de liberdade de expressão. Não há registro de jornalistas mortos, sequestrados ou perseguidos, ao contrário do que acontece em outros países latino-americanos.

No entanto, o oitavo relatório de monitoramento realizado pelo Centro de Arquivos e Acesso à Informação Pública (Cainfo) registrou 69 ameaças e restrições à liberdade de expressão de jornalistas, no último ano, no país. O que significa um aumento de 40% em relação ao ano anterior e um aumento no número de casos pelo terceiro ano consecutivo.

Man with a beard speaks behind an open laptop and in front of a yellow poster.

Fabián Werner, presidente do Cainfo e diretor do meio digital Sudestada. (Foto: Cainfo - Jeannie Margalef)

“O Uruguai, tanto neste relatório comparativo como na maioria dos relatórios sobre liberdade de imprensa, continua sendo um dos melhores da região. Acho que estamos ao lado do Peru em número de casos. Mas tanto eles quanto nós começamos a nos complicar ou aumentar o número de situações de risco e isso é preocupante”, disse Fabián Werner, presidente do Cainfo e diretor do meio digital Sudestada, à LatAm Journalism Review (LJR).

O Caninfo, atualmente integrante da rede Freedom of Expression Exchange (IFEX) e da Aliança Regional pela Livre Expressão e Informação, monitora o assunto desde 2014. O último relatório apresentado reflete o período entre 1º de abril de 2021 e 31 de março de 2022 e se incorpora à atualização da metodologia e de indicadores da rede “Voces del Sur”, uma aliança de organizações da sociedade civil que defendem a liberdade de expressão.

As categorias que mais apresentaram casos, no último ano, foram restrições ao acesso à informação pública e processos criminais ou cíveis, cada um com 19 episódios registrados. “Nossa maior preocupação é o aumento dos processos judiciais contra jornalistas. É uma tendência regional que temos visto em outros países. Neste relatório, o número de processos criminais ou civis contra jornalistas é maior do que o de todos os relatórios anteriores combinados”, disse Werner.

“Há casos que não incluímos no relatório a pedido das pessoas afetadas. Um deles foi um processo que finalmente se tornou público: a demanda de uma ex-funcionária pública a um jornal por 450 mil dólares. Ou seja, desde que apresentamos o relatório (3 de maio) até hoje, o número de casos já aumentou”, comentou o jornalista.

Detecção e recebimento de denúncias

Werner também fez parte do relatório como um dos jornalistas atacados. Em julho de 2021, denunciou publicamente o roubo que sofreu em sua casa, onde foram roubados apenas equipamentos de informática (dois computadores e um disco removível) pertencentes a ele e sua companheira María Natalia Rodríguez, ambos jornalistas.

Conforme consta no relatório e foi confirmado por Werner, o incidente foi denunciado à Polícia, que tomou depoimento dele sobre o ocorrido, mas, até o momento, não informou as vítimas sobre nenhuma investigação realizada para confirmar ou descartar que o roubo tenha relação com sua profissão jornalística.

Nenhum caso foi registrado neste relatório nas categorias de assassinato, desaparecimento forçado ou detenção arbitrária. No entanto, pela primeira vez cinco episódios são registrados em restrições na internet.

O discurso estigmatizante por parte de agentes públicos também teve um aumento significativo de alertas, principalmente devido às ações da senadora do Partido Nacional Graciela Bianchi. A parlamentar tem uma prática sistemática de estigmatizar e ameaçar jornalistas por meio do Twitter. “Ela diz que está investigando jornalistas que fazem parte de algum tipo de conspiração contra o governo. O que preocupa é que não há ninguém do governo que venha dizer ‘não, não concordamos com essa prática’, que é algo que deveria acontecer em qualquer país democrático”, argumentou Werner.

A equipe do Cainfo garante que, nos últimos anos, houve uma melhoria na capacidade de detectar e receber denúncias que vem acompanhada da integração da organização nas redes latino-americanas de liberdade de expressão e monitoramento de ameaças.

Medidas claras contra a liberdade de imprensa

O governo uruguaio, sob o mandato de Luis Lacalle Pou, promoveu reformas legais que, segundo Cainfo, são regressivas em termos de direitos humanos e afetam a liberdade de expressão.

Em 2020, foi aprovada a Lei de Consideração Urgente (LUC), que incluiu reformas para estabelecer restrições ao acesso a informações sobre a Secretaria de Inteligência do Estado e que também criminaliza protestos sociais e afeta o direito à greve.

“Também foi aprovada uma reforma da Lei de Acesso por meio de um mecanismo orçamentário que bloqueia o acesso da imprensa a determinados tipos de informações que os sujeitos obrigados devem colocar em sua página na web. Por sua vez, impediu-se a discussão no nível parlamentar de um projeto de lei para regular a publicidade oficial do Estado. Em outras palavras, medidas claras e consistentes foram tomadas contra a liberdade de imprensa”, disse Werner.

Existem outras propostas de lei ou reformas que ainda não foram aprovadas, mas que estão causando preocupação. Um dos alertas do relatório afirma que a coalizão do governo pretende incluir na nova lei de meios um mecanismo para controlar o conteúdo dos meios de comunicação. “A ideia é controlar a ‘imparcialidade’ das ‘informações políticas’ publicadas nos meios de comunicação, por meio da aplicação de sanções e multas”, explica o texto.

“Muitas das ameaças e violações vêm do Estado, e isso é preocupante porque o Estado deve ser o principal garantidor da liberdade de expressão e de imprensa. É por isso que nesta relatório mostramos que há um aumento do discurso estigmatizante e há algumas pessoas que depreciam o trabalho do jornalista e questionam a veracidade do que está sendo noticiado", disse à LJR Andrea Cammarano, comunicadora da Unidade de Comunicação da Universidade da República no Uruguai e consultora do relatório na área de perspectiva de gênero.

Woman with glasses speaks in front of a microphone. Behind her, the colors of the flag of Uruguay in white and blue.

Andrea Cammarano, consultora do relatório na área de perspectiva de gênero. (Arquivo pessoal)

Alerta de gênero

Neste relatório, o Cainfo inclui pela primeira vez o alerta de gênero como indicador transversal. Conforme expresso no texto, a organização considera importante visibilizar e documentar os casos de ameaças à liberdade de expressão que contenham aspectos relacionados ao gênero ou orientação sexual dos jornalistas.

Após analisar os dados de relatórios anteriores, Cainfo levantou a hipótese de que o registro de casos de mulheres vítimas de restrições à liberdade de expressão não correspondia aos episódios ocorridos e tentou dar resposta ao motivo da subnotificação.

“Muitas mulheres jornalistas naturalizam os ataques recebidos. Falta muita informação, formação e visibilidade deste problema. No Uruguai estamos muito atrasados ​​nessa questão, em comparação com países vizinhos como a Argentina, por exemplo. Muitas mulheres também não encontram ambientes seguros para denunciar e não identificamos que estamos sofrendo um ataque porque achamos que sendo jornalistas é preciso aceitar”, disse Cammarano, que escreveu um capítulo inteiro sobre perspectiva de gênero no relatório junto com a jornalista Lucía Silveira.

O relatório dá especial atenção aos ataques a mulheres jornalistas através das redes sociais, especificamente no Twitter. Segundo o relatório, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) têm características que dão novas formas à violência de gênero, como viralização, anonimato, persistência e replicabilidade do ataque. Tanto que a Organização das Nações Unidas (ONU) tem considerado esses ataques online como violência de gênero.

“Considero que o estado da liberdade de expressão no Uruguai está em alerta. Sempre se disse que o Uruguai é um exemplo nesse assunto porque não temos casos graves, em comparação com outros países da região. Mas, gostaria de destacar algo que o relator Pedro Vaca disse na apresentação do relatório: é justamente por isso que devemos cuidar mais do que nunca para que o Uruguai continue sendo uma referência em termos de liberdade de expressão”, disse Cammarano.

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