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Bukele endurece ofensiva e imprensa de El Salvador vive momento crítico

O presidente Nayib Bukele acirrou a sua investida contra a imprensa livre e a sociedade civil em El Salvador. O governo salvadorenho exacerbou o seu ímpeto autoritário nas últimas semanas, com a aprovação de uma lei que estrangula financeiramente organizações apoiadas por fundos internacionais, detenções arbitrárias de ativistas, ameaças contra jornalistas e um discurso mais desavergonhadamente antidemocrático.

As medidas acontecem após a proliferação de eventos e notícias desfavoráveis ao governo. Entre jornalistas e ativistas de direitos humanos, a ofensiva suscita medo.

“Quando falamos com colegas nicaraguenses, eles dizem: ‘Onde vocês estão, nós já estivemos’”, afirmou Hugo Sánchez, relator para a liberdade de expressão da Associação de Jornalistas de El Salvador (Apes, na sigla em espanhol), à LatAm Journalism Review (LJR). “‘E onde nós estamos, vocês vão estar’”.

Para jornalistas, um elemento especialmente grave é a introdução da Lei de Agentes Estrangeiros, mais conhecida como Lei Mordaça, aprovada no dia 20 de maio praticamente sem discussão no Congresso ou na sociedade salvadorenha.

Sob o objetivo declarado de tributar doações para organizações não governamentais (ONGs), a lei cria um novo imposto de 30% sobre qualquer financiamento externo para indivíduos ou organizações.

A nova lei também classifica como "agente estrangeiro" qualquer pessoa ou organização que receba financiamento direto ou indireto de entidades estrangeiras, e exige um registro no governo. 

Os chamados agentes estrangeiros ficam proibidos de participar de atividades políticas que possam "alterar a ordem pública" ou "ameaçar a estabilidade social e política" do país. Eles também deverão identificar em seus materiais que a informação divulgada é "financiada" por mandantes estrangeiros.

Por fim, a lei concede amplos poderes ao Executivo para regulamentar sua aplicação, permitindo ao Ministério de Governo isentar organizações específicas dessas exigências. Quem não cumprir a lei, estará sujeito a pesadas multas que podem chegar a US$ 200 mil.

Exemplo nicaraguense

A iniciativa se soma a diversas legislações recentes semelhantes na América Latina, em países francamente autoritários, como Nicarágua e Venezuela, e também com democracias ameaçadas, como Guatemala e Paraguai. O caso mais recente é o do Peru, que aprovou a própria Lei Mordaça em abril.

Jornalistas salvadorenhos consideram a lei salvadorenha vaga e ampla, o que abre espaço para arbitrariedades por parte das autoridades. 

“O que se pretende, basicamente, é sufocar o trabalho da imprensa independente e das organizações da sociedade civil, que têm sido muito críticas em relação ao governo”, afirmou Suchit Chávez, integrante da Junta Diretiva da Apes e jornalista da revista Factum, à LJR.

O imposto de 30% soma-se a outros pré-existentes, elevando o total da carga tributária para cerca de 50%, afirmou Suchit. A jornalista afirma que a lei “praticamente torna inviável a operação dos meios independentes e da sociedade civil”.

“Tanto os meios como as organizações vão reduzir suas operações, e acreditamos que algumas vão fechar”, disse ela.

A perda de financiamento devido aos novos impostos se soma a cortes anteriores de ajuda externa proveniente da USAID, em um país no qual os veículos de jornalismo dependem fortemente da ajuda externa.  Segundo os porta-vozes da Apes, algumas organizações estão considerando seguir o exemplo do El Faro e mudar a sua estrutura administrativa para o exterior.

O risco de prisão

Em paralelo, houve a detenção de três ativistas nas últimas semanas: da advogada de direitos humanos e ativista anticorrupção Ruth López; do advogado ambientalista Alejandro Henríquez; e de José Ángel Pérez, presidente de uma cooperativa camponesa.

 

O caso mais proeminente de detenção é o de López, da organização de direitos humanos Cristosal.  Ela é uma das vozes críticas ao governo mais conhecidas no país, tendo investigado ou apontado pelo menos 15 casos de alegada corrupção dentro do governo, denunciando também casos de detenções arbitrárias e mortes em centros penais. 

A sua prisão é considerada um exemplo do quão longe o governo está disposto a ir para calar a dissidência.

“Se você tivesse me perguntado há um mês se eu acreditava que seriam capazes de prender Ruth López, eu teria dito que não”, afirmou Suchit Chávez. “Existe uma tal incerteza jurídica que realmente não sabemos o que pode acontecer.”

Orgulho de ser ditador

A contagem de ataques contra a imprensa, em paralelo, disparou. Segundo a contagem da Apes, em 2024 foram registradas 789 agressões até maio, um aumento de 154% em relação ao ano anterior, quando foram contabilizadas 311.

Este clima de intimidação leva jornalistas a deixarem o país, seja por preocupações relacionadas à segurança física, seja preventivamente por ocasião de matérias importantes. Após publicar duas entrevistas com líderes de grupos criminosos em maio na qual afirmaram que Bukele fez acordo com gangues, jornalistas do El Faro disseram ter informações de que o governo pretendia prender no mínimo sete profissionais da redação.

Segundo Chávez, a Apes calcula que cerca de 30 jornalistas tenham saído preventivamente de El Salvador nas últimas semanas.

Um deles é o coordenador de Fotografia do El Faro, Victor Peña, que deixou preventivamente o país por causa da entrevista com os líderes de gangues e está fora há cerca de um mês.

Peña reitera o medo e a incerteza jurídica, especialmente no contexto do regime de exceção vigente, onde uma ordem judicial não é necessária para uma captura.  Ele afirma que a pressão de apoiadores do governo torna praticamente impossível resistir a uma ordem de prisão arbitrária, porque de certa forma são eles que definem a opinião pública.

“Depois da nossa publicação, houve funcionários, trolls, jornalistas pagos e pseudointelectuais que dizem analisar a situação do país que pediram publicamente que fôssemos presos por crimes de associação ilícita e apologia ao crime”, afirmou Peña à LJR. “Quando algo assim é executado, você já perdeu, porque o julgamento já foi feito publicamente, mesmo que nos tribunais eles não tenham razão.”

A principal explicação para por que Bukele decidiu apertar o cerco contra a imprensa e a sociedade civil agora envolve uma perda temporária de controle da narrativa por parte do governo, e a necessidade de recuperá-la, disse Peña.

Segundo Peña, o discurso oficial A narrativa estatal começou a derrapar a partir da aprovação de uma lei permitindo a mineração de metais no final do ano passado, que teve pouca aceitação popular. A isso, somaram-se outras questões, como uma piora na percepção pública relacionada à apreensão de um contâiner com drogas em Panamá que também continha café salvadorenho. 

Além disso, problemas cotidianos, como o fechamento de uma importante estrada devido a um deslizamento, geraram críticas em redes sociais que minaram a popularidade presidencial. Bukele também sofreu críticas pelo fato de aprisionar imigrantes deportados dos Estados Unidos, e com a reportagem com os líderes de gangues.

A crise de imagem levou o presidente a deixar de lado “a cordura” e certos comportamentos destinados a manter as apariências de que o líder salvadorenho não era “um repressor ou violador de direitos humanos”, disse Peña.

“Bukele perde o controle da narrativa, mas precisa de uma ação para retomar o poder, para recuperar a comunicação em suas mãos e dizer: ‘Aqui quem manda sou eu; estas são as minhas decisões’”, afirmou. “A partir disso, vem uma escalada.”

As evidências, por ora, são de que o presidente irá redobrar a aposta na deriva autoritária. Em um discurso por ocasião do aniversário de um ano de seu segundo mandato em San Salvador no dia 1º de junho, o presidente sugeriu ver como uma medalha de honra as acusações de antidemocrático.

“Democracia, institucionalidade, transparência, direitos humanos, Estado de direito… soam bem, são grandes ideais, na verdade, mas são termos que, na realidade, só são usados para nos manter submetidos”, afirmou Bukele. “Não me importo que me chamem de ditador.”