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Com dois jornalistas assassinados em uma semana e sete até agora neste ano, imprensa no México clama por justiça e proteção

Nelson Matus estava do lado de fora de uma loja de departamentos no porto de Acapulco, no estado mexicano de Guerrero, no sábado, 15 de julho. Depois das 15h, homens armados se aproximaram e dispararam vários tiros contra ele quando estava prestes a entrar em seu carro. Matus caiu instantaneamente, atingido no corpo e na cabeça, e morreu em poucos minutos, de acordo com relatos da imprensa local.

Matus era diretor do portal de notícias Lo Real de Guerrero, um meio digital popular especializado na cobertura de crimes e denúncias de cidadãos em Acapulco e arredores. Ele se tornou o sétimo jornalista a ser assassinado no México até o momento em 2023 e o segundo em Acapulco em menos de três meses.

O mês de julho trouxe uma escalada de violência contra o jornalismo no México, com pelo menos dois assassinatos. E com isso veio uma onda de condenação de organizações nacionais e internacionais, bem como um grito desesperado de jornalistas mexicanos por segurança.

"Os jornalistas de Acapulco [...] condenamos veementemente o assassinato de nosso colega Nelson Matus Peña, que ocorreu em plena luz do dia. [...] Haverá uma lista para o assassinato de jornalistas em Acapulco? Seremos os próximos? Não sabemos, mas queremos denunciar. Quantos jornalistas mais, presidente Andrés Manuel López Obrador?", escreveram associações de jornalistas do estado de Guerrero em uma carta aberta divulgada no mesmo dia do crime.

Cover of the El Sur de Guerrero newspaper, with the story of the killing of a journalist.

Após o assassinato de Nelson Matus, jornalistas de Acapulco se reuniram para protestar e exigir justiça e proteção. (Foto: Facebook de El Sur de Guerrero)

Matus já havia sofrido dois atentados contra sua vida. Um deles foi em 2019, quando indivíduos atiraram contra ele enquanto dirigia seu veículo, mas o jornalista escapou ileso. Dois anos antes, ele também sobreviveu a um ataque armado.

Apenas uma semana antes do assassinato de Matus, em 8 de julho, o jornalista Luis Martín Sánchez Íñiguez foi encontrado morto e com sinais de violência no município de Tepic, no estado de Nayarit, de acordo com a organização Artigo 19 do México. Sánchez Íñiguez, que era correspondente do jornal La Jornada e se especializava na cobertura política, havia sido dado como desaparecido três dias antes, no dia 5 do mesmo mês.

Naquele dia, o jornalista ligou para sua esposa, que estava em outro município, para informá-la de que não havia eletricidade em sua casa. Essa foi a última comunicação com Sánchez Íñiguez. No dia seguinte, quando um de seus filhos foi até a casa para ver como ele estava, encontrou o local vazio. Também desapareceram da casa o computador de trabalho do jornalista, seu telefone celular, um disco rígido portátil e a credencial que o identificava como correspondente do La Jornada, informou a família às autoridades.

O Ministério Público de Nayarit confirmou em 9 de julho que o corpo do jornalista havia sido encontrado junto com dois pedaços de papelão com uma mensagem escrita à mão que supostamente ligava o assassinato ao trabalho jornalístico da vítima.

"Há um ditado que diz: 'a verdade nos libertará'. A verdade o matou! Porque ele não se foi, eles o levaram, e se ele não tinha medo, nós também não temos. A justiça será feita aqui na Terra como no Céu", disse a filha de Sánchez Íñiguez durante o funeral, e depois pediu um minuto de aplausos pelos 30 anos de carreira jornalística de seu pai.

Várias organizações de liberdade de expressão condenaram os recentes assassinatos de jornalistas no México. A Artigo 19 exigiu que os Ministérios Públicos de GuerreroNayarit conduzissem investigações diligentes para garantir a justiça nos assassinatos de Matus e Sánchez Íñiguez, respectivamente, aplicando em ambos os casos o Protocolo Homologado para Crimes contra a Liberdade de Expressão, um instrumento do Ministério do Interior do governo federal que busca estabelecer as causas de um crime e sua possível relação com o enfraquecimento da liberdade de expressão.

O Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ) também pediu às autoridades que encontrem os responsáveis por ambos os assassinatos, observando que, em um país onde a corrupção e o crime organizado são abundantes, como é o caso do México, é difícil determinar se os jornalistas são alvos por causa de seu trabalho ou como parte do ambiente perigoso que prevalece em muitas regiões.

"O assassinato brutal do jornalista mexicano Nelson Matus Peña é ainda mais chocante se levarmos em conta que sua vida foi tirada apenas uma semana depois que outro repórter, Luis Martín Sánchez, foi encontrado morto em Nayarit", disse Jan-Albert Hootsen, representante do CPJ no México. “Infelizmente, as autoridades mexicanas continuam demonstrando sua ineficácia em proteger os jornalistas, que são frequentemente alvos de tais ataques.”

A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) lamentou que jornalistas em Acapulco e em outras áreas do México realizem seu trabalho com medo e sem proteção. A organização disse em um comunicado que, enquanto a violência contra os membros da imprensa permanecer impune, continuará a enviar uma mensagem de que há uma "carta livre" para aqueles que querem atacar jornalistas.

"Reiteramos nossa exigência de que o governo aja com firmeza diante dos assassinatos de jornalistas, administre a justiça, acabe com a violência que sofrem e demonstre seu compromisso com a liberdade de imprensa", disse Carlos Jornet, presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP.

A Organização das Nações Unidas (ONU) no México também condenou os assassinatos e enviou suas condolências às famílias. Em um comunicado, a organização pediu ao Estado mexicano que adote medidas preventivas eficazes e estruturais para pôr fim à violência contra aqueles que exercem o direito de defender a liberdade de expressão por meio do jornalismo.

 

 

Por sua vez, a UNESCO expressou preocupação com o possível impacto dos assassinatos de jornalistas no México sobre o ecossistema de informação do país.

"Os ataques a jornalistas estão levando à criação de zonas de silêncio onde os jornalistas se censuram e onde os cidadãos são privados do acesso à informação livre e pluralista", disse Audrey Azoulay, diretora geral da UNESCO.

Em declarações separadas, a Federação Internacional de Jornalistas condenou os crimes contra Matus e Sánchez Íñiguez e expressou solidariedade aos trabalhadores da imprensa que se mobilizaram no México para exigir justiça. Em ambos os casos, a IFJ pediu às autoridades municipais e estaduais que se coordenem com a Procuradoria Geral da República (FGR) para realizar investigações de acordo com o Protocolo Padrão para a Investigação de Crimes contra a Liberdade de Expressão.

"A falta de garantias para que jornalistas realizem seu trabalho com segurança prejudica sistematicamente a liberdade de expressão e o direito do povo mexicano à informação e, portanto, afeta a democracia", disse a organização.

Uma referência na cobertura policial

Antes de se tornar jornalista, Nelson Matus foi membro do Corpo de Bombeiros de Acapulco. Como resultado, ele estabeleceu relações estreitas com membros dessa e de outras forças de segurança, como a polícia e a Cruz Vermelha.

Depois de trabalhar como repórter policial para a revista Alarma e para o meio digital Agora Guerrero, Matus fundou seu próprio portal, Lo Real de Guerrero, que se tornou um ponto de referência para a cobertura policial no estado. Em várias ocasiões, a página do Facebook do meio foi retirada do ar, em uma delas, depois de ultrapassar um milhão de seguidores. Na época da morte de seu fundador, o site tinha 267 mil seguidores.

Os contatos que Matus construiu como bombeiro o ajudaram a se destacar em sua cobertura de crimes e acidentes.

"Todos nós temos nossas fontes secretas de informação. O segredo dele é que [...] ele fez muitos relacionamentos com policiais, com bombeiros, com pessoas que lidam com acidentes. E a partir daí ele tinha seus contatos que lhe diziam onde havia acidentes, onde havia uma pessoa executada e tudo mais. É por isso que ele chegava imediatamente", disse o jornalista Miguel Ángel Mata, presidente do Clube de Jornalistas de Guerrero e diretor do meio digital Síntesis de Guerrero, à LatAm Journalism Review (LJR).

A administração do governador Zeferino Torreblanca em Guerrero, entre 2005 e 2011, é lembrada pelos jornalistas desse estado como aquela em que a liberdade de imprensa foi mais prejudicada, não apenas por causa do uso discricionário de Torreblanca da publicidade oficial para "premiar" ou "punir" os meios de comunicação, mas também porque durante sua administração foram registrados 10 assassinatos de jornalistas, de acordo com uma contagem da Síntesis de Guerrero.

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Lo Real de Guerrero, meio digital fundado por Matus, se tornou referência em cobertura policial no estado. (Foto: Facebook Lo Real de Guerrero)

De acordo com Mata, durante esse mandato de seis anos, as fontes de informação nos escritórios dos promotores locais foram fechadas para a mídia e continuam assim até hoje. Raramente as autoridades judiciais fornecem informações sobre crimes aos repórteres e, embora essas instituições tenham uma assessoria de imprensa, elas raramente respondem a solicitações de informações.

"Então, quando Nelson entrou com esse novo método de ter contatos que lhe diziam que havia uma pessoa morta aqui, uma pessoa ferida ali, um acidente deste lado, ele de alguma forma abriu a cobertura policial novamente e permitiu que todos nós participássemos dessa dinâmica: procurar a fonte do lado de fora, mesmo que o governo não nos informe, temos que publicar", disse Mata.

A rapidez com que Matus chegava ao local dos crimes e acidentes gerou suspeitas de que eram os criminosos que o avisavam sobre os homicídios em Acapulco. Houve até um boato de que o jornalista estava agindo como porta-voz de um cartel.

A criminalização de jornalistas é uma forma comum de agressão contra a imprensa em Guerrero, disse Mata. Após os últimos casos de assassinatos de jornalistas no estado, houve acusações imediatas ligando as vítimas ao crime organizado, algumas delas vindas das próprias autoridades.

"As investigações [sobre os assassinatos de jornalistas] não estão progredindo, apenas se diz que foi o crime organizado ou que os colegas estavam envolvidos em coisas relacionadas ao crime, o que nos preocupa muito porque muitas vezes os ataques são realizados por políticos ou funcionários do governo, especialmente autoridades municipais. E eles se cobrem com o manto do crime", disse Mata.

Momentos após o assassinato de Gerardo Torres, que era correspondente da Reuters, Telemundo e TV Azteca, em 11 de maio deste ano, publicações em redes sociais de perfis falsos já apontavam para ele como tendo sido informante de um grupo criminoso, sem mostrar qualquer evidência disso.

"O caso de Gerardo Torres foi notório porque ele havia sido assassinado cinco minutos antes, alguns de nós não tínhamos ouvido falar, mas já podíamos ver nos grupos do Facebook e do WhatsApp, que são muito usados aqui para se comunicar, que eles já o estavam criminalizando", disse Mata. "É o modus operandi que eles usam, inventam páginas e, a partir daí, sem nenhuma prova, sem nenhuma declaração, apenas as palavras de pessoas desconhecidas que estão fazendo campanha para criminalizá-los.”

Entre 2000 e 2023, pelo menos 16 jornalistas foram assassinados em Guerrero, incluindo Matus, por motivos relacionados ao seu trabalho como jornalista, de acordo com a contagem da Artigo 19 (a organização não inclui Gerardo Torres em sua lista). Isso faz de Guerrero o segundo estado mais perigoso para o exercício do jornalismo depois de Veracruz, onde mais de 30 membros da imprensa foram assassinados no mesmo período.

Além disso, há mais de uma dúzia de jornalistas em Guerrero em deslocamento forçado devido a ameaças. E três jornalistas estão desaparecidos: Leodegario Aguilera, desaparecido em 22 de maio de 2004; Marco Antonio López Ortiz, desaparecido em 7 de junho de 2011; e o mais recente, Alan García Aguilar, visto pela última vez em 24 de dezembro de 2022.

De todos os casos de assassinatos de jornalistas em Guerrero, apenas três culminaram com a prisão ou condenação dos supostos autores ou mandantes, enquanto o restante dos casos ainda está sendo processado ou está congelado, de acordo com a revista Proceso.

O governo estadual tem um fundo de proteção e apoio para familiares de jornalistas vítimas de crimes. Da mesma forma, o Mecanismo de Proteção para Defensores de Direitos Humanos e Jornalistas do governo federal passou a oferecer proteção a jornalistas ameaçados. Entretanto, para os jornalistas de Guerrero, essas medidas não enviam uma mensagem clara de não impunidade aos criminosos.

"O que estamos lutando como grupo é para que todos os casos sejam tratados, para que uma solução seja encontrada, porque a impunidade incentiva mais ataques a jornalistas", disse Mata. "Acreditamos que, enquanto os autores intelectuais e materiais dos crimes não forem punidos, eles não terão fim, porque é muito fácil nos atacar.”

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