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Avaliação diz que emissoras do governo dos EUA que transmitem para Cuba preferem propaganda em vez de jornalismo

*Este texto foi atualizado.

Um relatório independente afirmou que os noticiários oferecidos pela Radio Televisión Martí, financiada pelo governo dos Estados Unidos e que produz conteúdo sobre e para Cuba, são "recheados de jornalismo ruim" e são "propaganda ineficaz".

Reprodução do site da Radio Televisión Marti.Reprodução do site da Radio Televisión Marti.

Especialistas concluíram que o conteúdo da Radio Televisión Martí, supervisionada pelo Escritório de Radiodifusão para Cuba (OCB), “fica muito aquém” de seus padrões éticos e de sua missão de “servir como uma fonte confiável e fidedigna de informações precisas, equilibradas e completas para o povo cubano”.

Em 21 de maio, a Agência dos EUA para Mídia Global (USAGM), uma agência federal independente que supervisiona o OCB, divulgou o relatório com base na revisão de um painel de especialistas sobre o conteúdo do OCB.

O CEO e diretor da USAGM, John F. Lansing, ordenou a revisão em outubro de 2018 por causa de um segmento de vídeo transmitido em maio daquele ano na Radio Televisión Martí, que incluía comentários antissemitas sobre o filantropo George Soros.

De acordo com o Miami Herald, o segmento “levanta teorias da conspiração sobre Soros, que é identificado como um 'bilionário de origem judaico-húngara' e um 'judeu de moral flexível'”.

O jornal acrescentou que a reportagem ganhou atenção em outubro, depois que um blog destacou que houve ameaças de bomba contra Soros.

Naquele mês, Lansing divulgou um comunicado dizendo que o segmento era “inconsistente com nossos padrões profissionais e éticos. O conteúdo das redes USAGM deve aderir aos mais altos padrões de jornalismo profissional. ”

Ele também disse que ordenou a auditoria do conteúdo do OCB e treinamento adicional para seus jornalistas.

Oito funcionários federais e contratados da Radio Televisión Martí foram demitidos em seguida, segundo Tomás Regalado, diretor do OCB desde junho de 2018.

Como parte do relatório recentemente divulgado, cinco especialistas avaliaram uma amostra aleatória de notícias e conteúdo de opinião do OCB que foi transmitida entre 1º de março e 30 de novembro de 2018. Enquanto o painel unanimemente disse que esportes, artes e conteúdo leve, bem como os resumos de notícias online, estavam bons, encontrou problemas com os noticiários de rádio e televisão.

Em relação à qualidade de produção da rádio e da televisão Martí, os especialistas disseram que era "medíocre".

Olhando para o equilíbrio e a equidade, os especialistas descobriram que os pontos de vista divergentes eram frequentemente deixados de lado e os anfitriões e jornalistas davam opinião e eram editorializados sem que o conteúdo fosse claramente apresentado como tal.

Além disso, “Quase todas as críticas ao governo cubano e seus líderes parecem ser permitidas em Martí, na rádio, na TV e online, dia após dia, em comentários de notícias e programas e reportagens online ao longo do dia”, segundo a avaliação dos especialistas.

O painel pediu que sejam apresentadas fontes com diferentes pontos de vista e mais atribuição de conteúdo. Também encontrou falta de contexto para explicar eventos da Revolução Cubana ou questões contemporâneas, especialmente fora da lente antiCastro.

Como pontos positivos, o painel disse que encontrou "poucos erros factuais" nos segmentos que de fato eram notícias e "quase nenhum uso de fontes anônimas".

Os painéis analisaram duas questões de longa data que afetam o USAGM, uma relativa a “se deveria produzir propaganda”, e o segundo, se o órgão e seus meios “deveriam ser um instrumento direto controlado pelo secretário de Estado para executar a política externa de cada governo”. Como observou o relatório, os governos e o Congresso desde pelo menos o presidente Dwight Eisenhower (1953-1961) decidiram não realizar nenhuma das duas práticas.

"Eles deram como tarefa à agência, em vez disso, de refletir os ideais americanos de uma imprensa livre, objetiva e justa, e dessa forma, buscar influenciar as populações estrangeiras, demonstrando como funciona uma democracia, com as coisas boas e ruins", afirmou o relatório.

Administração da Radio Televisión Martí no governo dos EUAAdministração da Radio Televisión Martí no governo dos EUA

Apesar de reconhecer que existe uma "tensão inerente" na missão do USAGM, já que faz parte do governo federal, os especialistas descobriram uma diferença em grande parte do conteúdo do Martí quando comparado aos outros serviços de notícias do USAGM.

"Martí se engaja abertamente na propaganda e na promoção da política externa do governo atual, neste caso em relação a Cuba (assim como à Venezuela e à Nicarágua)", afirmou.

Regalado, diretor do OCB, disse que a avaliação do painel é "incorreta" em relação à cobertura atual de Martí e que ela "pinta um único retrato".

Sem julgar se era correto se engajar no que determinou ser propaganda e a promoção de uma única política externa, o painel descobriu que as tentativas de levar a cabo tal estratégia para influenciar uma mudança de regime em Cuba foram "equivocadas" e "quase certas de fracassar".

Os revisores explicaram que a Cuba de hoje "parece estar pronta para a mudança", mas que "o conteúdo de Martí é fundamentalmente inadequado para promover uma mudança para a democracia". Para apoiar as alegações, eles disseram que o conteúdo de Martí não aborda a atual realidade cubana e que sua conversa unilateral mostra falta de capacidade de mudar opiniões. E, ao simplesmente atacar, ele não promove a democracia.

O presidente do painel de especialistas foi Edward Schumacher-Matos, diretor do Centro Edward R. Murrow para um Mundo Digital na Fletcher School of Law and Diplomacy da Tuft University. Outros membros do painel incluíram Andrea Sarralde, uma colaboradora e ex-repórter da Telemundo; Laura Castañeda, professora de prática na Escola Annenberg de Comunicação e Jornalismo da Universidade do Sul da Califórnia; Maria Fernanda Sandoval, especialista em marketing e mídia social; e Roberto Suro, fundador e ex-diretor do Pew Hispanic Center.

A Radio Martí foi criada em 1985 e a TV Martí em 1990. Com sede em Miami, Flórida, a Radio Televisión Martí recebe informações da ilha por telefone, email, mídias sociais e uma linha direta de direitos humanos. Como Regalado explicou ao Centro Knight, depois que as pessoas denunciam violações de direitos humanos, eles tentam confirmar as informações e as enviam para a Freedom House em Washington, D.C.

O orçamento de 2018 do OCB foi de US$ 29 milhões. No entanto, a solicitação de orçamento do Exercício Fiscal de 2020 do USAGM incluiu apenas US$ 12,9 milhões para o OCB.

O governo cubano bloqueia o sinal de TV na ilha e um avião que costumava carregar o sinal enquanto sobrevoava a ilha foi suspenso em 2014, segundo o The Guardian.

No entanto, de acordo com uma pesquisa de 2017 encomendada pelo Conselho de Diretores de Radiodifusão dos EUA - o precursor do USAGM - um em cada dez adultos cubanos entrevistados (1.478 pessoas) disse que usou o conteúdo de Martí na semana anterior. A pesquisa, cujo resumo foi fornecido ao Centro Knight pelo USAGM, estima que cerca de 1 milhão de adultos acessaram o conteúdo Martí via rádio, TV por satélite, online e via “paquetes”, pen drives ou DVDs carregados com conteúdo informativo e de entretenimento, durante esse período.

De acordo com o CEO Lansing, um grupo de trabalho conjunto do USAGM-OCB foi criado para tratar das recomendações da recente revisão de especialistas e analisará cinco áreas que incluem coisas como “atualização dos padrões jornalísticos” e “produção de jornalismo relevante, engajador e equilibrado, coerente com o mandato legislativo. ”

Outra reforma inclui a contratação de um Editor de Normas e Melhores Práticas, que Regalado disse que começará no cargo no início do mês de julho.

Como Lansing escreveu, os funcionários também estão passando por treinamento em justiça, objetividade, equilíbrio e viés na cobertura. Regalado trouxe alguém da Liga Anti-Difamação para conversar com os funcionários no escritório de Miami.

Em relação ao futuro, Regalado, ex-jornalista e ex-prefeito de Miami, fala sobre uma mudança de cultura.

“Ser um funcionário federal garante a você total isolamento das pessoas olhando para o que você faz e como você faz, da supervisão, da responsabilidade e nós mostramos com essa investigação e o resultado é que se as pessoas agem de maneira não profissional, mesmo que sejam funcionários federais, eles podem ser exonerados”, explicou Regalado.

O futuro de Martí também implica ser “a principal fonte de notícias sobre Cuba no mundo”, disse ele.

A agência se afastou de sua missão no passado, explicou, e agora ele é responsável pela implementação de reformas no OCB.

"Acho que o povo de Cuba merece isso", disse Regalado.

Ele mencionou artigos que cobrem a auditoria independente que foram incluídos nos noticiários da Radio Televisión Martí e no site após a divulgação do relatório.

“Se queremos transparência para o povo de Cuba, precisamos ser transparentes.”

No entanto, quando questionado posteriormente sobre as afirmações do painel de que Martí "se engaja em propaganda e na promoção da política externa do atual governo", Regalado disse que a avaliação "é incorreta se estamos falando do momento atual, o problema é que o relatório pinta um único retrato".

Como exemplo, ele chamou a atenção para a cobertura de Martí para o encontro entre o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, e o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau.

“Ambos discordam da questão cubana ao falar sobre a Venezuela”, disse Regalado. “Demos o mesmo tempo [no ar] às duas autoridades.”

Propaganda não será parte do futudo do OCB, de acordo com o diretor.

“Há uma tendência de acusar a mídia do governo dos EUA de propaganda”, afirmou. “O fato é que as redes da USAGM têm um alto padrão e são capazes de agir para demitir funcionários que desviam do rígido código de ética.”

Ele afirmou também que o OCB relata declarações do secretário de Estado e de membros do Congresso sobre Cuba, Venezuela e Nicarágua sem comentar a respeito.

Ele acrescentou que os repórteres do OCB devem tentar conseguir comentários de autoridades cubanas em sua cobertura do governo da ilha, mas que eles sempre recebem como resposta "sem comentários" ou "não falamos com vocês".

“Acredito que não podemos censurar nossos repórteres dizendo para eles não cobrirem uma declaração oficial do governo dos EUA”, disse Regalado. “Nós sempre oferecemos, pelo menos agora, a opinião do Congresso ou de pessoas interessadas confiáveis criticando tais declarações.”

*Este texto foi atualizado para incluir uma resposta do diretor do OCB, Tomás Regalado, sobre como a rede vai se definir sobre produzir jornalismo objetivo ou propaganda.

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