O The Intercept Brasil chegou a dez mil apoiadores e bateu a meta da sua campanha recorrente de crowdfunding em julho, quando ultrapassou R$ 300 mil mensais. Desde que começou a fazer esse tipo de arrecadação, o veículo conseguiu dobrar o número de funcionários, mudar de redação, comprar equipamentos, além de investir em reportagens mais caras e se defender de processos na Justiça.
Segundo a jornalista e diretora de comunicação do The Intercept Brasil (TIB), Marianna Araujo, responsável pela campanha, o site fez a primeira arrecadação coletiva em setembro de 2018, para reforçar a cobertura das eleições presidenciais.
"Foi uma campanha ousada e corrida, pedindo R$ 90 mil reais em 30 dias. E levantamos mais de R$ 120 mil. Ficou claro então que havia uma disponibilidade da audiência de contribuir com o financiamento do Intercept, e isso foi muito antes da Vaza Jato. Hoje temos a maior campanha recorrente do país", disse Araujo à LatAm Journalism Review.
O Intercept, fundado por Glenn Greenwald, Jeremy Scahill e Laura Poitras, é parte do grupo First Look Media (FLM), criado em 2013 pelo fundador do eBay, Pierre Omidyar. O veículo foi lançado no Brasil em 2016. Até 2018, a redação brasileira se manteve apenas com o financiamento da FLM, já que todo conteúdo do site é gratuito e não há anúncios.
Depois disso, as campanhas rapidamente se tornaram uma "parcela fundamental" do orçamento, explicou Leandro Demori, editor executivo do TIB, à LJR. "Nunca vimos uma coisa desse tamanho em jornalismo no Brasil, é inédito", disse ele.
Segundo Araujo o TIB busca a sua própria sustentabilidade e, com o apoio dos leitores, consegue crescer, algo que o orçamento fixo não permite. Com o sucesso da arrecadação inicial nas eleições, o TIB decidiu lançar, em dezembro de 2018, uma campanha mais robusta e recorrente, em que os doadores se comprometem com um valor mensal.
"Em 20 dias já tínhamos batido a meta de R$ 20 mil e estabelecemos uma nova, de R$ 60 mil. E, em maio de 2019, já tínhamos R$ 55 mil", conta Araujo. Um mês depois, o site publicou uma série de reportagens, após o vazamento de conversas entre procuradores da operação Lava Jato em aplicativos de mensagens, o que ficou conhecido como Vaza Jato.
A campanha, que já ia muito bem, "explodiu", atingindo R$ 200 mil, conta Araujo. E nunca mais ficou abaixo disso. A Vaza Jato chegou em um momento em que o TIB já tinha uma estratégia de arrecadação montada e operando. Demori compara a situação com uma corrida, em que "você liga um botão e turbina o carro". "Pessoas que não conheciam o site passaram a conhecer, pela audiência que as matérias trouxeram. E outras já conheciam, mas precisavam daquele empurrão para virar doadores".
Demori e Araujo defendem que a linha editorial e a marca do The Intercept Brasil têm muita relação com o sucesso da campanha. Como todo o conteúdo do site é gratuito, diz Araujo, os apoiadores entendem que as suas doações contribuem para que todos tenham acesso à informação, mesmo quem não pode pagar.
"Acreditamos que o jornalismo de impacto, que transforma a sociedade, tem que estar acessível para todos. É a nossa filosofia. Tento usar isso a nosso favor na campanha, e temos uma resposta boa. A gente diz: 'Tudo que fazemos é gratuito, queremos continuar assim, precisamos da sua ajuda. Se você pode contribuir, ajude, para que quem não pode contribuir também possa ler'", afirma ela.
Demori destaca o papel fundamental da identificação da audiência com a linha editorial. Segundo ele, o site tem um público fiel, que gosta do estilo e do tipo de jornalismo que o TIB faz. O Intercept foca em matérias que tenham impacto, afirma Demori, como cancelar uma licitação por corrupção, provocar a resposta de alguma instituição ou desencadear denúncias. E isso é valorizado pelos doadores.
"As pessoas, quando vêem esse impacto, sentem que estão pagando por um serviço público. Se o Intercept fosse um site mais mainstream, com um jornalismo mais padrão, desconfio que a campanha não teria tanta força assim, então essa conexão é bem direta", diz.
Em 2020, o TIB estabeleceu a meta de R$ 300 mil, que foi atingida em julho. Demori conta que, com os recursos, foi possível praticamente dobrar o tamanho da redação, que passou a ter cerca de vinte pessoas, localizadas no Rio, São Paulo e Brasília, bem como manter uma correspondente no Nordeste. As contratações não foram apenas na parte editorial, mas também para "preparar o site para o futuro", disse Demori.
"Contratamos pessoas para coordenar a redação, um diretor de audiência, para qualificar áreas, o que a gente não tinha condições de fazer antes. Construímos um estúdio de vídeo, porque não queremos só mais leitores, queremos trabalhar com vários formatos. Queremos expandir o site para ser um broadcaster geral de conteúdos jornalísticos", explica.
O dinheiro também foi investido na mudança para uma redação maior e mais segura, em reportagens mais caras e na defesa dos jornalistas contra processos judiciais. Com a maior visibilidade e impacto do site, afirma Demori, vem uma "ressaca jurídica". "Nós incomodamos mais, tiramos pessoas dos seus cargos, fazemos corruptos perderem dinheiro… E as doações permitem segurar a onda dos processos", diz.
Como a campanha funciona?
A campanha de arrecadação do TIB é feita por uma plataforma de financiamento coletivo, chamada Catarse. Fazer a arrecadação nesse formato foi uma escolha pragmática, diz Araujo. "O Catarse absorve toda a estrutura de pagamento, emissão de boletos, administração dos cartões e atendimento ao cliente que eu não teria condições de fazer sozinha. Obviamente o Catarse cobra por isso, fica com uma porcentagem do total", afirma.
Assim, o valor que fica para a redação é inferior aos R$ 300 mil por mês. Há também um fluxo normal de entrada e saída de apoiadores, o que faz com que esse total oscile bastante. As pessoas atrasam o pagamento do boleto, têm o cartão roubado e não atualizam os dados na plataforma ou simplesmente decidem parar de pagar, por diversos motivos, conta Araujo.
Atualmente, a doação média para a campanha do TIB é de R$ 27 por mês. O valor mínimo é de R$ 5, mas tem assinantes que doam R$ 500 e até R$ 1.000 por mês, por exemplo. A maioria, cerca de 5 mil apoiadores, contribui com R$ 25 mensais – a partir desse valor o assinante ganha recompensas, como livros autografados, convites para eventos, um curso de segurança digital e a possibilidade de fazer parte de um grupo fechado no Facebook.
"As pessoas valorizam muito esse grupo, porque podem ter uma conversa direta com os jornalistas do TIB. Nossos repórteres e editores têm o compromisso de se dedicar semanalmente ao grupo, tentamos interagir, contamos sobre o cotidiano da redação, postamos notícias… É totalmente informal", conta Araujo.
Como há uma flutuação normal no número de apoiadores, a campanha precisa ser constante, com uma busca ativa de doadores. O TIB não investe em anúncios da campanha, mas pede doações em todos seus canais de comunicação: newsletters, Spotify, redes sociais e no próprio site, ao final de cada reportagem. É um trabalho intenso, de tempo integral, conta Araujo.
Ao mesmo tempo, toda a equipe se esforça para ser responsiva e interagir com leitores em vários canais de comunicação. "Somos muito bons nisso. Os assinantes estão acostumados com um canal aberto, eles mandam pauta, tiram dúvidas, fazem críticas. É difícil um email ficar sem resposta. Essa é uma preocupação tremenda nossa, me parece lógico que veículos independentes procurem uma proximidade maior com o seu público", aponta.
Os canais também são usados para prestar contas sobre como o dinheiro é aplicado. Pela newsletter, o público acompanhou o crescimento da equipe do TIB e a construção de um estúdio de vídeo.
O fato do The Intercept Brasil ser uma organização sem fins lucrativos ajuda na arrecadação, argumenta Araujo. "Todo o dinheiro é investido em jornalismo, não tem alguém que fique com o lucro". Para ela, a campanha mostra que é possível fazer jornalismo independente no Brasil. "A audiência tem fome desse tipo de jornalismo, de alta qualidade, de muita entrega e de interesse público. E as pessoas estão dispostas a abraçar isso".